Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Existem assuntos que entre familiares e amigos frequentemente levam à discussão, como é o caso da política, futebol ou religião. As pessoas pensam que terem ideias fixas sobre as coisas confere-lhes assertividade e segurança naquilo que estão a defender. Poucos são os que estão cientes de que ter ideias fixas não faz lá muito bem à saúde mental. Recentemente partilharam-me um video; da neurocientista brasileira Rosana Alves que refere este assunto e pensei numa experiência recente que tive na organização de uma conferência internacional.
Um dos momentos importantes das conferências internacionais são os banquetes. No nosso caso, escolheu-se um espetáculo dedicado a “Portugal e os Descobrimentos” que continha alguns textos que achei um pouco exagerados porque me levavam a pensar como fomos outrora tão longe e, o hoje de Portugal, parece tão longe desses feitos. Mas, no dia seguinte, recebemos o retorno de uns estudantes estrangeiros que teriam ficado incomodados com o espetáculo pelo tom colonialista. Sinceramente, quando recebi aquela impressão, pensei — “terão ido ao mesmo espetáculo que eu?” — mas talvez tenha sido outra coisa.
O nosso cérebro não está muito virado para acolher ideias diferentes. Quando alguém expressa uma ideia que vai contra as minhas convicções é muito difícil esvaziarmo-nos daquilo que pensamos para acolher plenamente a ideia do outro. E a razão é biológica. Pois, ao fazer o esforço para compreender bem aquilo que o outro está a dizer, bem diferente daquilo que eu penso, o meu cérebro é obrigado a fazer novas ligações sinápticas, exigindo um maior esforço cognitivo. Uma das reacções para contradizer a adversidade do novo é a colocação de um “filtro” àquilo que o outro está a dizer. Aliás, por essa razão tantos casais entram em conflito quando aquilo que um ouve do outro, filtrado pelo seu cérebro, e repetido verbalmente, pode soar diferente daquilo que o outro realmente disse. Creio que algo semelhante terá acontecido na mente daqueles estudantes estrangeiros.
Em muitos jovens sente-se uma certa polarização em relação a muitas coisas que se vivem no mundo. É como se fosse imperativo evitar as zonas cinzentas que as ideias diferentes das nossas suscitam. No espectáculo, Vasco da Gama protagoniza os Portugueses e os Descobrimentos. Através do personagem vamos a África, à Índia e ao Brasil. Quando lá chega, Vasco da Gama procura comunicar com os povos diferentes do seu e acaba por aprender a dançar a dança de cada povo. Nunca impõe um estilo português de ser e dançar. Logo, a mensagem que compreendi foi a de um povo que no início procurou fazer-se um com os outros povos nos relacionamentos comerciais e culturais que estabelecia. Não sou capaz de entender qualquer mensagem colonialista nisto, mas será que filtrei algo?
Um estudo; de 2019 publicado na nature neuroscience procurou perceber o mecanismo neurológico por detrás das opiniões polarizadas e o resultado foi que, independentemente da atenção que prestamos aos outros, quando as nossas opiniões se contradizem, a sensitividade neuronal no córtex pré-frontal médio posterior reduz-se, e essas opiniões deixam, biologicamente, de ter qualquer força sobre nós. Quer isso dizer que não vale a pena falarmos sobre assuntos em que temos opiniões contrárias?
A “receita” é simples: começar o diálogo, ou orientá-lo, em primeiro lugar, para aquilo que nos une, em vez de nos esforçarmos por mostrar como “nós” temos evidências para estarmos certos e os outros errados.
Não são os factos que alteram a nossa opinião sobre os assuntos difíceis, mas antes os relacionamentos que estabelecemos com aqueles que pensam de uma maneira diferente de nós. E assentar qualquer diálogo sobre uma base comum, na prática, é o passo natural para fortalecer qualquer relacionamento. Só depois se pode pensar em amadurecer a nossa opinião com a contrária.
Quando algo não nos parece correcto é importante manifestá-lo, mas a polarização impede muitas vezes a opinião razoável que não nega o valor da opinião do outro, mas também não sobrevaloriza a nossa. E se isto é válido quando partilhamos a mesma cultura, mais válido ainda se torna quando somos de culturas diferentes.
Atribui-se a Arquimedes a frase — «Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo.» — Coisas que nos unem, valores que partilhamos, experiências comuns apesar de diferentes convicções são pontos de apoio que nos ajudam a levantar o mundo das areias movediças da polarização. É preciso saber a ser sensato e a evitar as visões do mundo e da história a preto e branco. A vida enche-se de gradientes de cores subtis que perfazem uma diversidade de padrões e tonalidades. E essa diversidade confere ao ambiente que nos rodeia uma unidade maravilhosa feita de muitos contrastes. Alfred North Whitehead dizia que se tudo fosse belo seria monótono, e se tudo fosse feio seria caótico. A beleza está na harmonia dos contrastes que não se contradizem, mas manifestam unidade na diversidade para que juntos cheguemos à verdade sobre a realidade.
Para acompanhar o que escrevo pode subscrever a Newsletter Escritos em https://tinyletter.com/miguelopanao
;