SABER APRENDER – A reconhecer pontos de apoio

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Existem assuntos que entre familiares e amigos frequentemente levam à discussão, como é o caso da política, futebol ou religião. As pessoas pensam que terem ideias fixas sobre as coisas confere-lhes assertividade e segurança naquilo que estão a defender. Poucos são os que estão cientes de que ter ideias fixas não faz lá muito bem à saúde mental. Recentemente partilharam-me um video; da neurocientista brasileira Rosana Alves que refere este assunto e pensei numa experiência recente que tive na organização de uma conferência internacional.

Foto de Vinicius Amano em Unsplash

Um dos momentos importantes das conferências internacionais são os banquetes. No nosso caso, escolheu-se um espetáculo dedicado a “Portugal e os Descobrimentos” que continha alguns textos que achei um pouco exagerados porque me levavam a pensar como fomos outrora tão longe e, o hoje de Portugal, parece tão longe desses feitos. Mas, no dia seguinte, recebemos o retorno de uns estudantes estrangeiros que teriam ficado incomodados com o espetáculo pelo tom colonialista. Sinceramente, quando recebi aquela impressão, pensei — “terão ido ao mesmo espetáculo que eu?” — mas talvez tenha sido outra coisa.

O nosso cérebro não está muito virado para acolher ideias diferentes. Quando alguém expressa uma ideia que vai contra as minhas convicções é muito difícil esvaziarmo-nos daquilo que pensamos para acolher plenamente a ideia do outro. E a razão é biológica. Pois, ao fazer o esforço para compreender bem aquilo que o outro está a dizer, bem diferente daquilo que eu penso, o meu cérebro é obrigado a fazer novas ligações sinápticas, exigindo um maior esforço cognitivo. Uma das reacções para contradizer a adversidade do novo é a colocação de um “filtro” àquilo que o outro está a dizer. Aliás, por essa razão tantos casais entram em conflito quando aquilo que um ouve do outro, filtrado pelo seu cérebro, e repetido verbalmente, pode soar diferente daquilo que o outro realmente disse. Creio que algo semelhante terá acontecido na mente daqueles estudantes estrangeiros.

Em muitos jovens sente-se uma certa polarização em relação a muitas coisas que se vivem no mundo. É como se fosse imperativo evitar as zonas cinzentas que as ideias diferentes das nossas suscitam. No espectáculo, Vasco da Gama protagoniza os Portugueses e os Descobrimentos. Através do personagem vamos a África, à Índia e ao Brasil. Quando lá chega, Vasco da Gama procura comunicar com os povos diferentes do seu e acaba por aprender a dançar a dança de cada povo. Nunca impõe um estilo português de ser e dançar. Logo, a mensagem que compreendi foi a de um povo que no início procurou fazer-se um com os outros povos nos relacionamentos comerciais e culturais que estabelecia. Não sou capaz de entender qualquer mensagem colonialista nisto, mas será que filtrei algo?

Um estudo; de 2019 publicado na nature neuroscience procurou perceber o mecanismo neurológico por detrás das opiniões polarizadas e o resultado foi que, independentemente da atenção que prestamos aos outros, quando as nossas opiniões se contradizem, a sensitividade neuronal no córtex pré-frontal médio posterior reduz-se, e essas opiniões deixam, biologicamente, de ter qualquer força sobre nós. Quer isso dizer que não vale a pena falarmos sobre assuntos em que temos opiniões contrárias?

A “receita” é simples: começar o diálogo, ou orientá-lo, em primeiro lugar, para aquilo que nos une, em vez de nos esforçarmos por mostrar como “nós” temos evidências para estarmos certos e os outros errados.

Não são os factos que alteram a nossa opinião sobre os assuntos difíceis, mas antes os relacionamentos que estabelecemos com aqueles que pensam de uma maneira diferente de nós. E assentar qualquer diálogo sobre uma base comum, na prática, é o passo natural para fortalecer qualquer relacionamento. Só depois se pode pensar em amadurecer a nossa opinião com a contrária.

Quando algo não nos parece correcto é importante manifestá-lo, mas a polarização impede muitas vezes a opinião razoável que não nega o valor da opinião do outro, mas também não sobrevaloriza a nossa. E se isto é válido quando partilhamos a mesma cultura, mais válido ainda se torna quando somos de culturas diferentes.

Atribui-se a Arquimedes a frase — «Dê-me uma alavanca e um ponto de apoio e levantarei o mundo.» — Coisas que nos unem, valores que partilhamos, experiências comuns apesar de diferentes convicções são pontos de apoio que nos ajudam a levantar o mundo das areias movediças da polarização. É preciso saber a ser sensato e a evitar as visões do mundo e da história a preto e branco. A vida enche-se de gradientes de cores subtis que perfazem uma diversidade de padrões e tonalidades. E essa diversidade confere ao ambiente que nos rodeia uma unidade maravilhosa feita de muitos contrastes. Alfred North Whitehead dizia que se tudo fosse belo seria monótono, e se tudo fosse feio seria caótico. A beleza está na harmonia dos contrastes que não se contradizem, mas manifestam unidade na diversidade para que juntos cheguemos à verdade sobre a realidade.


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