SABER APRENDER – A parar para pensar

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O problema da desinformação não parece querer dissipar-se por maiores que sejam os esforços das empresas de redes sociais. O exemplo mais premente é o da desinformação em relação à vacina para a Covid-19 que continua a influenciar a percepção que as pessoas têm da mesma. É tentador pensar que nos encontramos num mundo da “pós-verdade” onde deixou de ser possível distinguir facto de ficção, e que o melhor é mesmo permanecer ignorante em relação à veracidade daquilo que partilhamos. Mas saiu um trabalho recente na prestigiada revista Nature que nos mostra como o desafio pode ter solução.

O estudo questiona duas coisas: 1) por que razão as pessoas partilham a desinformação e; 2) como reduzir essa partilha. Uma das conclusões é a de que a veracidade dos títulos das notícias partilhadas produz um efeito marginal nas intenções de partilha, apesar de terem um grande efeito no juízo que fazemos em relação à sua veracidade. Em suma, há que distinguir intenção de juízo em relação ao que as pessoas partilham nas suas redes de contactos.

Por este motivo, o facto das pessoas partilharem algo que outros verificam não ser verdade não quer dizer que as pessoas que partilharam acreditavam nisso. Isto indica que se partilha muito sem pensar naquilo que se partilha, embora as pessoas estejam sensíveis à importância de partilhar informação verdadeira. Por que razão pensamos menos antes de partilhar?

Das experiências que este grupo de investigadores fez, usando o Twitter, os resultados mostraram que desviando, subtilmente, a atenção na direcção da precisão da informação a partilhar, aumenta a qualidade das partilhas realizadas. As pessoas partilham muitas vezes informação que não é verdadeira porque a sua atenção está centrada em outras coisas que não na precisão daquilo que partilham. Este resultados desafiam a ideia de que as pessoas valorizam mais as causas que as levam a fazer partilhas de desinformação do que a precisão da informação partilhada. Penso que seja um notícia positiva que aponta para o sentido humano de permanecer sempre na verdade. A questão está em saber aprender a orientar a atenção na direcção da precisão, e, curiosamente, a pensar antes de agir. Uma atitude recomendada sempre pelos nossos avós. Mas como actualizá-la neste novo contexto da cultura digital?

O fácil deslizar do rol de notícias, vídeos de gatinhos, e fotos a que temos acesso, facilita o consumo superficial dos conteúdos, levando-nos a parar, e reagir, somente naqueles que despertam alguma emoção em nós. O consumo de informação de hoje é, essencialmente, distractivo. O significado desta onda na sociedade da informação é a de que as atitudes das pessoas em relação à verdade não está por detrás das razões de desinformação que partilham, mas antes do tal subtil desvio da atenção em relação ao que é verdadeiro. De vez em quando, ao receber novamente um texto de Augusto Cury como sendo uma homilia recente do Papa Francisco, chamando a atenção da pessoa pela falta de precisão naquilo que partilhou, a reacção é sempre a de alguém que preza a verdade, pedindo desculpa pela distracção. Mas a culpa não é destas pessoas.

O algoritmos das redes sociais estão optimizados para prender a atenção das pessoas, de modo a estarem mais tempo a interagir nas redes. Os algoritmos preocupam-se mais com o grau de envolvimento das pessoas nas redes do que com a verdade. Por isso, se a génese do espalhamento de desinformação é um subtil desvio de atenção, a solução passa por um subtil desvio, também, da atenção no sentido da procura da verdade. Esse desvio faz-se com momentos de pausa e paragem para pensar antes de partilhar. Como as homilias.

Para mim, o momento da homilia é uma oportunidade que Deus me dá de parar para pensar. Muitas vezes, através de uma ou outra palavra, ou ideia que o sacerdote inclui na sua meditação, surgem-me respostas para questões que me colocava há algum tempo. É claro que isso pode colocar um peso de responsabilidade sobre os sacerdotes que não podem delinear a sua reflexão com base naquilo que alguém disse que o outro disse, mas na verdade, o que seria o mais normal. Pois, estar na verdade é estar em Deus que é a Verdade.

Quando somos chamados à atenção por termos partilhado algo que não é verdadeiro, sentimo-nos culpados e com um certo mal-estar. Pode ser natural começarmos a partilhar menos o que nos interessa aos outros, comunicando menos e com maior ponderação. E será difícil entender o real alcance que tem o pequeno acto de deixar cair o nosso orgulho por termos contribuído para a propagação da desinformação. Mas é um cair de orgulho necessário. Pois, o alcance em que estou a pensar é o da profundidade do tempo que vivemos, prestes a celebrar o momento da ressurreição de Jesus.

A distinção entre facto e ficção é um dos maiores dramas humanos relacionado com a crença na ressurreição de Jesus. O evento é único e irrepetível, logo, é legítima a preocupação de perceber o grau de veracidade deste facto. Mas a precisão com que é relatado ao fim de 20 séculos de história, sobretudo através das experiências dos apóstolos nos dias após a abertura da pedra do túmulo, tem perdurado no tempo, sem alteração e com amplo espaço ao aprofundamento.

A decrença em relação à ressurreição tem mais a ver com a sensibilidade espiritual de cada pessoa do que remeter a crença para uma desatenção à verdade, em vez de pensar nessa como uma atitude diante da verdade. Por isso, quem não acredita na ressurreição devia duvidar tanto daquilo que crê, como quando pede a quem acredita para duvidar desse evento. Na prática, crentes e não crentes com uma atitude sincera em relação à verdade deveriam aceitar a experiência (maior ou menor) espiritual do outro como parte do desejo que todos temos de viver sempre para a verdade.

A atitude perante a verdade num mundo permeado de distracções, e subtis desvios de atenção, é fundamental para diminuir, o mais possível, o impacte da desinformação na formação das consciências. Aliás, estou cada vez mais convicto de que ultrapassar o desafio da desinformação pode ser uma das maiores frentes que a Nova Evangelização enfrentará no século XXI.


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