SABER APRENDER – A imaginar ecologicamente

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

O desfecho da guerra na Ucrânia depende da vontade humana, e tudo pode alterar-se de um momento para o outro porque o desastre não é natural, mas político e social. O desfecho da Covid-19, gradualmente, chega ao seu termo, apesar do alerta de novas variantes, mas conseguimos uma vacina em tempo recorde, e nem todas as mudanças culturais necessárias ficarão para sempre. O desfecho de uma alteração do clima irreversível pode levar-nos a uma fase da história humana longa, árdua e com profundas mudanças culturais. A plataforma de acção Laudato Si’ pretende ajudar a Igreja a dar testemunho da fé com acções concretas, mas quantos ouviram falar desta plataforma? Aparentemente, poucos.

Foto de Nicholas Doherty em Unsplash

 

Foto de Nicholas Doherty em Unsplash
Foto de Nicholas Doherty em Unsplash

No início deste mês de Abril, o Painel Intergovernamental para as Alterações Climáticas publicou um relatório preocupante. Evitar exceder o limite dos 1.5ºC parece estar fora do nosso alcance. Seria preciso que as nações do mundo reduzissem as suas emissões em pouco mais do que 40% até 2030 e, até 2050, parar, definitivamente, de adicionar mais dióxido de carbono para a atmosfera relativamente ao que já existe. Se o que se fez até agora não foi suficiente — uma “litania de promessas quebradas” nas palavras do Secretário Geral da ONU António Guturres, — espera-se que pouco mais se possa fazer para evitar cheias e períodos de seca mais intensos, fogos mais frequentes e devastadores e a destruição em geral dos ecossistemas. A Covid-19 estava à nossa porta, a guerra nos limites da Europa, mas os danos causados pelas alterações climáticas que o nosso conforto energético geraram são um meteorito inescapável. Ou haverá ainda esperança?

Por todo o mundo nascem focos de conversão ecológica dentro de famílias, comunidades paroquiais, religiosas, movimentos, escolas e universidades, e até dentro de empresas. E a plataforma onde partilham o seu percurso de conversão ecológica alimentado pelos objectivos oferecidos pela Laudato Si’ é esta “Plataforma de Acção Laudato Si’”: https://plataformadeacaolaudatosi.org;. Por um lado, a plataforma oferece pistas de conversão ecológica e, por outro, oferece a oportunidade de construirmos juntos uma comunidade virtual que pode inspirar cada pessoa do mundo a repensar o seu estilo de vida. Mas nas oportunidades que tenho de questionar as pessoas se sabem desta plataforma, aqui em Portugal, a maior parte não conhece ainda. Os participantes de língua portuguesa são ainda pouco expressivos e não há uma só reflexão em língua portuguesa, o que inclui toda a comunidade luso-brasileira. Por que razão?

A impressão com que fico é a de que por mais que nos esforcemos por divulgar esta iniciativa que procura criar uma voz concreta de vida a favor de uma relação maior e mais profunda com a natureza, indo ao encontro dos pobres, e fazendo da nossa vida um testemunho da sobriedade do Evangelho, as pessoas estão ainda a dormir. Ou, como ouvi recentemente, andamos a competir com o YouTube, Facebook, Twitter, TikTok ou Instagram pela atenção das pessoas que acabam por se distrair e não começam já a alterar o seu estilo de vida.

Alterar um estilo de vida tira-nos da zona de conforto, mas se isso implicar juntar mais tarefas às que já temos, torna-se um algo-a-mais, em vez de um algo-mais que nos motiva a estar sempre a melhorar. Por vezes, o que nos custa mais é dar o primeiro passo, mas depois de me registar na Plataforma percebi que também o segundo passo não é só difícil de dar, como pode ser mais difícil ainda do que o primeiro. O que poderá estar a faltar? Se soubesse teria dado já o segundo passo. O pensamento que me ocorre é o de um fenómeno físico chamado: inércia.

Inércia é a tendência a nada fazer, mantendo-se tudo como está. Usualmente, essa provém de um estilo de vida relativamente confortável, ou pautado por tarefas e mais tarefas que pouco espaço cognitivo resta para tomarmos um pouco do nosso tempo e deixarmos que a mente pense, com calma, em algo que poderíamos fazer. Ainda que o passo seja pequeno, qualquer acção que por em prática algum aspecto relacionado com os objectivos Laudato Si’ tem valor. Esses objectivos são:

  • responder ao clamor da Terra;
  • responder ao clamor dos pobres;
  • repensar a economia para que seja mais ecológica;
  • adoptar estilos de vida mais sustentáveis;
  • aprender mais sobre ecologia;
  • desenvolver uma espiritualidade ecológica;
  • e ser mais resiliente dando protagonismo à vida das comunidades.

A melhor maneira de propagar uma ideia é falar sobre ela. Mas se não contém intriga ou estimula a produção de dopamina no nosso cérebro, uma ideia pode não passar disso… uma simples ideia. Porém, ter muitas ideias pode produzir o mesmo efeito de não ter ideia nenhuma. Por isso, talvez o melhor seja começar por uma.

No meu caso, ando a fazer uma competição comigo mesmo. No objectivo Laudato Si‘ de uma economia mais ecológica existe a sugestão de desinvestir em combustíveis fósseis. Como esses estão muito relacionados com os transportes, uma das alterações mais evidentes seria adquirir um carro elétrico, mas um investimento desses não está ao alcance do bolso daqueles que não tiverem pensado nisso com alguma antecedência. Porém, como a maior parte dos carros mostra no visor, ao menos, o valor do consumo médio de combustível feito ao longo do tempo, pensei que uma forma de “desinvestir” seria investir o mínimo possível.

A competição é a seguinte: atingir o mínimo de consumo médio possível em cada depósito de combustível. Primeiro, quando encho o depósito coloco o consumo médio a 0.0 litros/100km. Depois, no início com o pára-arranque típico dos trajectos urbanos o consumo é elevado, alternando entre os 9-10 litros/100 km. A partir daí faço tudo para diminuir o consumo médio. Quer isso dizer que nas descidas não acelero e mantenho a mudança engatada para não consumir combustível; ando mais devagar e tento manter o mais possível essa velocidade para minimizar carregar no acelerador; e procuro fazer apenas as viagens essenciais.

Na prática transformei uma acção ecológica num jogo e quem não gosta de jogar? É preciso saber aprender a desenvolver uma imaginação ecológica, de modo a vencer a inércia e dar o próximo pequeno passo para um estilo de vida mais sustentável. Um estilo de vida Laudato Si’.


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