Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
Quando era jovem ouvi e jamais esqueci que “ser santo é ser feliz”. E no dia de Todos os Santos escutámos as Bem-aventuranças que diversas vezes ouvi, também, como sendo um itinerário para a santidade. Porém, por que razão sentimos que evoluímos pouco nessa direcção? O que significa evoluir na santidade? Será ser mais humilde, chorar mais, andar esfomeado e sedento de justiça, ser mais misericordioso, purificar o coração (como?), promover a paz, sofrer perseguição, ser insultado e aceitar que digam mal contra nós? O caminho da evolução para a santidade parece ser pouco atraente. Será essa a razão de não pensarmos muito nisso e, por isso, evoluirmos pouco para a santidade? Talvez seja uma questão de escalas de comprimento associadas a este caminho.
Em 1996, Adrian Bejan, professor na Universidade de Duke nos EUA, propôs uma teoria chamada de construtal que diz — «para um sistema finito persistir no tempo (viver) deve evoluir de modo a facilitar o acesso daquilo que flui nesse.» — ou seja, a forma que têm as ramificações de uma árvore, ou a estruturas dos alvéolos pulmonares, ou ramificações das bacias dos rios, são configurações muito semelhantes pelo modo de facilitar o fluir (seiva, ar, água) ser equivalente entre si. Pois, o que flui vai de um ponto para uma área e a forma dendrítica das redes é a que facilita esse acesso. Um outro exemplo são os ecrãs rectangulares. Como a velocidade da visão na direcção horizontal depende apenas do movimento dos olhos, enquanto que na direcção vertical depende da cabeça, a forma que mais facilita o acesso do olhar a qualquer ponto num ecrã (de cinema, por exemplo) é aquele cujo comprimento for maior na direcção onde a velocidade é maior. Por isso é que os nossos ecrãs são ao largo e não ao alto.
Para caracterizarmos cada configuração, de modo a percebermos como evoluem, Bejan diz que precisamos de duas escalas de comprimento. Uma escala externa e uma outra interna. E à relação entre as duas (a primeira a dividir pela segunda) é o que Bejan chamou de Esbelteza. E todos os sistemas evoluem no sentido do aumento da sua Esbelteza. Que compreensão nova pode esta teoria suscitar na metáfora do caminho que nos ajude a orientar a sua evolução para a santidade?
Falar de caminho para a santidade é uma metáfora porque todo o caminho pressupõe etapas de crescimento pessoal que nos fazem experimentar um amadurecimento mental e espiritual como uma viagem. A versão mais básica de um caminho espiritual seria a de começar num ponto afastado de Deus e chegar a um ponto mais próximo de Deus. Como Deus é tudo em todos (1 Cor 15, 28), o caminho de santidade é mais colectivo e relacional do que singular e individual. E diz o Papa Francisco na Gaudete et Exsultate (GE), a que o sacerdote na homilia do Dia de Todos os Santos convidava a (re)ler, que — «A santificação é um caminho comunitário, que se deve fazer dois a dois.» (GE 141). — Ou seja, é um caminho que fazemos mais juntos do que individualmente nestes tempos. Porém, de modo a olhar para o caminho de santidade de um ponto de vista construtal, importa perceber o que flui.
Se ser santo é ser feliz, será a felicidade o que flui e estrutura o caminho? Talvez a felicidade seja mais uma consequência, caso contrário, não faria muito sentido as Bem-aventuranças começarem sempre por “Felizes os…”. E se pudéssemos associar uma palavra a cada Bem-aventurança, dir-se-ia que a simplicidade, gentileza, empatia, solidariedade, compaixão, pureza, conciliação, humildade subjacentes à proposta contra-a-corrente que Jesus nos faz, brotam do amor. Penso que seja o amor aquilo que flui no caminho da santidade. O amor configura-nos e, através do nosso amar, configuramos o espaço onde podemos experimentar a presença de Deus entre nós, ou seja, as nossas comunidades.
A Esbelteza é a relação entre uma escala de comprimento externa com uma escala de comprimento interna. Por isso, quando pensamos numa pessoa esbelta, imaginamos que seja alta (comprimento externo) e magra (comprimento interno com base na raiz cúbica do volume). No caso da Esbelteza da Santidade, a escala de comprimento externa está relacionada com a rede de relações que estabelecemos à nossa volta para levar o amor que flui internamente no coração e nos leva aos gestos concretos que nos conectam. A escala de comprimento interna do amor que flui depende da aproximação que temos à fonte que está no próprio Deus. Isto é, quanto mais próximos estivermos de Deus, menor será o comprimento interno e, consequentemente, maior a Esbelteza da Santidade.
Saber aprender a evoluir para a santidade por aumento da nossa Esbelteza implica aumentar a qualidade dos nossos relacionamentos comunitários e diminuir a distância à fonte do amor que é o próprio Deus. Mas será que a santidade se restringe aos que acreditam em Deus? Se ser santo é ser feliz, não pode um não-crente ser feliz e, por isso, ser santo?
Realmente é muito difícil universalizar uma evolução para a santidade excluindo Deus, mas se o próprio S. João nos testemunhou em carta que Deus é amor. O que flui no caminho da santidade é o próprio Deus. Por isso, quem amar como dom-total-de-si-mesmo, o que nos impede de pensar que Deus habita nele, ainda que ele não acredite nisso? Será que a presença de Deus no coração do ser humano depende do quanto esse coração acredita n’Ele? Não creio. Ou seriam vãs as palavras de S. Paulo à comunidade de Corinto — «a fim de que Deus seja tudo em todos.» (1 Cor 15, 28).
Deus não pode forçar a Sua presença porque está presente em tudo o que é real. Nós é que podemos estar mais ou menos sensíveis a essa presença. Porém, a configuração do nosso caminho para a santidade aumentaria a sua Esbelteza, se fossemos cada vez mais sensíveis à presença de Deus. Como? Amando incondicionalmente.
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