SABER APRENDER – A estar de férias

Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor

Há quem vá de férias para descansar de um período de trabalho, mas já me partilharam que foram trabalhar para descansar das férias. Onde está o equilíbrio?

O equilíbrio talvez esteja no modo de viver os períodos de férias. Quantos não começam a pintar, sem serem pintores; escrever, sem serem escritores; cozinhar, sem serem chefs; a fazer desporto, sem serem desportistas; e tudo dá trabalho, mas não cansa.

O lazer que dá trabalho possui elementos de frescura, novidade, estranheza, na linha de um conjunto de actividades criativas e acessíveis a todas as pessoas. E a experiência pode ensinar-nos muito a não marcar tanto a linha que divide o lazer do trabalho, de tal modo que os processos de aprendizagem em âmbito de lazer possam servir para encarar o próximo período de trabalho após as férias com um novo olhar.

Um dos elementos mais subtis e marcantes pode ser o jogo entre paciência e curiosidade. Isto é, pacientemente aprender a notar em coisas novas.

A minha filha queixou-se de que a corrente da bicicleta tinha deixado de funcionar. De facto, parecia que tinha esticado e ficado laça, mas ao notar que a roda dentada traseira estava presa ao quadro da bicicleta por dois parafusos, para mim, foi notar em algo de novo. Comecei a pensar – ”talvez o sistema tenha deslizado com alguma queda.” E assim foi que, recolocando a roda dentada resolvi o problema. Os mais experientes teriam percebido logo, mas o sucesso não está em resolver o problema da bicicleta, mas, pacientemente, notar em coisas novas, perceber como funcionam, e divertir. Deu trabalho? Sim, mas foi um prazer ver a minha filha contente andar de novo na sua bicicleta.

Sabemos — ou dizem-nos muitas vezes —, que Deus nos fala através de sinais, mas na azáfama dos nossos trabalhos, muitos passam-nos ao lado. E alguns poderão pensar como as férias são, também, um tempo de retomar o caminho da profundidade espiritual, mas a noção de descanso em que nada se faz até que nos tornemos lagostas pelos raios de sol, pode levar-nos por um outro caminho. Um caminho que dói e cansa.

Há uma ligação estreita entre espiritualidade e criatividade. E os momentos em férias são dos mais privilegiados para aprofundarmos essa ligação. Cada acto criativo é um deixar-se conduzir pelo desígnio a que Deus nos chama, desde sempre, a co-criar com Ele. Nesse sentido, o trabalho em tempo de lazer revela como somos criativos, e mais. Revela a possibilidade de ligar estas duas coisas, aparentemente, antagónicas. Se essa ligação é possível em tempo de férias, o que nos impede de a aplicar em tempo de trabalho?

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