Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
A ciência não explica tudo, nem tem de explicar. A filosofia não explica tudo, nem tem de explicar. A teologia não explica tudo, nem tem de explicar. Ciência, filosofia e teologia são modos gerais de conhecer a realidade que nos ajudam a compreender o que se passa dentro de nós, com os outros e à nossa volta. E se essas disciplinas não nos dão razões para crer em Deus, também não nos dão razões para não crer em Deus. Ou o ateísmo/crença religiosa se fundamentam na experiência de vida das pessoas, ou não têm qualquer fundamento. Mas há muitos que se deixam influenciar por aquilo que pensam compreender do que lêem e depois saltam da crença para a descrença, ou da descrença para a crença. E, para mim, pular entre convicções é estranho.
Estou a ler no testemunho que Mike McHargue partilha no seu livro ”Finding God in the Waves” (não traduzido para português, ainda), os passos que deu da crença activa para uma descrença escondida, de modo a que ninguém na sua comunidade e família se dessem conta. Ainda não cheguei à parte do percurso que fez até se encontrar de novo com Deus. A fase em que o livro se encontra tem a ver com o passo da descrença. Esse adveio de leituras de “Novo Ateus”, como Richard Dawkins (e companhia), que apelam a uma cruzada contra a religião. Para o ambiente americano de algum literalismo bíblico, compreende-se que a própria fé seja vivida muito ao nível dos sentidos e sentimentos, pelo que o relacionamento com Deus faz-se muito através de causas e consequências, sem grande espaço para explorar dimensões de interpretação da realidade que estão para lá das dicotomias. É como se Deus fosse uma máquina de Snacks em que metemos a moeda (oração) e recebemos o Snack (o que pedimos na oração). Mas o curioso é que esta mentalidade americana entrou em Portugal, mas não esperava do modo como isso aconteceu.
Tenho um amigo que era católico e caminhou gradualmente para o ateísmo. Pelo facto da experiência de Mike ter envolvido a leitura do “novo ateísmo”, resolvi perguntar a este meu amigo que livro que se revelou crítico no seu percurso. Qual não foi o meu espanto quando me partilhou ter sido o livro ”A Fórmula de Deus” de José Rodrigues dos Santos. Eu lembro-me de ter lido esse livro, estando sobretudo atento às partes que o autor usa para delinear o seu argumento de que Deus é uma questão científica, e achei curioso que isso levasse alguém ao ateísmo. Quer isso dizer que na formação cristã não estamos a ter (ou tivemos) muito sucesso na explicação do modo como ciência e fé podem dialogar e interagir. E para expôr a minha experiência e ponto de vista penso em Psicologia e Transmissão de Calor.
Se perguntasse a um psicólogo sobre a relação entre a dissipação de calor e a capacidade de lidar com a ansiedade, saberia responder-me? Ou se perguntasse a um engenheiro como pode a ansiedade diante um trabalho stressante afectar a quantidade de calor no processo industrial sobre o qual está a trabalhar, saberia responder-me? Talvez o leitor pense que uma coisa nada tem a ver com a outra e que as questões não fazem qualquer sentido. E eu estaria de acordo. As questões da psicologia não competem com as questões de transmissão de calor porque dirigem-se a área de saber distintas. Misturar é gerar confusão sem razão.
Quando José Rodrigues dos Santos afirma que Deus é uma questão científica, é como se dissesse que a poesia de Florbela Espanca é uma questão química. Infelizmente, é mais comum do que pensamos haver esta mistura de questões de uma área de saber feita a outra, desenquadrando-as, mas o que considero curioso é como argumentos forçados podem convencer (ao menos) um católico a encetar no caminho do ateísmo. Talvez demonstre a importância de uma Teologia da Dúvida.
A teologia é a área do saber que procura compreender Deus. E, apesar de não ser teólogo, creio que procura compreender mais o que Deus revela de Si mesmo, do que apreender por si mesma o que quer que seja sobre Deus. Caso contrário, a teologia seria uma realidade maior do que Deus, o que não faria sentido. Depois, a teologia não é só teoria, mas provém da reflexão que o ser humano faz da sua experiência com Deus. Por fim, cada vertente da teologia é um caminho de desenvolvimento desse saber, e penso que a dúvida é um dos caminhos menos explorados explicitamente.
Há quem considere que a dúvida é a atitude contrária à fé, mas só se confundirmos dúvida com cepticismo. A dúvida genuína nasce daquele que procura verdadeiramente os caminhos de conhecimento da verdade. E qual a verdade sobre o que é Deus? De onde vem Deus? Quem é Deus?
Querer responder com a ciência implicaria que Deus fosse mais um ingrediente no meio de outros que juntos fazem a sopa cósmica em que vivemos actualmente. Os cientistas, após décadas de procura não conseguiram ainda encontrar este “Deus” e não estou admirado ou impressionado. Ficaria, sim, se tivessem encontrado alguma coisa. Quem o faz, é como se estivesse na Madeira e procurasse a fronteira com os Estados Unidos. Como encontra apenas oceano, então, os Estados Unidos não existem.
Na “Fórmula de Deus”, José Rodrigues dos Santos tenta abordar, cientificamente, a questão de Deus ao procurar os sinais de inteligência e intenção. Mas isso é a base da procura de vida inteligente no universo, não de Deus. Por isso, aquilo que as pessoas encontram nestes livros que pode levar-lhes a caminhar para o ateísmo não são as questões, ou argumentos certos, que as levam a duvidar da existência de Deus, mas, sim, desafiam os conceitos de Deus que tinham. “Duvidar bem” teria levado estas pessoas a fazer uma experiência de Deus diferente que seria útil para corrigir ideias ultrapassadas sobre Deus.
O grande desafio daqueles que se convertem ao ateísmo com aquilo que lêem não está nos argumentos que lhes apresentam, mas no facto de não saberem duvidar como poderiam. As dúvidas não são obstáculos, mas trampolins. Os obstáculos estão nos conceitos errados de Deus que não estamos dispostos a reconhecer que há muito poderiam ter sido ultrapassados se nos tivéssemos deixado impulsionar pela dúvida na procura da verdade.
A verdade sobre Deus não se encontra nos livros, mas na vida quotidiana, e nas experiências que fazemos quando nos damos aos outros. Os livros servirão depois para nos ajudar a compreender e interpretar essas experiências. Saber aprender a duvidar bem implica procurar Deus na vida, dando uma mão a quem precisa, escutando quem sofre, ou mudando o estilo de vida por amor à criação.
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