Miguel Oliveira Panão (Professor Universitário), Blog & Autor
As redes sociais conseguiram conectar as pessoas mais do que em qualquer outro período da nossa história. Somos relacionais, mas com o envolvimento de milhares de milhões de pessoas podemos afirmar que as redes sociais o demonstram. Por isso, a conectividade digital é uma das invenções humanas mais impressionantes de sempre. Por que razão torna as pessoas tão negativas destruindo a sua capacidade para a empatia?
A conectividade humana é fundamental para a saúde social. Essa conectividade pressupõe a capacidade de escutar o outro, sentir o que sente, e viver no dom de si mesmo. A conectividade digital poderia fortalecer esses relacionamentos se não dominasse tanto a nossa atenção, acabando por distrair dos outros, do que estão a viver, e isolar-nos do mundo, apesar de estarmos digitalmente conectados.
As redes sociais já existiam nos anos 70 do século XX. Jaron Lanier é o pai da Realidade Virtual e um dos mais respeitados filósofos de Silicon Valley. Em ”Dez Argumentos para Apagar as Suas Contas nas Redes Sociais Agora” partilha que
«muitas coisas mudaram nas redes sociais ao longo dos anos, mas a forma básica já existia quando eu comecei a trabalhar com computadores nos finais dos anos 1970s. A rede social que tínhamos na altura consistia em pouco mais do que comentar, apenas um conjunto de pessoas a adicionar texto. Não havia votos em publicações favoritas, ou algoritmos a costumizar o mural. Muito básico.»
Portanto, o que parecia novo, talvez não o seja. Mas o que Lanier partilha a seguir é que me levou a questionar o efeito das redes sociais sobre as pessoas. Diz ele,
«Eu notei algo horrível há tantos anos. Por vezes, vindo do nada, eu entrava numa luta com alguém, ou um grupo de pessoas. Era tão esquisito. Começávamos a insultar-nos uns aos outros, a tentar marcar pontos, colocando-nos debaixo da pele uns dos outros. E sobre coisas incrivelmente estúpidas, por exemplo, se alguém sabia ou não sobre o que estava a falar em relação a marcas de pianos. A sério.»
A banalidade já existia, mas com a facilidade actual de comentar nas redes sociais através de dispositivos móveis, ao preço da chuva — por assim dizer — e ser notificado 24/24, 365 dias por ano, talvez fosse espectável que a massificação da negatividade acontecesse. O próprio Papa Francisco acabou por reconhecê-lo e incluir essa realidade na sua última Carta Encíclica Fratelli Tutti.
«44. Ao mesmo tempo que defendem o próprio isolamento consumista e acomodado, as pessoas escolhem vincular-se de maneira constante e obsessiva. Isto favorece o pululamento de formas insólitas de agressividade, com insultos, impropérios, difamação, afrontas verbais até destroçar a figura do outro, num desregramento tal que se existisse no contacto pessoal acabaríamos todos por nos destruir entre nós. A agressividade social encontra um espaço de ampliação incomparável nos dispositivos móveis e nos computadores.»
Depois existe a questão da empatia, em que nos colocamos no lugar do outro como na expressão — ”não julgues alguém até teres caminhado um kilómetro nos seus sapatos.”
As redes sociais causam filtros-bolha. Isto é, os algoritmos apresentam no teu mural o que pessoas como tu pensa, a não ser que visões opostas sejam mais irritantes, e, nesse caso, os algoritmos prevejam que a tua interação com essas publicações (através dos comentários) seja maior, implicando mais tempo de ecrã. O Papa Francisco reconhece estes filtros-bolha quando diz,
«47. A verdadeira sabedoria pressupõe o encontro com a realidade. Hoje, porém, tudo se pode produzir, dissimular, modificar. Isto faz com que o encontro direto com as limitações da realidade se torne insuportável. Em consequência, implementa-se um mecanismo de «seleção», criando-se o hábito de separar imediatamente o que gosto daquilo que não gosto, as coisas atraentes das desagradáveis. A mesma lógica preside à escolha das pessoas com quem se decide partilhar o mundo. Assim, as pessoas ou situações que feriam a nossa sensibilidade ou nos causavam aversão, hoje são simplesmente eliminadas nas redes virtuais, construindo um círculo virtual que nos isola do mundo em que vivemos.»
Há quem pense estar imune a esta faceta sinistra que as redes sociais tem sobre o nosso equilíbrio emocional, social e espiritual. Há ainda quem sinta que fazer esta crítica significa um retrocesso cultural de quem nega os benefícios das redes sociais para colocar em contacto pessoas que, de outra forma, não seria possível. Mas o Papa Francisco também reconhece que «a conexão digital não basta para lançar pontes, não é capaz de unir a humanidade» (FT 43). Quer isso dizer que existe uma alternativa às redes sociais? Sim, mas talvez não seja a que pensamos.
Quando era miúdo, a alegria de uma manhã de sábado era ver chegar ao terraço do meu prédio a ”malta” da praceta com uma bola de futebol. Ficava em pulgas enquanto não descesse para ir jogar com os amigos. Mais velho, por altura do ensino secundário, era comum irmos para casa de um amigo para viver o nosso tempo com jogos de tabuleiro. Actualmente, em muitas partes do mundo, pessoas sénior juntam-se em clubes de leitura, pintura ou mesmo de teatro. Não pretendem fazer carreira, mas praticar juntas algo que preenche as suas vidas de um modo especial.
As comunidades cristãs reúnem-se ao Domingo para rezar e celebrar juntas a Eucaristia. É uma prática que expressa a alegria do encontro para nos unirmos, juntos, em comunidade, a Deus. Os jovens que participam em grupos de formação ou de espiritualidade, procuram juntos o sentido que Deus pode dar às suas vidas. Todos estes exemplos são Comunidades de Prática, uma alternativa às redes sociais.
As Comunidades de Prática dão às pessoas que delas fazem parte um sentido de pertença. São três as dimensões das Comunidades de Prática: 1) envolver recíproco; 2) empreender juntos; 3) e repertório partilhado. A prática provém do envolvimento das pessoas em acções com significado que fazem juntas (fisicamente ou remotamente). Não há homogeneidade nestas comunidades, mas diversidade, por sermos pessoas diferentes, com histórias e experiências de vida diferentes.
As Comunidades de Prática vivem da profundidade proveniente da simplicidade daquilo que praticam juntas. São um lugar onde se experimenta como saber aprender a conectar verdadeiramente através de relacionamentos interpessoais profundos. Não são boas, nem más, mas uma força transformadora do tecido social, com efeitos reais (não digitais) na vida das pessoas. O mais curioso é qualquer um poder começar uma, nem que seja com uma ideia tão simples como ler juntos, como irmãos, a Fratelli Tutti. Fica a sugestão.