Romaria a São Bartolomeu mostra que tradição continua presente

O tradicional “banho santo” voltou ontem a concentrar as atenções em S. Bartolomeu do Mar, Esposende, numa praia já praticamente sem areia. Apesar do areal ter dado lugar a um amontoado de seixos, várias centenas de pessoas concentraram- se naquela zona litoral minhota para assistir a este ritual antigo, que começa com as crianças e respectivos pais a darem três voltas à igreja, carregando frangos pretos. Quem segue esta tradição, que se repete pelo menos desde 1566, acredita que as crianças sendo mergulhadas nas águas frias do Atlântico, a 24 de Agosto, dia de S. Bartolomeu, se livram de maleitas como medo, gaguez, gota ou epilepsia. E ontem foram muitos os devotos de S. Bartolomeu que se deslocaram à freguesia de Mar, a cinco quilómetros a norte de Esposende, para se juntar a estes momentos altos da romaria. Sandra Neiva, de Palmeira de Faro, daquele concelho, foi uma das muitas mães que recorreu ao afamado “banho santo”. O filho Tiago, de 7 anos, «gagueja muito». Com os mergulhos na água fria, acredita que «vai passar». Tiago não teve medo de se submeter ao “tratamento”, mas a maioria das crianças que são levadas ao colo, seja pelos banheiros de serviço, seja pelos pais, fazem quase sempre gestos de resistência e chegam mesmo a gritar. O banho dado por banheiros é mais “profissional”, mas tem um preço. Desde há dois anos que custa cinco euros. Há pais que preferem ser eles próprios a megulhar os filhos, e nem sempre é por uma questão de poupança. «Sendo eu a dar o banho, o meu filho sente-se mais confiante. Não é que não tenha confiança no banheiro, mas comigo sente-se mais seguro », alega Paula Cruz, depois de ter levado à água, pela primeira vez, o pequeno Filipe, de 3 anos. A residir em Ponte de Lima, é a segunda vez que esta devota faz a romaria de S. Bartolomeu do Mar. Há cinco anos, esteve lá para dar o “banho” à filha, agora com 8 anos. «Venho não porque tenham problemas, é mais para cumprir a tradição », explica. O ritual inicia-se com três voltas à igreja, carregando as crianças um frango preto. Pais e filhos entram depois no templo, para passarem por debaixo do andor de S. Bartolomeu, sendo o passo seguinte a bênção da criança doente, ou que se teme venha a ficar doente, missão que fica a cargo de um membro da comissão de festas, que lhe encosta à cabeça a uma pequena réplica da imagem do santo. Nas imediações da igreja, têm sido colocados à disposição frangos pretos de aluguer para as pessoas que não levem galináceos. Este ano, a comissão de festas fixou o aluguer em dez euros. Os frangos são depois depositados num galinheiro contíguo à igreja para, mais tarde, serem vendidos em leilão, cuja receita ajudará a custear a festa. Cumpridos os rituais de manhã, da parte da tarde faz-se o chamado agradecimento ao santo, através de uma procissão grandiosa que agora não vai até ao mar, devido à erosão costeira. O areal foi engolido e ontem notou-se já alguma dificuldade em circular na praia dada a grande concentração de seixos. José Laranjeiro, um octagenário de S. Bartolomeu de Mar, compara, com semblante triste, os tempos de hoje e aqueles em que na praia de Mar as pessoas se podiam espraiar e jogar à bola. «Tínhamos aqui um extenso areal que era procurado por muitos veraneantes, agora temos estas pedras que tiraram beleza e vida à praia», observa. Os habitantes da freguesia, sobretudo os mais próximos da costa, não escondem a preocupação, enquanto aguardam pelas medidas anunciadas pelo Governo no sentido da reposição de parte do areal. A erosão costeira está a prejudicar o turismo balnear não só de Mar como também das freguesias vizinhas de Cepães, Belinho e Antas. Banheiros asseguram tradição Este ano, para ajudar ao ritual estiveram dois banheiros com a presença de uma equipa de megulhadores num bote a cerca de 100 metros da costa. O banheiro mais velho, José Ramiro, 55 anos, faz este serviço desde os 20. Acredita que a tradição não se irá perder se o mar invadir totalmente a praia, até porque, lembra, antigamente a “terapia sagrada” acontecia numa fonte junto à igreja velha. «Esta tradição é muito antiga e não a vamos deixar perder», garante, durante uma pausa que aproveita para fumar ao lado da mulher, a quem confia o dinheiro que vai recebendo. A meio da manhã, ia já com cerca de 30 banhos. «Este ano, está a ser bom», reconhece. José Ramiro lembra que quando começou a dar banhos eram cobrados 20 escudos. Uns anos depois, o preço aumentou para 100 escudos. Com a chegada do Euro, duplicou (dois euros) e, há dois anos, a colega de actividade, Maria, decidiu fixar o preço em cinco euros. «Disse-lhe: ó Maria, isto vai dar bronca, mas as pessoas não têm reclamado», assegura. Normalmente, o “banho santo” é dado a partir dos três anos e a criança é mergulhada em número ímpar. Uma ou três vezes é o mais habitual. José Ramiro não está ali só para ganhar uns euros. Gosta de ajudar e acredita piamente que o banho «faz bem» a quem sofre de medo e gaguez. «Há três anos, trouxeram cá uma criança, cuja mãe tinha morrido, que tinha medo da água. Agarrei-a, meti-a três vezes e perdeu o medo. Não fui eu que fiz o milagre, foi o S. Bartolomeu», ressalvou, com um pequeno sorriso. Até há umas décadas, o banho tinha que ser ministrado por homens ligados ao mar, normalmente sargaceiros, que eram obrigados a ter a respectiva licença, passada pela autoridade marítima.

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