Responsabilidade colectiva na luta contra a pobreza

Desde 1983, a Europa lança todos os anos uma campanha de sensibilização denominada “Ano Europeu”, visando atrair a atenção dos governos nacionais para temáticas de natureza social, bem como informar e promover o diálogo com os cidadãos europeus, a fim de fazer evoluir as mentalidades e os comportamentos em questões especiais e de interesse geral.

Assim, no dia 22 de Outubro de 2008, o Parlamento Europeu e o Conselho da União Europeia aprovaram uma decisão relativa à instituição do ano 2010 como “Ano Europeu do Combate à Pobreza e à Exclusão Social” (AECPES) com o grande objectivo de reforçar o empenho da União e de cada Estado-Membro na solidariedade, na justiça social e no aumento da coesão, exercendo um impacto decisivo na erradicação da pobreza que (ainda) se faz sentir por toda a Europa. De um modo mais concreto, ”reconhecer o direito fundamental das pessoas em situação de pobreza e de exclusão social a viverem com dignidade e a tomarem uma parte activa na sociedade; aumentar a adesão do público às políticas de inclusão social, sublinhando a responsabilidade colectiva e individual na luta contra a pobreza e a exclusão social; promover uma maior coesão na sociedade e assegurar que ninguém duvide das vantagens que resulta, para todos, de uma sociedade sem pobreza; e, renovar o envolvimento da União Europeia e dos Estados Membros de lutarem contra a pobreza e a exclusão social e de associaram, para isso, todos os níveis de poder” são os grandes desideratos para este Ano, os quais ganham ainda mais relevância no contexto actual marcado por múltiplos paradoxos de cariz político, financeiro, económico, social e de valores, que paira não só sobre os europeus mas sobre todo o mundo.

Como facilmente se perscruta, a “nossa” Europa está longe de ser de “todos” em virtude das desigualdades e injustiças de que (ainda) é palco. Neste “nosso” cenário, a luta contra a pobreza e a exclusão social figura entre os principais objectivos da União Europeia e dos seus Estados Membros que, em Março de 2000, por ocasião do lançamento da “Estratégia de Lisboa”, se comprometeram a dar “um impulso decisivo à eliminação da pobreza” até 2010. Mais concretamente, foi acordado o seguinte: “fazer da união Europeia a economia baseada no conhecimento mais dinâmica e competitiva do mundo, capaz de sustentar mais e melhores empregos e com coesão social”.

Apesar dos esforços desenvolvidos ao longo da última década, com uma Agenda Social inicial delineada no ano 2000, e com uma Agenda Social renovada nos meados da década, uma parte significativa da população europeia vive (ainda) em profunda carência e não tem acesso a serviços básicos, tanto a nível de cuidados alimentares e de habitação como a nível de cuidados de saúde. Apesar dos sistemas de protecção social europeus se contarem entre os mais desenvolvidos no mundo, ainda hoje existem muitos europeus a viver na pobreza, como o atestam, entre outros, os seguintes números: 78 milhões de pessoas vivem abaixo do limiar de pobreza (fixado em 60 % da mediana de rendimento do respectivo país), o que representa 16 % da população europeia; um europeu em cada dez vive numa família onde ninguém trabalha; para 8 % dos europeus, o emprego não é suficiente para sair da pobreza; na maioria dos Estados Membros, as crianças estão mais expostas a este problema do que o resto da população, ou seja, 19% delas estão ameaçadas de pobreza somando 19 milhões de crianças. Num cenário de rankings europeus onde figuram indicadores económico-sociais, Portugal aparece quase sempre nos últimos lugares donde sobressai o número de dois milhões de portugueses pobres ou em risco de pobreza, afectando, sobretudo, crianças, idosos e uma fatia considerável de trabalhadores com rendimentos insuficientes para fazer face às respectivas necessidades pessoais, familiares e sociais.

Porque a pobreza e a exclusão social afectam (ainda) não só o bem-estar das pessoas e a possibilidade de participarem na vida da sociedade como também prejudicam o desenvolvimento económico, a União Europeia quer reafirmar, com a celebração do AECPES, a importância da responsabilidade colectiva na luta contra a pobreza, pretendendo envolver, não só os decisores, mas também os demais intervenientes dos sectores público, privado e das organizações da sociedade civil. Para a Europa, este Ano encerra em si, pois, um simbolismo particular marcando o fim de um ciclo político iniciado com a Estratégia de Lisboa no ano 2000 e, simultaneamente, inaugurando um novo processo no qual se quer dar um novo impulso ao projecto europeu, quer institucionalmente, com o novo Tratado de Lisboa, quer ao nível das diversas políticas, mais concretamente as relacionadas com a protecção e inclusão social dos europeus.

Para Portugal, a realização do AECPES cria uma oportunidade única de sensibilização dos mais variados agentes para as questões da pobreza e da exclusão social no sentido de alertar para os seus contornos, não só a nível das suas consequências mas também a nível das suas causas. Além disso, poderá permitir questionar estratégias implementadas sem grandes resultados e delinear novas estratégias capazes de atenuar ou erradicar alguns dos problemas diagnosticados. O número de pobres que as estatísticas revelam em Portugal, com os rostos que reflectem, deverão ser a grande base para questionar tanto as políticas implementadas ao longo dos últimos anos em que estes números teimam em não se reduzir, como as mentalidades e comportamentos de toda uma sociedade que longe de contrariar e erradicar a pobreza, mais parece que a potencia e multiplica. Como tal, as tão sentidas desigualdades salariais e sociais, a corrupção, o oportunismo, a exploração, a especulação, a indiferença, entre outras atitudes que ecoam pela praça pública, não poderão deixar de ser discutidas, debatidas, dirimidas e resolvidas em prol de mais coesão social, mais transparência e honestidade democráticas, mais sentido de respeito pela dignidade de todos e de cada um dos seres humanos, mais preocupação pelo bem comum e mais participação cívica, de forma plena, consciente e activa.     

Contribuir para um Portugal e para uma Europa mais justos e mais solidários corresponde a um compromisso e a um objectivo estruturante, que implica a participação de todos, denunciando as injustiças que grassam por aí e anunciando a justiça como seu verdadeiro antídoto.

Ao longo deste AECPES serão muitas as iniciativas que, de uma forma ou de outra (Lobby, Advocacy, entre outras) e através de múltiplas instituições (organismos públicos, empresas e organizações da sociedade civil) farão dar conta deste ano. Desde já, sejam todas bem vindas, venham de onde vierem, procurando envolver o maior número possível de actores, a começar pelos que sofrem na pele as injustiças, angústias e incertezas do tempo presente. Ao longo dos próximos meses, estaremos atentos não só à discussão que se produzir mas também aos problemas que se ajudarem a resolver, com a certeza de que, por detrás de cada número que se disser e de cada atitude que se proclamar existem pessoas concretas que anseiam por mais justiça social e por uma verdadeira cultura de respeito pelos direitos humanos, de todos e de cada um dos seres humanos. Como um slogan diz por aí, cabe-nos a todos dar pequenos grandes contributos para que “a pobreza não se transforme em paisagem” e que o AECPES seja, primeiro que tudo, um ano verdadeiramente assumido como Ano Pessoal de Combate à Pobreza e Exclusão Social. Para que seja mesmo um “Bom Ano”…

Paulo Neves, Cáritas da Guarda

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Agência ECCLESIA

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