Repensar a pastoral e a liturgia

Clara Menéres

Não consigo conceber a pastoral como um plano, um projeto, um método, um conjunto de ideias e, ainda menos, como uma técnica ou um marketing. Diz-se no texto da CEP, Repensar juntos a pastoral da Igreja em Portugal, que “o processo de catequese (…) acaba por não gerar cristãos vivos e empenhados”. Creio que o problema da pastoral no nosso país é a falta de fé.

Muita gente pensa que a fé se resume à simples crença ou a uma convicção na veracidade dos dogmas, mas a fé é algo de mais amplo e complexo. Para os cristãos, a fé é a condição essencial da sua relação com Deus. É uma virtude teologal, o que quer dizer uma graça concedida pelo próprio Deus, um dom divino. Dar a conhecer o caminho para a vida da fé é a principal missão de quem quer formar os futuros cristãos. “Com efeito, é pela graça que vós sois salvos por meio da fé; e isso não depende de vós, é dom de Deus.” (Ef, 2.8)

O que estou a tentar dizer é que o tempo da cristandade acabou, estamos a entrar numa época difícil, com as igrejas a ficarem desertas e os cristãos a serem perseguidos. Neste contexto, do que a Igreja em Portugal necessita é de católicos que tenham uma fé bem alicerçada e uma formação sólida. Para tanto, é preciso encarar a formação espiritual a sério. Não se trata de uma simples catequese, que será sempre um preâmbulo, uma preparação dos catecúmenos, uma iniciação à prática sacramental. Depois de entrarem na comunhão dos crentes, os jovens ficam entregues a si próprios e sujeitos aos modelos propostos pela cultura contemporânea veiculada pelos media: o vedetismo, o sucesso a qualquer preço, o êxito pela posse de bens materiais, o exacerbamento do ego e do narcisismo, ou seja, às forças de destruição da sua consciência espiritual.

No mundo agressivo em que vivemos, os cristãos, “o resto de Israel”, têm de fazer um maior esforço no campo da formação. Já não é possível basear a prática cristã apenas nas qualidades naturais e na piedade emocional. Acabou o tempo do cristão ignorante. A Igreja tem de se esforçar para que todos os seus membros tenham acesso à Boa Nova e percebam que são convidados, em Cristo, a tornarem-se no Homem Novo e, coletivamente, na nova Humanidade, como recomenda S. Paulo. (Ef 4, 22-24)

Para além de pensar a pastoral, é urgente ensinar as pessoas a descobrirem a sua dimensão divina, ou seja, a presença de Deus em cada um, ajudá-las a desenvolver o embrião de vida que nos é dado pelo dom da fé, descobrir o rosto de Cristo, ícone de Deus, e a relacionarem-se com ele no Amor. É esse o papel da liturgia, propiciar a adoração e transformar o local da celebração num território sagrado, o lugar onde Deus se manifesta.

Portanto, o problema da liturgia é o mesmo da pastoral. Há um erro de objetivo, o que conduz, em ambos os casos a um resultado insatisfatório. No segundo ponto do Proémio da SC, diz-se que a Liturgia deve ser a expressão da verdadeira Igreja e, portanto, tudo “o que nela é humano se deve ordenar e subordinar ao divino, o visível ao invisível, a ação à contemplação, e o presente à cidade futura que buscamos”. Isto quer dizer que em matéria de liturgia tudo tem de se sujeitar ao Espírito Santo e obedecer-lhe. Qual o caminho para a apreensão de algo tão subtil? Mais uma vez, continuo a pensar que é necessária uma longa formação e a aprendizagem pelo exemplo. Em matéria de liturgia o que conta é o discernimento. Todos os elementos que fazem parte da celebração devem ter a máxima qualidade para serem completamente eficazes e essa eficácia, como já disse, é de ordem espiritual, sendo que a própria beleza é o modo como a espiritualidade se manifesta. Como diz Ratzinger na sua Introdução ao espírito da Liturgia, “sem Fé não pode haver arte em conformidade com a Liturgia”

Tenho visto celebrações litúrgicas que são levadas ao extremo da coreografia, tornando a celebração pesada e fastidiosa. Bem sei que este excesso de formalismo tem por intenção atingir uma maior qualidade. Mas há um erro de discernimento: o que importa não é a forma mas o Espírito que a preenche. Do mesmo modo a arte não é apenas uma técnica, uma ilustração ou jogo cuidadoso da composição mas por uma “virtude” que induz o artista a produzir uma síntese que ultrapassa as leis da razão e a participar do sacramento da salvação. A liturgia é a componente da oração que pretende elevar o espírito do crente até Deus. A liturgia deve abrir os céus revelando a escada de Jacob onde sobem e descem os anjos.

Clara Menéres, Escultora

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