«Renascer»: Testemunho sobre a força de viver

Emigrante português reflecte sobre os ensinamentos de acidente que mudou os seus projectos de vida

Eram quatro e meia quando sentiu a aproximação do comboio. Ao atravessar a linha, em direcção a um refúgio, não se apercebeu do cruzamento de outra composição. Na semi-obscuridade da madrugada, o maquinista não reparou que havia colhido um homem, e continuou a marcha.

António Fonseca morreu e renasceu a 18 de Novembro de 1965. Tinha chegado a França, como emigrante, três semanas antes. Encontrou trabalho na electrificação de um túnel dos caminhos-de-ferro.

 “Quando tive o acidente, não havia ninguém que me fosse capaz de dizer que um triplo amputado podia andar com próteses; que podia conduzir, que podia fazer mil coisas”, revela António Fonseca, que regressou esta semana a Portugal, para alguns dias de férias. Em entrevista à Agência ECCLESIA, recordou o embate na anca esquerda, os “milésimos de segundo” em que se “viu a morrer” e a “sorte” de o hospital estar a 600 metros e de os bombeiros terem chegado rapidamente.

«Coragem de Viver» foi a primeira narrativa, desde o acidente aos 33 meses que passou entre o hospital e o centro de reabilitação. Recentemente, lançou «Renascer» (Ed. Paulinas). Ambas as obras pretendem “dizer ao mundo inteiro que é possível viver e ser feliz depois de um grande infortúnio; nada está totalmente perdido; tudo pode recomeçar, não importa a idade”.

Testemunho de esperança

O que é que este novo livro acrescenta ao primeiro? António Fonseca refere que é frequentemente chamado a dar o seu testemunho sobre a maneira como encarou a vida depois de ter sido colhido. Este volume apresenta algumas reflexões a partir das perguntas colocadas em igrejas, liceus e universidades; e também no Santuário de Lourdes, onde os doentes vão pedir cura e esperança.

A eutanásia, por exemplo. “Nos primeiros dias, várias pessoas diziam entre si: ‘este homem, era melhor que morresse’. Mas eu, naqueles momentos, o que queria era viver”.

Os jovens constituem uma parte significativa das pessoas interessadas em escutar as palavras deste emigrante português. Por isso, questões como a SIDA e a droga são recorrentes. Tal como o suicídio: “Nas escolas, não passa uma só vez em que não me coloquem esse assunto”. “Não compreendem como é que outros jovens se suicidam, quando este homem, sem as duas pernas e sem um braço, é feliz e tem vontade de viver”, explica.

“Não sei como teria sido a minha vida se não tivesse fé”

“A fé ajudou-me nesta rude prova. Quando estava triste, nunca me senti abandonado. Rezo todos os dias, quando me deito, quando me levanto. Agradeço a Deus ter-me mantido vivo tal como sou”.

“Nunca se revoltou?”, costumam perguntar-lhe. António Fonseca lembra-se de um momento muito difícil, três meses após o acidente; pensou que “já podia estar curado, a andar e a correr, e que afinal não podia sair da minha cama sozinho”. Agarrava-se ao terço, de manhã, à tarde, antes de adormecer. Foi uma inquietação silenciosa, que não quis dar a entender.

“Se Deus existisse…”, ouve muitas vezes de quem pensa que as coisas da terra são controladas do céu. No seu caso, sabe bem de quem é a responsabilidade: “Se as pessoas tivessem feito o trabalho como deveria ser, nunca os dois comboios se teriam encontrado no interior do túnel”.

António considera que “aqueles a quem os pais dirigiram pelo caminho da fé, têm mais sorte do que os outros”: “Quando o sol brilha, quando há dinheiro, quando corre tudo bem”, os que não acreditam em Deus até podem ser mais alegres do que os crentes; mas “nos momentos de grande tristeza, dificuldade e sofrimento, se possuirmos uma fé profunda, a vida ganha um novo sentido”.

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