A acção em rede revela-se como estratégia fundamental do combate ao tráfico de pessoas. A que já está constituída através das estruturas eclesiais é um meio privilegiado de sensibilização, informação e prevenção do problema do tráfico, em especial através das comunidades religiosas. Stefano Volpicelli, técnico da Organização Internacional para as Migrações (OIM) fala à Agência ECCLESIA sobre este fenómeno.
Em Portugal, está em curso o I Plano Nacional de Combate ao Tráfico de Seres Humanos (2007-2010). A coordenação é feita pelo Observatório do Tráfico de Seres Humanos, cuja informação está publicada em http://www.otsh.mai.gov.pt. Durante o ano 2008, foram sinalizadas 139 pessoas vítimas de tráfico (88% mulheres).
Agência ECCLESIA (AE) – O combate ao tráfico de pessoas é uma prioridade para a OIM?
Stefano Volpicelli (SV) – Com certeza que este é um campo de acção muito importante, a OIM é considerada a agência internacional de ponta em relação ao tráfico de pessoas. Temos muitas missões em vários países em todo o mundo, conseguindo construir um sistema de referências em cada local, permitindo programar o regresso e a assistência às vítimas – aconselhamento psicológico, médico, legal -, com um programa de reinserção no país de origem.
AE – É possível estimar o número de pessoas envolvidas?
SV – É difícil calcular, porque este é um fenómeno que se esconde. Há vítimas do tráfico na prostituição, nos trabalhos forçados, nas migrações irregulares. Os números de várias agências variam muito: o UNICEF fala em 2,5 milhões de vítimas em cada ano; o governo dos EUA, o único que publica anualmente um estudo mundial sobre o fenómeno, aponta para 800 mil a 1 milhão de pessoas; para a Organização Mundial do Trabalho, são 10 milhões. Por isso, é muito difícil fazer uma estimativa. Nós registamos as vítimas que regressaram ao seu país, que são 30 mil.
O grande problema, contudo, é que estamos a falar da área internacional, mas ninguém vê a questão a nível nacional. Sendo um fenómeno considerado como transnacional, em primeiro lugar, não há contabilidade para as vítimas dentro do seu próprio país. Pensemos que há mais de mil milhões de pessoas migrantes e que cerca de 20% estão em condições de irregularidade…
AE – Que papel tem a Igreja no combate ao tráfico de pessoas?
SV – Tem um papel importantíssimo. Desde os anos 90, as religiosas começaram a ocupar-se deste fenómeno, mas de forma isolada e separada de outras agências. O seu trabalho ficou escondido. Quando começamos com um projecto, em 2003, fizemos emergir o papel importante dos religiosos, tanto no trabalho feito como no que podem fazer. É importante envolvê-los, porque são uma rede natural, que já existe, já está pronta. Só têm de dar a possibilidade de a tornar efectivamente activa, através de parcerias. As religiosas estão em todo o lado, nas aldeias mais longínquas, ao passo que nós estamos apenas nas capitais, elas estão radicadas no terreno, as pessoas confiam nelas, mesmo nos países que não são maioritariamente católicos.
AE – A OIM tem estado a formar as religiosas para este trabalho?
SV – Posso dizer que 33 países já foram abrangidos por esta formação. Começamos com calma, nos locais mais afectados, depois mudámos de estratégia, formando por regiões, juntando religiosas de várias nações.
AE – O desafio é chegar aos homens…
SV – É mais difícil, mas não tanto assim. Acontece que o tráfico sempre foi considerado de um ponto de vista feminino, pensando nas mulheres. Com uma nova sensibilidade, também os religiosos também serão envolvidos. Por outro lado, há milhares de congregações femininas e as masculinas são muito menos, os sacerdotes já estão sobrecarregados. No entanto, são importantes para a sensibilização social a respeito das consequências deste fenómeno. Na esfera privada, há uma sensibilização e a transmissão de uma moral, de atenção ao tema.