Religiosas acusam Estado de «esvaziar» o seu trabalho

Irmãs Adoradoras estão há 10 anos junto de mulheres vítimas de tráfico humano, no acolhimento e na área social O Estado está a esvaziar o trabalho que há 10 anos as Irmãs Adoradoras desenvolvem junto de mulheres vítimas de tráfico humano, uma problemática que não se enquadra na prostituição. No entanto, as religiosas são agora confrontadas com o facto de o Estado apenas reconhecer estes casos quando as mulheres são acolhidas na casa de acolhimento estatal, criada no final de 2008. As Irmãs Adoradoras mantinham até há pouco tempo “uma excelente ligação com as autoridades, que nos pediam inclusivamente, para nós acolhermos algumas vítimas, mas agora parece que «nos tiraram o tapete». Pedem a nossa colaboração, mas esvaziam o nosso trabalho”, explica a Irmã Júlia Bacelar à Agência ECCLESIA. A trabalhar no acolhimento e na área social a mulheres vítimas de tráfico humano, as Irmãs Adoradoras assistem agora a novas práticas, decorrentes da revisão do Código Penal, da criação do Observatório do Ministério da Justiça e de criação de uma casa de acolhimento estatal que o Governo preparou para o combate ao tráfico de mulheres. Não há informação do local da casa de acolhimento ou da capacidade que dispõe para albergar as vítimas. “A informação que nos chega é que esta casa é específica para mulheres vítimas de tráfico humano”, e que por isso, “as mulheres devem ser enviadas para lá” se estiverem de acordo com o perfil estatal, elaborado pelos órgãos criminais ou pelo Observatório do Ministério da Justiça. A identificação da vítima compete ao Estado. No entanto, as religiosas sinalizam os casos e acolhem as mulheres que se enquadram no perfil de vítimas de tráfico humano. O problema que se levanta situa-se no cruzamento entre o acolhimento que as Irmãs Adoradoras prestam às vítimas e o enquadramento legal. “A identificação cabe às autoridades. Na altura do acolhimento e numa situação em que a mulher precisa, não vamos estar a ver se se enquadra nos critérios, e caso não se enquadre não prestamos acolhimento. Nós não trabalhamos assim. Temos outros critérios”, explica a religiosa. “O nosso trabalho é nas ruas, onde encontramos muitos casos de mulheres estrangeiras, que tudo mostra estarem a ser vítimas de tráfico humano”. A religiosa explica que o novo procedimento dita que as mulheres identificadas tenham, obrigatoriamente de ir para a casa de acolhimento estatal, não podem ir para outras instituições”. Segundo apresenta o Plano de Combate ao Tráfico, “tem de ser uma casa específica para este tipo de problemática”. “Nós achávamos que a nossa casa estava de acordo com esse trabalho, agora o Governo vem dizer que não. Andamos há mais de 10 anos a trabalhar nesta área e parece que agora nos «tiraram o tapete»”, lamenta a religiosa. A Irmã Júlia Bacelar afirma que o Governo quer “centralizar este problema e não está a ter em conta as respostas que já existem”. A especificação dos casos na hora do acolhimento é “complicada, porque as mulheres precisam é de ajuda”. “De repente só são vítimas as que o governo indicar”, afirma. A religiosa aponta um discurso político “demasiado correcto para a Europa ver, mas esquecem os instrumentos internacionais que devem accionar”. No dia-a-dia “vemos que os instrumentos não estão a funcionar”. A Congregação das Irmãs Adoradoras estão, internamente, em reflexão para perceber “como nos vamos situar no meio deste procedimento e como vamos continuar a trabalhar”. A Irmã Júlia frisa que “não queremos fazer um trabalho paralelo, queremos sim centrarmo-nos no trabalho com mulheres que são vítimas de exploração”. Continuando a trabalhar com as mulheres vítimas de tráfico humano, “se precisarmos contactar com as autoridades, não sabemos que resposta teremos”, explica a religiosa. “Podemos estar a sinalizar uma mulher, que as autoridades acabem por expulsar, ou seja, podemos ser instrumento para uma maior vitimização da mulher, situação que não queremos”. Em caso de as autoridades afirmarem “não ser vítima de tráfico, ficamos sem saber o que pode acontecer a essa mulher. Estamos num vazio actualmente”, explica a religiosa. Quando sinalizadas pelas autoridades, as mulheres “acabam por estar protegidas, mas até chegar a esse ponto, existe uma enorme burocracia”, explica a Irmã Júlia Bacelar. “Na teoria estamos de acordo com tudo, mas na prática os instrumentos resultam pouco. Parece que desconfiam do trabalho das instituições, mas os dois parceiros não se excluem”, sublinha. A ligação com as autoridades “tem sido, até agora, excelente”, explica a Irmã Júlia Bacelar. “As dificuldades surgiram apenas há uns meses e agora no Congresso insistiram nisso também”, explica a religiosa. Esta é uma situação exclusiva que se coloca à Congregação das Irmãs Adoradas, uma vez que são a única organização a trabalhar nesta área. As Irmãs Oblatas trabalham na área da prostituição, “um problema diferente”, afirma a religiosa. “Estão a querer meter num só saco, coisas que não pertencem”, frisa. Enquanto ONG que está “no terreno e tem trabalho feito”, as religiosas marcaram presença noI Congresso Nacional sobre Tráfico de Seres Humanos, que decorreu no Instituto Superior de Policia Judiciária e Ciências Criminais (ISPJCC). Alberto Costa, ministro da Justiça, presidiu à sessão de encerramento. Em 2007, a revisão do Código Penal contemplou os instrumentos jurídicos internacionais em matéria de tráfico de seres humanos. Assim, a definição de tráfico passou a incluir a oferta, entrega, aliciamento, aceitação, transporte, alojamento ou acolhimento de pessoa para fins de exploração sexual, exploração do trabalho ou extracção de órgãos, com pena de prisão entre 3 e 10 anos e entre 3 e 12 anos, caso se actue profissionalmente. Passou também a contemplar o tráfico para adopção internacional, como forma mais recente deste tipo de criminalidade.

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