João Aguiar Campos, Secretariado Nacional das Comunicações Sociais
O serão estava animado, no grupo de amigos. A televisão ligada, mas a falar sozinha. Algo, porém, atraiu a atenção de um dos presentes, que de imediato alertou os demais. Dois minutos de silêncio bastaram, contudo, para que outro sentenciasse: «Apaga lá isso. Estou-me nas tintas!»
O telecomando resolveu a questão e as conversas voltaram a acender-se. Manda, porém, a verdade que se diga que não era de somenos o problema que a TV evidenciava. Só que não havia, naquela sala, quórum suficiente para a manter ligada…
No dia seguinte, vi como os passantes se desviavam de pernas estendidas no passeio, com pequenos cartazes de papelão ao lado, falando de dramas e necessidades. Desviavam-se, descendo à rua ou levantando o olhar, de modo a evitar uma proximidade evidente; desencontrando-se propositadamente.
Nesse mesmo dia, ao fim da tarde, no autocarro de regresso a casa ouvi, sem querer, a conversa de dois adolescentes. Falavam de relações familiares tensas e da evolução registada no modo de lidar com o problema: «A princípio ainda estressei com a cena; mas agora entrei numa boa e isto é bué de fixe: tanto se me dá como se me deu!».
Nos três casos vejo refletido o mesmo propósito: a vontade de desligar o olhar, apagar o incómodo, fazer da indolência um estado de alma, adotar a insensibilidade como veste impermeável, renunciar a toda e qualquer causa e fugir do envolvimento.
Sem causas, não fazemos caso. Mais: escolhemos o ocaso onde a luz se dilui e, progressivamente, nem sequer há vultos.
Sem incómodos, não queremos saber a não ser de nós, com a desculpa sonora de não nos metermos na vida dos outros. Sim; não há amor que nos desconcentre, realidade que nos apaixone ou revolte: nem a favor, nem contra, nem em branco… Simplesmente não vamos a jogo, bronzeando-nos num solário egoísta onde não entra qualquer tentação de responsabilidade.
Compreendo, por isso, muito bem o grito do Papa Francisco para o Dia Mundial da Paz/2016: contra a indiferença importa cultivar o interesse permanente, a consciência da nossa responsabilidade pelo bem comum, a exigente conversão do coração.
Temos de nos importar, desafiados por um Deus Pai a quem importa a humanidade. E que conta connosco e a nossa amorosa militância em todos os ambientes e circunstâncias. Sem resignação e sadiamente impertinentes.
Na mencionada mensagem do papa Francisco, estão apontados caminhos que podemos escolher – e que muitas pessoas e instituições, felizmente, já trilham na família, na cultura, na comunicação social ou na política.
Sem compromissos pessoais e concretos não deixaremos marca.
É urgente religar o olhar.
João Aguiar Campos