Dados fundamentais da publicação da AIS ÁSIA Existe um clima de agitação nos países do Cáucaso, provocado pelo facto de os Governos estarem a combater a ameaça terrorista islâmica socorrendo-se mais de métodos repressivos do que de estratégias capazes de isolar o ultra-fundamentalismo. Provavelmente seriam obtidos melhores resultados com políticas promotoras do diálogo, como as que foram adoptadas pela Santa Sé, que encetou relações diplomáticas com o Qatar. Em outros Estados, contudo, a perseguição aos “infiéis” atingiu níveis de emergência real como no Irão, no Paquistão e na Arábia Saudita, onde a prisão e a tortura são infligidas aos que transgridem a Lei Corânica. É preciso não esquecer que é precisamente nestes três países que ocorrem frequentemente confrontos entre muçulmanos com diferentes opiniões políticas e religiosas. Neste contexto, a situação é preocupante no Iraque, um país assolado pelos atentados terroristas perpetrados pelos sunitas contra os xiitas e pelas ameaças às comunidades cristãs, por vezes levadas a consequências extremas. No entanto, as minorias cristãs são também alvo dos extremistas budistas e hindus no Sri Lanka e na Índia, que utilizam as leis anti-conversão para prevenir toda a actividade missionária e que recorrem habitualmente à violência. No último bastião dos campos de concentração ao estilo social-comunista no mundo, a Coreia do Norte, 300 mil cristãos desapareceram sem deixar rasto nos últimos 50 anos. Na China, o Governo de Pequim pratica um tipo de repressão análoga contra cristãos, budistas e contra os membros da seita Falun Gong, prendendo-os e torturando-os em campos, sem que contra eles tenha sido proferida qualquer acusação. Afeganistão A guerra civil e a instabilidade política marcam a realidade do Afeganistão há 24 anos, durante um período em que não existiu qualquer Governo até que, no dia 22 de Dezembro de 2001, um Governo interino foi nomeado. Em 2002, foi formado o Estado islâmico provisório do Afeganistão (Tisa). A nova Constituição, ratificada a 4 de Janeiro de 2004, define o país como a “República Islâmica do Afeganistão” e o Islamismo foi declarado religião do Estado. A Constituição declara ainda que “os crentes de outras religiões são livres de professar a sua fé e praticar os seus ritos dentro das restrições fixadas pela lei”. Quanto à eleição do Presidente e Vice-Presidente, a nova Constituição define que estes devem ser muçulmanos, mas não faz nenhuma distinção entre sunitas e xiitas. Não existem, no entanto, leis que especifiquem a pertença religiosa dos deputados. As relações entre as várias comunidades muçulmanas presentes sempre foram difíceis. Aos grupos religiosos não é exigido registo e o proselitismo é visto culturalmente como contrário ao Islão, mas não é proibido por lei. Apenas as festividades islâmicas são consideradas feriados públicos e a comunidade xiita, ao contrário do que acontecia durante o regime dos Taliban, pode celebrar livremente as suas festividades religiosas. A conversão do Islamismo para outra religião é considerada apóstata e, desta forma, segundo a lei islâmica, é punível com a pena de morte. As organizações humanitárias cristãs têm liberdade de acção mas, por vezes, sofrem agressões de grupos anti-governamentais, como aconteceu no final de 2003 a duas pessoas que trabalhavam na Associação Voluntária para a Reabilitação do Afeganistão e que foram assassinadas após terem sido acusadas por pretenderem pregar o Cristianismo e evangelizar o país. A perseguição aos xiitas e aos muçulmanos ismaelitas terminou com o regime Taliban, mas ocorrem ainda episódios de violência a nível local. A Igreja Católica da Embaixada Italiana é ainda o único local de oração oficialmente reconhecido em todo o país e a abertura de igrejas noutras cidades parece altamente improvável neste momento. Arábia Saudita A 20 de Outubro um tribunal islâmico da Arábia Saudita sentenciou um cristão indiano chamado Brian O’Connor a 10 meses de prisão e 300 chicotadas devido a posse e venda de bebidas alcoólicas. Esteve na cadeia 7 meses e 7 dias e, enquanto aguardava a dedução da acusação, O’Connor foi torturado devido à sua crença religiosa. As acusações mais relevantes foram a posse de Bíblias e material audiovisual sobre temas evangélicos, como também o facto de ter pregado o Cristianismo, um crime punível com a pena de morte. A intervenção de várias associações humanitárias e eclesiásticas, uma campanha internacional lançada pela agência AsiaNews, a mobilização de cidadãos em muitos países e a pressão diplomática feita por vários Estados, conseguiram assegurar que pelo menos 2 acusações fossem retiradas e que O’Connor fosse libertado, podendo regressar a casa. China Em 2004 a liberdade religiosa sofreu substanciais e sistemáticas violações na China, como consequência da exigência governamental de controlar todas as organizações religiosas. O cerne desta questão está na definição de liberdade de culto que foi adoptada por Pequim e que difere do conceito tal como está expresso nas convenções das Nações Unidas, que a China diz respeitar, mas que não foi transposto para a legislação nacional. Pequim admite a pratica da fé apenas no interior dos grupos religiosos autorizados pelo Governo e cujo pessoal e actividades sejam supervisionadas pelas associações patrióticas. Tudo isto conduz a uma vivência na fé na qual os ideais são, acima de tudo, servir a segurança do Estado e o progresso da nação. Consequentemente, existem 2 tipos de violações à liberdade religiosa: É assumido a priori nas comunidades “oficiais”, as que são reconhecidas pelo Governo, que a liberdade de culto não é um direito inato dos seres humanos, mas uma concessão dada pelo Estado, que estabelece a sua forma e os seus limites. O segundo tipo de violação é a perseguição contra todas as expressões religiosas que – em referência à Constituição onde se expressa a liberdade religiosa em sentido lato – exigem poder expressar livremente a sua fé sem serem controladas pelo Estado, desde que não implementem práticas conspirativas ou violentas. A pressão da comunidade internacional – incluindo os Estados Unidos, o Canadá, a Santa Sé e o Parlamento Europeu – não resultou numa diminuição da repressão em 2004. De modo geral, o Governo de Pequim tem-se refugiado na legislação para se defender das acusações de tratar as religiões de forma injusta. Em 2004, de facto, foram aprovados novas deliberações nacionais para controlar as religiões (não existindo avanços significativos nesta matéria) que, simultaneamente, permitiram ao Governo deter como “criminosos comuns” todos aqueles que estejam fora das organizações religiosas controladas pelo Estado. A principal inovação no que diz respeito à religião foi a elaboração de novas propostas legislativas para a actividade religiosa, assinadas pelo Primeiro-ministro Wen Jiabao a 30 de Novembro e que entraram em vigor em Março de 2005, com vista a regulamentar os locais de culto, os membros e as actividades das comunidades religiosas. Para além das restrições impostas aos grupos religiosos, existe um renovado apoio ao ensino e à difusão do ateísmo. Contudo, por todo o país aumenta o número de crentes das confissões religiosas e a curiosidade, o respeito e a conversão as crenças cristãs têm aumentado entre professores, intelectuais e estudantes. As conversões aumentaram também entre os membros do Partido Comunista Chinês. Em 2004, o Departamento de Propaganda do Partido Comunista anunciou que iriam ser criadas normas específicas para acabar com as conversões e o proselitismo, pedindo uma vez mais a expulsão de pessoas corrompidas por “cultos”. Esta ênfase legislativa ao longo de 2004 conduziu igualmente a uma série de detenções de católicos da chamada “Igreja clandestina” (que reconhece a autoridade do Vaticano) que praticam a sua fé fora das associações reconhecidas pelo Estado. Detenções, intimidações, interrogatórios e participação obrigatória em cursos de endoutrinação foram denunciados nas regiões de Fujian, Zhejiang, Nei Mongoli, Henan e especialmente em Hebei. Coreia do Norte Na Coreia do Norte o único culto permitido é o dedicado à figura do Presidente Kim Jong-Il e de seu pai Kim Il-Sung. O regime tem procurado impedir a presença da religião, em particular do Budismo e do Cristianismo. Os fiéis são obrigados a registarem-se em organizações religiosas controladas pelo partido e ocorrem frequentemente perseguições violentas contra todos os que não respeitam esta regra ou contra os que estão envolvidos em actividades missionárias. Desde que o regime comunista chegou ao poder em 1953, cerca de 300 mil cristãos desapareceram e já não há no país sacerdotes ou religiosas, que provavelmente terão sido mortos durante as perseguições. Existem actualmente 100 mil pessoas em campos de trabalho sujeitas à fome, à tortura e à execução. Os testemunhos de antigos prisioneiros e guardas prisionais revelam que, tanto nas prisões como nos campos de reabilitação, os cristãos são mais mal tratados que outros prisioneiros. Os cristãos norte-coreanos são frequentemente recordados pelos seus irmãos do Sul. A 8 de Dezembro, no 150º aniversário da proclamação do dogma da Imaculada Conceição, foi celebrada uma missa solene por vários sacerdotes na Catedral de Seul. Índia Na Índia o ano de 2004 foi caracterizado por uma significativa mudança política com importantes consequências para a liberdade religiosa no país, apesar de serem mais notórias no plano geral do que na situação real das minorias religiosas. Nas eleições gerais realizadas em Abril e Maio, o Bharatiya Janata (BJP), o partido que esteve no poder e que apoiava uma visão extremista do Hinduísmo, foi derrotado pelo Partido do Congresso, que defende políticas seculares e pluralistas. A derrota do BJP foi saudada com a aprovação dos representantes cristãos e de outras minorias religiosas, bem como dos activistas dos direitos humanos. Mas as acções contra a liberdade de culto não se podem, contudo, limitar às responsabilidades do BJP. É importante lembrar que em 1996 as primeiras leis anti-conversão foram aprovadas pelo Congresso. A última lei restringindo as conversões, aprovada no Estado de Gujarat, estabelece uma pena de 3 anos de prisão e uma multa de 50 mil rupias para quem preste falso testemunho em matéria de conversão ou encoraje a mudança de um credo para outro. Estas medidas dificultam enormemente o trabalho no âmbito da promoção da dignidade humana de vários grupos cristãos na Índia, uma vez que arriscam ser denunciados como “prosélitas”. A violência perpetrada por extremistas continua a ser dirigida contra os representantes e propriedades da Igreja Católica. Os ataques assumem variadas formas, que vão desde a violência organizada contra edifícios religiosos, passando pela perseguição psicológica, até às manifestações públicas de apoio a falsas acusações judiciais contra sacerdotes e religiosas. Irão A liberdade de culto esteve no centro da mensagem de João Paulo II ao novo embaixador do Irão na Santa Sé, Mohammad Faridzaze, aquando da sua apresentação de credenciais a 20 de Outubro, no Vaticano. A tradução, publicada no l’Osservatore Romano no dia seguinte, expressava o apelo do Pontífice às autoridades iranianas, pedindo-lhes que permitissem “aos fiéis da Igreja Católica, bem como aos outros cristãos no Irão, a liberdade de professar a sua religião e encorajar o reconhecimento jurídico das instituições eclesiásticas, facilitando-lhes assim a sua missão na sociedade iraniana. De facto, a liberdade de culto é único aspecto da liberdade religiosa que deve ser igual para todos os cidadãos de um país”. O Papa sublinhou também “quão importante é, na minha opinião, que cada pessoa tenha possibilidade efectiva, respeitando as leis de cada país, de expressar as suas crenças religiosas livremente, de reunir com os seus irmãos na fé para adorar Deus devidamente, como também de assegurar através da catequese a transmissão da doutrina religiosa às crianças e um conhecimento mais profundo aos jovens”. João Paulo II acrescentou ainda “que os católicos estão ligados ao seu país e estão desejosos de participar activamente no seu desenvolvimento em cada aspecto da vida social”. Todos os problemas que foram vividos pelos não-muçulmanos no Irão, que viveram 25 anos sob o regime dos Ayatollah, parecem estar concentrados nestas palavras. Iraque Nos meses seguintes à queda do regime de Saddam Hussein, os esforços desenvolvidos pelo Governo provisório no Iraque, presidido por Iyad Allawi, contaram com a cooperação e assistência da administração norte-americana, com vista a garantir na Constituição provisória o respeito pela liberdade religiosa. Surgiram várias pressões vindas da comunidade xiita – historicamente maioritária, mas excluída do poder há 20 anos – para introdução efectiva da lei islâmica com base para futura legislação. Esta tensão resultou em controvérsia relacionada com a Constituição provisória, denominada lei Administrativa temporária e assinada a 8 de Maio por todos os 25 membros do Conselho governamental. De facto, o Art.º 13 (alínea f) declara que “todo o iraquiano tem o direito à liberdade de pensamento, consciência, credo e prática religiosa. Toda a coerção nesta matéria deve ser proibida”. Para além disso, o Art.º 7 (alínea a) estabelece que o Islão deve ser considerado apenas como “uma” fonte jurídica e não como “a” fonte. O mesmo artigo “garante plenamente os direitos de liberdade de credo e prática religiosa a cada indivíduo”; contudo, ainda no mesmo artigo, afirma-se que “nenhuma lei que contradiga os princípios islâmicos universalmente aceites (…) pode ser promulgada”. A atmosfera conflituosa das relações entre as comunidades islâmicas, como também o fenómeno do terrorismo, tornou-se um dos principais impedimentos ao processo do renovamento das instituições. Os encontros realizados no âmbito do diálogo inter-religioso são, ao invés, um factor positivo. Foi elaborada uma lista de 88 cristãos vítimas da violência, mortos desde Abril de 2003, por organizações assírio-caldeias (ritos cristãos do Médio Oriente) e divulgada pela agência Fides no dia 16 de Outubro de 2004. Grupos ultra-extremistas islâmicos dirigiram ameaças de morte às comunidades cristãs com o objectivo de as levar a abandonar o Iraque. Tentando remediar o clima de terror, 11 organizações europeias e norte-americanas ligadas às comunidades cristãs assíria e caldeia, apelaram ao Governo e à comunidade internacional numa declaração feita a 25 de Novembro, pedindo segurança para as igrejas, instituições, cidades e aldeias do território nacional. Os cristãos – não os árabes, mas os originários da área entre o Iraque, a Turquia a Síria e o Irão, onde os cristãos são aceites desde o século I – pedem a criação de uma área de protecção nas planícies de Nínive, a norte do Iraque, para defender os territórios históricos do povo assírio-caldeu e dar abrigo aos refugiados cristãos perseguidos. Sri Lanka A situação é muito séria no Sri Lanka, onde no decorrer de 2004 houve uma escalada nos atentados realizados por extremistas budistas contra as minorias cristãs, em particular contra os evangélicos, acusados pelos monges de arruinar a “harmonia que há séculos reina no país”, devido ao proselitismo agressivo. Estes atentados, que envolveram mais de 60 igrejas nos primeiros seis meses do ano, são parte de uma campanha anti-cristã que há anos tenta introduzir medidas que impeçam a conversão dos budistas. As duas propostas de lei que estão em discussão, têm o objectivo oficial de proibir “conversões forçadas”, ou seja, conversões conseguidas por ameaça ou com falsas promessas. Se forem adoptadas pelo Governo, estas medidas vão restringir a liberdade religiosa também para a maioria budista e darão justificação legal ara todo o tipo de perseguições às comunidades religiosas. A organização Christian Solidarity Worldwide declarou que a criminalização de todas as formas de caridade, que é vista como uma fraude, põe em perigo o importante trabalho social desenvolvido pelas organizações cristãs junto dos mais necessitados, independente da sua religião. O compromisso das Igrejas e organizações cristãs no auxílio às vítimas do tsunami que matou mais de 30 mil pessoas no Sri Lanka no dia 26 de Dezembro foi exemplar e foi mundialmente reconhecido. A 29 de Junho a Conferência Episcopal e o Conselho Nacional Cristão, uma instituição ligada às Igrejas Protestantes, fez uma declaração conjunta expressando as suas objecções à lei: “Após termos estudado a proposta de lei, consideramos que esta infringe os direitos humanos básicos estabelecidos pela nossa Constituição, como as normas e os acordos internacionais”, entre estes, um que o Sri Lanka subscreveu em 1980, propondo uma convenção internacional de direitos políticos e cívicos que garantissem a liberdade de religião, credo e associação. Os ataques violentos contra as minorias religiosas tiveram como alvo principal as igrejas que, muitas das vezes, foram destruídas. As comunidades hindu e muçulmana não foram atacadas, uma vez que no Sri Lanka nenhuma destas religiões tem uma tradição de proselitismo, um “crime” de que os católicos e os protestantes são ambos acusados. Segundo os monges budistas, os cristãos trabalham com apoio financeiro da Europa e dos Estados Unidos para afastar os crentes do Budismo. A tensão entre grupos religiosos agravou-se no início de 2004, após a morte de um monge budista, um dos promotores da lei anti-conversão. EUROPA A força propulsora do ateísmo não se esgotou, mesmo quinze anos após a queda do império soviético. Entre vários exemplos emblemáticos existe o caso da Bielorússia, onde o controle estrito do Estado sobre qualquer expressão de culto tende a sufocar as crenças religiosas dos povos. Por vezes esta perseguição assume características administrativas. Noutros casos, a intolerância assume tons nacionalistas como acontece na Rússia, onde os obstáculos burocráticos prevalecem, mesmo numa situação na qual as relações ecuménicas entre as igrejas ortodoxas e católicas estão a progredir. Com novas classes dirigentes substituindo as antigas nomenclaturas soviéticas parece haver um maior espaço para a liberdade de culto, como também está a acontecer timidamente na Geórgia. Os ecos da guerra que desmembraram a Jugoslávia em meados dos anos noventa, ainda estão presentes na Bósnia Herzegovina, Servia e Montenegro e no Kosovo, causando igualmente tensões entre cristãos e muçulmanos. A renúncia do secularismo republicano acontece lentamente na Turquia, sem nenhuma mudança real à vista, e poderá efectivar-se com o reconhecimento jurídico das comunidades religiosas Cristãs. França conheceu uma nova vaga de secularismo com a aprovação e implementação de uma lei que proíbe a utilização de símbolos religiosos em escolas, enquanto na Alemanha o mesmo objectivo é procurado com diversas medidas locais. Concebidas para se contrapor à emergência do extremismo islâmico, estas medidas parecem não ter um efeito real, e o mesmo se aplica a outros modelos de coexistência baseado em políticas multiculturais na Holanda e no Reino Unido, onde episódios recorrentes de violência envolvendo as comunidades muçulmanas trazem este problema à atenção da opinião pública. Bielorússia Na Bielorússia ainda há problemas relativamente ao respeito da liberdade de culto, especialmente devido ao estrito controlo que as autoridades governamentais aplicam às minorias religiosas. Enquanto inicialmente o Presidente Lukashenko aparentemente pareceu tomar partido com a Igreja Ortodoxa, prometeu mais tarde assistir e cooperar com a Igreja Católica organizando uma reunião com bispos italianos. O processo de re-registo compulsório foi conseguido de uma maneira basicamente positiva. A Comissão de Estado para os Assuntos Étnicos e Religiosos declarou que “mais de 99%” de todas as comunidades religiosas foram re-registadas – 2.677 de um total de 2.783 – na base da lei de 2002 de liberdade de consciência. Os problemas principais no processo de re-registo foram enfrentados pelas Igrejas Ortodoxas, que trabalhavam fora do Patriarcado de Moscovo e que foram impedidos de se re-registarem, uma vez que para obter o reconhecimento do Estado estas comunidades eram obrigadas a ter, previamente, a aprovação do bispo local do Patriarcado de Moscovo. Esta provisão totalmente ilegal impediu o registo da “Igreja Ortodoxa Real Russa”, sob a jurisdição da “Igreja Ortodoxa Russa no estrangeiro” e da “Igreja Ortodoxa Bielorussa Autocéfala”. Além disso, a influência exercida pelo ateísmo ideológico sobre oficiais do Estado é ainda extremamente poderosa e a estrita supervisão que mantêm às comunidades religiosas é parte integral das políticas centrais do Estado, enquanto que as congregações que pertencem ao Conselho das Igrejas Baptistas, uma organização recusando em princípio todo o registo do Estado nos antigos estados soviéticos, continuam a encontrar vários problemas em organizar reuniões e celebrar liturgias. Apesar de um nível geralmente baixo da prática das religiões mais importantes, a intolerância religiosa na Bósnia Herzegovina persiste, reflectindo directamente a intolerância étnica. Neste país, uma maioria Islâmica-Bósnia (40% da população) coexiste com uma minoria Servia-Ortodoxa (31%) e Croata-Católica (15%). Enquanto até ao século XIX, a maioria dos cidadãos identificavam-se de acordo com as suas crenças religiosa, com o aparecimento do nacionalismo balcã, o país começou a identificar-se a si próprio em termos étnico-religiosos, uma tendência que aumentou durante a era comunista em que o regime desencorajou a prática religiosa e a maioria da população se auto-identificou com base nos grupos étnicos ou simplesmente como “Jugoslavos”. Após a independência e o final da guerra, os elementos religiosos reapareceram, razão pela qual os religiosos e os membros do clero cristão ou islâmico são, por vezes, vítimas de vingança, de retaliação e de outros actos violentos originados por factores étnicos. O retorno dos refugiados causados pelas limpezas étnicas entre 1992 e 1995, que resultaram na criação de dois corpos políticos separados na Federação Bósnia e Herzegovina, sofreu um abrandamento após um intenso período entre 2001 e 2003. Mais de um milhão de refugiados, dos quais cerca de 40% fora do país e o resto dentro do país, puderam regressar às suas casas. Destes, cerca de metade regressaram a áreas onde os seus próprios grupos originais são uma minoria. Pensa-se que pelo menos outros 100 mil bósnios estão ainda na fronteira, na Croácia ou na Sérvia – Montenegro, 50 mil estão na Europa, outros 300 mil na Bósnia e, finalmente, cerca de 500 mil que se tornaram cidadãos de outros países. A violência com base na religião continuou esporadicamente, intensificando-se durante o mês de Março, coincidindo com a revolta dos albaneses no Kosovo. França Na França, não obstante o quadro de tranquilidade geral das relações inter-religiosas e da substancial liberdade de culto garantida pela Constituição, regista-se uma atitude de separação activista ou laicista em relação aos grupos e às manifestações religiosas. A lei About-Picard, (lei n.º 2001-504 de 12 de Junho de 2001) que introduziu, inclusivamente, a dissolução forçada e limitações ao direito de constituição de associações com fins religiosos no caso de se registarem abusos de vários tipos, foi censurada pelo Conselho Europeu. Surgiram reacções negativas à lei um pouco de todas as comunidades: dos católicos, dos muçulmanos – a religião mais visada nesta lei – e dos sikhs indianos, por causa da sua obrigação de usar sempre o turbante. No entanto, foi a lei de Março de 2004, sobre a utilização de símbolos religiosos nas escolas, que motivou reacções mais significativas Geórgia Quando Mikheil Saakashvili substituiu Eduard Shevardnadze em 2004, a situação no que diz respeito à liberdade de culto melhorou consideravelmente na Geórgia. Houve uma diminuição do número de ataques violentos, relativamente a anos anteriores, contra grupos religiosos minoritários que sofreram a apreensão de artigos religiosos e invasões durante assembleias e celebrações litúrgicas. A situação melhorou também devido à tão esperada detenção do Pe. Basil Mkalavishvili, um padre ortodoxo excomungado que conduziu estes ataques violentos durante vários anos, muitas vezes perpetrados com o apoio das autoridades locais e das forças policiais, instituindo uma atmosfera de terror dirigida às minorias religiosas durante os últimos cinco anos. O grupo de trabalho composto por representantes de grupos religiosos, o ministro da Justiça e dos comissários do Conselho Europeu, reuniu-se em Estrasburgo em Março para discutir o esboço da lei da liberdade religiosa, discutida no Parlamento em 2001. Concluíram que esta lei não seria necessária se as leis existentes fossem emendadas. Entre estas encontra-se, por exemplo, no Código Civil a permissão para que os vários grupos religiosos se registem e obtenham o reconhecimento jurídico. A Igreja Católica sente os efeitos da supremacia dada à Igreja Ortodoxa no que diz respeito à devolução das propriedades confiscadas durante o período soviético. Tanto a Igreja Católica Romana como a Igreja Apostólica Arménia, não tentaram recuperar a posse dos muitos edifícios confiscados durante a era comunista, a maioria dos quais foram dados à Igreja Ortodoxa Georgiana pelo Estado. Alemanha Em 2004, seis dos dezasseis Estados que constituem a Alemanha – cada um com autonomia relativamente a diversas matérias – adoptaram normas que regulamentam o uso de símbolos religiosos pelos empregados públicos no exercício das suas funções. Em Berlim a Câmara dos Representantes dos Estados aprovou um decreto que proíbe os representantes públicos de usarem crucifixos, véus ou o kippa judeu enquanto trabalham. Na Baixa Saxónia, relativamente ao uso do véu islâmico foi formulada como uma modificação à lei da educação e na passagem mais relevante, embora não tenha sido explicitamente nomeado o véu, lê-se que “o aspecto exterior do professor não deve de modo algum levantar dúvidas sobre a sua aptidão para exercer, de modo convincente, o cargo de formação recebido da escola mesmo no que respeita à religião e à visão do mundo”. Na Baviera é proibido às professoras muçulmanas usar o véu nas escolas públicas e nos Estados federais de Renânia do Norte – Vestfália e Bremem estão em discussão duas propostas de lei para proibir o véu islâmico nas escolas. Nos Estados de Renânia-Palatinado, Hamburgo e Schleswig-Holstein não está prevista a adopção de leis sobre esta matéria, considerando suficiente agir em função dos casos individuais. Holanda A coexistência inter-étnica na Holanda revelou problemas com repercussões ao nível dos assuntos religiosos, durante 2004. No mês de Novembro, uma série impressionante de atentados fez temer o desencadear de violência interétnica em todo o território nacional. A causa do aumento da tensão deveu-se à morte de Theo van Gogh, assassinado a 2 de Novembro em Amesterdão, pelo fundamentalista islâmico Mohammed Bouyeri, após os conflitos entre a polícia e um grupo de terroristas islâmicos em Aja. Como reacção, a Mesquita de Utrecht foi incendiada a 5 de Novembro e dois dias depois, acusando o grupo do incidente, a polícia prendeu um jovem holandês. Três jovens holandeses foram depois presos por terem tentado incendiar a Mesquita de Huizene. No mesmo dia foi incendiado o Centro Islâmico de Breda e a Mesquita Mevlana de Roterdão, cidade onde foram encontrados panfletos com ameaças dirigidas aos muçulmanos. Gradualmente a tensão diminuiu, mas os observadores temem que um único incidente de violência possa gerar manifestações extremistas de intolerância. Reino Unido No Reino Unido, com excepção da Irlanda do Norte, onde o conflito entre confissões cristãs é secular, o direito à liberdade religiosa é, de modo geral, respeitado. Os únicos episódios de intolerância registam-se contra as minorias hebraica e muçulmana. No primeiro caso, registaram-se 450 episódios de anti-semitismo em que se incluem sacrilégios, escritos injuriosos e danos materiais. Manifestou-se uma certa hostilidade em relação à minoria islâmica. Em 2004 houve cerca de 29 episódios envolvendo agressões e 40 casos de danos materiais em locais de culto – foram iniciadas medidas e criados organismos de defesa legal colectiva, como o Forum Against Islamophobia and Racism (FAIR). O Governo deu início – também através da aprovação de uma lei em Março de 2005 – a uma vasta campanha de prevenção contra o ódio religioso. A medida legislativa foi criticada por várias partes porque limitaria a liberdade de expressão, um direito especialmente protegido pelo Reino Unido. Rússia Relativamente à Rússia, e no que diz respeito à liberdade religiosa, esta permaneceu estável durante 2004, embora a nível local se tenham registado comportamentos muito diversos em relação às minorias religiosas. No dia 1 de Janeiro entrou em vigor a lei sobre o serviço civil, alternativo ao serviço militar, para os objectores de consciência. As relações entre a Santa Sá e o Patriarcado de Moscovo alargaram-se consideravelmente no decorrer de 2004, o que faz prever uma melhoria nas relações entre as duas confissões religiosas. “A intensidade de tais relações permite constatar uma determinação e uma vontade de continuar na via do diálogo, da compreensão e da colaboração, e tudo isto num contexto em que permanecem discrepâncias nas avaliações e nas percepções sobre o que seria obstáculo à promoção de relações inter-eclesiásticas harmoniosas”, observou Josef Maj num artigo publicado no L’Osservatore Romano a 26 de Janeiro de 2005. O primeiro evento a referir foi a visita a Moscovo do Cardeal Walter Kasper, entre 17 e 23 de Fevereiro. Nessa ocasião, o Cardeal Kasper, para além de se encontrar com alguns bispos católicos e com a comunidade católica de Moscovo, foi recebido em audiência por Alexis II, Patriarca de Moscovo, e estabeleceu contactos com o Metropolita Kirill, de Smolensk e Kalingrad, e Presidente do Departamento Patriarcal para as Relações Eclesiásticas Externas. Pela primeira vez, a 5 de Maio, reuniu-se em Moscovo o grupo de trabalho católico-ortodoxo, criado com o objectivo de resolver as controvérsias entre as duas confissões. Continua o processo de aproximação entre o Patriarcado de Moscovo e a Igreja Ortodoxa Russa no estrangeiro. A 17 e 18 de Maio teve lugar um encontro em Moscovo entre os representantes das duas comunidades religiosas, e nessa ocasião – informa a Église dans le Monde n.º 3-2004 – os participantes expressaram o desejo comum de retomar a comunhão eucarística e a unidade canónica no seio de uma só Igreja Ortodoxa, a partir do momento em que, historicamente, possam considerar superadas as razões que levaram à separação dos dois grupos religiosos. A Igreja Russa no estrangeiro, separou-se do Patriarcado de Moscovo em 1920, criticando a atitude colaboracionista com as autoridades soviéticas. O conflito na Chechénia reforçou a atitude de suspeição das autoridades russas em relação aos grupos muçulmanos presentes nas regiões do norte do Cáucaso. Magomed Erkenov, Imã da vila de Dzhaga, em Karachai-Cherkessia, evidenciou as dificuldades encontradas nas regiões das comunidades islâmicas para o registo de novos grupos, pondo em evidência os frequentes controlos levados a cabo pelas autoridades locais nas mesquitas e as restrições estatais aos financiamentos por outras nações muçulmanas. AMÉRICA No norte do continente, o confronto entre as instituições civis e religiosas ocorre por vezes através de comportamentos acesos e polémicos, sem no entanto deteriorar a tradicional tolerância. Embora com algumas lamentáveis excepções envolvendo a violação dos direitos humanos básicos, como Cuba e Venezuela, a missão da Igreja Católica e de outras comunidades religiosas não tem encontrado obstáculos legislativos na América do Sul. Em países como a Guatemala e o Haiti, onde o clima social não encoraja as actividades de evangelização, existe uma forte sensação de insegurança provocada pela violência e pela criminalidade. Apesar dos esforços desenvolvidos pelo Governo e pela Igreja Católica a fim de restabelecer a paz, parece não haver solução para os conflitos sangrentos na Colômbia e que em 2004, mais uma vez, resultou num preço muito elevado em vidas humanas, pago quer pelos civis, quer pelos sacerdotes. Colômbia A situação de violência e violação dos direitos humanos e religiosos na Colômbia é extremamente séria. Durante o ano de 2004, mais de 3 mil civis foram mortos por razões políticas, enquanto que pelo menos 600 desapareceram e 2.200 pessoas foram raptadas. Informações adicionais avançadas pela Rádio Vaticano no dia 7 de Maio, deram relevo ao facto de, a cada 24 minutos, uma pessoa ser morta e a agência noticiosa Fides, ao revelar as estimativas avançadas pelo Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados, declarou que 200 mil colombianos tinham sido forçados a abandonar o país entre 2000 e 2003, devido a conflitos internos. O Conselho Norueguês para os Refugiados calcula que o número de refugiados pode ser superior a 3 milhões. No mês de Dezembro, o Congresso aprovou uma lei que atribuía ao exército o poder de actuar como polícia judicial. A mesma fonte revelou a fúria singular manifestada pelos guerrilheiros e principalmente pelas Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (FARC), contra as comunidades locais, à semelhança do que aconteceu a 16 de Outubro, quando três líderes Kankuamos foram mortos na Sierra Nevada de Santa Maria. A Igreja Católica está profundamente empenhada em contribuir para a reconciliação, defendendo também as populações nativas e os camponeses, frequentemente obrigados a abandonar as suas aldeias para fugirem à violência de grupos armados, que recorrem ao uso da força para se apropriarem das suas terras. Foi para eles que a Igreja organizou um programa de atendimento pastoral aos refugiados, que procura garantir, acima de tudo, a ajuda material e espiritual, permitindo-lhes permanecer nas suas regiões de origem. Foram igualmente assinados acordos com várias dioceses em países fronteiriços, especialmente no Equador, onde os camponeses se refugiam, a fim de assegurar que recebem também ajuda fora do seu próprio país. Neste contexto, o papel da Igreja Católica reveste-se de grande importância, considerando que a Igreja é a única instituição presente em inúmeras regiões da província e que as maiores e mais importantes ONG’s que operam no contexto dos direitos humanos e do desenvolvimento económico-social estão relacionadas com a Igreja Católica, ou foram fundadas pelos seus membros. O L’Osservatore Romano de 28 de Julho divulgou os inúmeros raptos levados a cabo pelo Exército de Libertação Nacional (ELN), que no dia 24 tinha raptado o Bispo de Yopal, Monsenhor Misael Vacca Ramírez, numa visita que fazia à Paróquia de Nunchia, em Morcote. A notícia foi divulgada pela agência Misna e pelo Padre Nicanor Roa, pároco da Catedral de Yopal. O bispo, como foi referido pelo Núncio Apostólico de Colômbia, Monsenhor Beniamino Stella, estava de visita à paróquia juntamente com dois outros sacerdotes e o presidente da câmara de Nunchi. Foram todos libertados a 25 de Julho, à excepção do bispo. As leis especiais anti-terrorismo aprovadas pelo Governo e uma crescente rede de informadores aumentaram o risco de cidadãos comuns serem injustamente acusados de terrorismo. Ricardo Esquivia, do Conselho Evangélico da Colômbia, afirmou que há pelo menos 30 representantes e líderes religiosos presos por todo o país, na sequência de relatos anónimos dados por informadores. Cuba No seu relatório anual relativamente aos direitos humanos no mundo, a Aministia Internacional revela uma manifesta deterioração da qualidade de vida em Cuba, denunciando, em particular, as condições especialmente difíceis vividas pelos dissidentes na prisão e exigindo a sua libertação imediata. Relativamente a este assunto, no dia 10 de Fevereiro, a ACN News divulgou, de acordo com informação da Ajuda à Igreja que Sofre recebida directamente na ilha, que o prisioneiro político de 39 anos, Ariel Sigler Amaya, presidente do movimento civil não reconhecido pelo Governo, Movimento Independiente Acción Alternativa, continua detido, sem roupa, numa cela isolada da prisão da província de Canaleta di Ciego de Ávila, sem alimentação e medicação adequada, numa evidente violação a todos os direitos humanos. Além disso, foi-lhe negado o acesso a quaisquer livros de carácter religioso, incluindo a Bíblia. Amaya foi condenado a 20 anos de prisão num julgamento preliminar que teve lugar em Abril de 2003. A 26 de Janeiro, o site www.korazym.org divulgou a grave situação vivida pela Igreja Católica através da publicação de uma entrevista exclusiva ao Cardeal Jaime Ortega y Alamino, Arcebispo de São Cristóvão de Havana, que denuncia o facto de qualquer apelo apresentado ao Governo pela Igreja ser sistematicamente ignorado. O prelado especifica então que não existe perseguição física aos católicos, mas antes uma forma de perseguição mais subtil, «[uma] tentativa de relegar todas as actividades e testemunhos para uma posição inferior da sociedade e da política». Com efeito, a Igreja não tem acesso à imprensa, o ensino da religião católica é proibido nas escolas públicas e não é possível abrir uma escola privada católica. Na Guatemala, na mensagem publicada a 30 de Janeiro pelos bispos no encerramento da sua Assembleia Plenária Anual surgiram algumas prioridades: a pobreza generalizada, a insegurança social, a falta de respeito pela vida humana e sua dignidade, e a corrupção e a impunidade. A fim de solucionar todos estes problemas, os prelados apelam às autoridades para que tomem decisões firmes e corajosas, recordando os que deram testemunho da sua fé cristã com a própria vida. O Bispo Álvaro Ramazzini recebeu muitas ameaças de morte durante o ano devido às suas actividades de apoio aos direitos de todos os nativos que trabalham nas minas abertas, na Diocese de São Marcos. No dia 31 de Julho, o Padre Eusébio Manuel Sazo Urbina, padre diocesano, foi alvejado e morto na capital. Existem sérias dúvidas relativamente às verdadeiras razões deste crime. A agência de notícias Ansa revelou que muitos paroquianos manifestaram a sua perplexidade e afirmaram que o trabalho desenvolvido pelo Padre Urbina para apoiar o desenvolvimento desta comunidade era contrário aos interesses de grupos criminosos. Haiti No Haiti assistiu-se a um ressurgimento da violência após a saída forçada do poder do Presidente Jean Bertrand Aristide, numa situação de tal tensão que levou à intervenção da Força de Manutenção da Paz. Com efeito, há meses que as forças da oposição, unidas no partido da Convergência Democrática, organizavam manifestações quase diárias que contribuíram para a exoneração do Presidente, quando este se refugiou na República Centro-Africana. Num apelo dirigido aos intervenientes na guerra civil, Monsenhor Hubert Constant, presidente da Conferência Episcopal e Arcebispo de Cap-Haitien, afirmou que «embora não seja da competência da Igreja decidir o que fazer, é urgente que se faça algo para deter a violência». Os bispos também realçaram o sofrimento da população e a insegurança que graça no país. A 13 de Setembro, durante o que se supunha ser um assalto, foi assassinado Jean Moles Lovinsky Bertomieux, pastor baptista que tinha um programa numa estação de rádio cristã. A polícia deteve três pessoas relacionadas com a sua morte. Venezuela Na Venezuela há sentimentos generalizados de insegurança e medo quanto ao futuro. O processo definido por muitos observadores e pela imprensa como «urbanização» da sociedade, promovida pelo Presidente da República, Hugo Chavez, está na base da situação de mal-estar. Durante o mês de Janeiro foi publicada uma exortação colectiva, preparada pelos bispos venezuelanos no final da 81ª Assembleia Ordinária, que teve lugar em Caracas no início de 2004. O documento, datado de 9 de Janeiro, intitulado «Somos os verdadeiros servos do povo», centra-se no tema da paz. Os bispos alertam os venezuelanos para suspeitarem de quaisquer medidas que ponham em perigo a paz da nação no futuro, principalmente as que retiram vantagens em detrimento do bem comum. A 5 de Março, a agência noticiosa Fides salientou outra reflexão da Conferência Episcopal relativamente ao futuro do país, que enfrenta um ambiente cada vez mais violento devido ao conflito entre a oposição e os apoiantes do Presidente da República, Hugo Chavez. A situação agravou-se entre finais de Fevereiro e o início de Março devido a uma declaração do Conselho Eleitoral Nacional (CANE) que revelou que a oposição tinha sido impossibilitada de apresentar assinaturas suficientes, a fim de exigir um referendo para revogar o mandato presidencial de Chavez. A notícia deu origem a violentos confrontos de rua e perante esta situação os bispos apelaram ao Governo, ao CANE, aos políticos e à população em geral, para que se interroguem relativamente a que futuro o país poderá aspirar se continuarem a contribuir para um ambiente de tensão. Os bispos pediram especialmente que a população dedique alguns momentos de oração à intenção específica da reconciliação nacional. No mês de Março, a publicação Mondo e Mission denunciou a emigração massiva crescente por parte de cidadãos judeus, que rondam os 18 mil, dos quais 80% residem na capital, Caracas. Cerca de 10% dos estabelecimentos geridos por judeus foram forçados a encerrar devido à grave crise económica e ao longo dos últimos anos as 18 sinagogas da capital e os escritórios de muitas organizações judaicas aboliram todos os sinais identificativos exteriores e actualmente recorrem à protecção de guarda-costas privados. ÁFRICA Há uma preocupação crescente relativamente à duração dos confrontos na Nigéria, onde só em 2004 foram mortas mais de 12 mil pessoas, a somar às dezenas de milhares de vítimas dos últimos anos, quer entre cristãos quer entre muçulmanos, desde que foi decretada a Lei Islâmica nos 12 Estados do norte. Como ainda demonstra o caso do Ruanda, os efeitos do fenómeno da guerra civil não acabam quando as hostilidades terminam e também acarretam consequências judiciais e civis que continuam a dividir as nações, os grupos étnicos e as comunidades religiosas. Daí que, embora se tenha chegado a um frágil acordo de paz também no Sudão, ainda há muito a fazer no que diz respeito à reconstrução do tecido social dilacerado por décadas de massacres. A situação no Uganda, um país apanhado numa espiral de violência, ainda é alarmante apesar das tentativas para estabelecer um diálogo entre os rebeldes e as tropas governamentais. É precisamente nas áreas em que a actividade pacificadora da Igreja Católica e de outras comunidades religiosas é mais preciosa, que se vê, em vez dela, uma discriminação que não dá mostras de diminuir, especialmente em países de maioria islâmica, com a proibição de erigir locais de culto e de prestar auxílio às populações com problemas. Nalguns Estados, como o Egipto e Marrocos, a perseguição também afecta cidadãos que trocam o Islamismo pelo Cristianismo. A ofensiva do fundamentalismo islâmico não poupa o Quénia, o Malawi, a África do Sul e os arquipélagos Zanzibar ou Tanzânia. África do Sul A Constituição da África do Sul reconhece a liberdade de culto e o Governo em geral respeita este direito. A legislação (Bill of Rights) proíbe toda e qualquer a discriminação com base na religião e determina o direito à prática da própria religião e de fundar uma comunidade. Também garante o direito a interpor recurso no Tribunal Constitucional em caso de discriminação com base na crença religiosa. As relações entre as várias Igrejas são boas, com frequentes encontros ecuménicos e formas de cooperação também no que diz respeito aos assuntos exteriores. A 2 de Outubro, o Padre Gerard Fitzsimons foi assassinado na sua residência, perto da igreja, na cidade de Colesberg. Há sete anos que trabalhava na África do Sul e era imensamente apreciado pelo seu empenho incansável na ajuda aos pobres e aos doentes com SIDA. Egipto No Egipto a liberdade de culto e a prática religiosa são garantidas pela Constituição, segundo a qual o Islamismo é a religião oficial do Estado e a Lei Islâmica a principal fonte da legislação. Todos os costumes que contrariem visivelmente a Lei Islâmica são proibidos, mas o Governo não considera a prática religiosa dos cristãos e judeus contrária à shari’a, mas sim comunidades como os bahai, que não são reconhecidos pelas autoridades. Parecem estar a ocorrer mudanças na área do ensino e, tal como foi divulgado por um jornal diário, Avvenire, no dia 19 de Julho o Presidente Hosni Mubarak decidiu incluir na actual legislação das escolas o ensino da cultura e religião cristãs. Durante o mês de Janeiro, o Governo criou o Conselho Nacional para os Direitos Humanos, chefiado por um cristão copta, com a missão de defender os direitos humanos no país, incluindo os direitos relativos à religião. O Governo recebeu fortes críticas durante o mês de Maio, sendo acusado de violações contínuas à liberdade de culto. Quénia A preparação de uma nova Constituição no Quénia, com o objectivo de restabelecer uma prática política adequada neste país, tornou-se a causa do conflito entre cristãos e muçulmanos. Há anos que os muçulmanos exigem que mais tribunais apliquem a lei islâmica e uma jurisdição mais abrangente que também inclua as questões comerciais. Ao longo do ano, continuou o confronto acerca da abolição da proposta de lei sobre o terrorismo, apresentada em Abril de 2003, e em relação à qual os meios islâmicos manifestaram de imediato reservas devido à sua suposta inconstitucionalidade, relacionada com a violação dos direitos das pessoas e grupos, expressando também o seu receio de que esta lei abriria caminho à aplicação opressiva contra si próprios. As polémicas aumentaram e durante o mês de Junho, o Conselho dos Imãs e Clérigos do Quénia, referindo-se à detenção de 30 muçulmanos acusados de terrorismo, acusaram o Governo de pretender aplicar esta lei antes de ser promulgada. A proposta de lei ainda não foi aprovada pelo Parlamento e o debate continua. Durante a noite de 24 para 25 de Novembro, o Padre Francis Hannon, missionário irlandês, foi assassinado no seu vicariato perto de Nairobi. Tinha 65 anos e há 10 anos que dava aulas no Quénia. No dia 4 de Janeiro de 2005, o Padre Thomas Richard Heath, dominicano americano de 85 anos, foi atacado no convento de Kisumu por criminosos armados, provavelmente durante um assalto. Morreu alguns dias depois em consequência dos ferimentos. Malawi No Malawi, a Constituição contempla a liberdade de culto. Os grupos religiosos têm de se registar mas não há relatos de que estes pedidos tenham sido recusados. Existem escolas privadas tanto cristãs como muçulmanas, e as relações entre as várias religiões são pautadas pelo diálogo e a tolerância. No mês de Maio, o católico Bingu Wa Mutharika foi eleito presidente, ao passo que o Vice-presidente, Cassim Chilumpha, é muçulmano. Ambos foram apoiados pelo antigo presidente Bakili Muluzi, um muçulmano acusado no passado por importantes líderes cristãos de pretender “islamizar” o país, como foi o caso da tentativa de retirar das escolas a disciplina de Estudos Bíblicos, substituindo-a pelos Estudos Gerais sobre os Princípios Morais e Religiosos. A tentativa fracassou graças à oposição manifestada pela maioria da população. Durante a campanha eleitoral, verificou-se alguma tensão entre cristãos e muçulmanos. Marrocos A Constituição de Marrocos abrange a liberdade de culto e o Governo geralmente respeita este direito, embora haja algumas restrições. O Islamismo é a religião de Estado, mas as comunidades não-muçulmanas podem praticar a sua fé livremente. De acordo com o Artigo 220.º do Código Penal, qualquer tentativa com o fim de evitar uma ou mais pessoas de praticar a sua fé é suprimida e pode ser punida com detenção de 3 a 6 meses. O artigo aplica as mesmas sanções aos que «tentarem e converterem um muçulmano a outra religião» e, por esta razão, as actividades de proselitismo por parte dos missionários estrangeiros são bastante limitadas, chegando a ser, muitas vezes, expulsos pelos tribunais. O Código Penal proíbe as pessoas de mudarem de religião e, até 1999, as autoridades detiveram alguns convertidos com base nos princípios da Lei islâmica. Além disso, os que se converteram ao Cristianismo não são autorizados a estudar nas escolas cristãs ou judaicas. As autoridades autorizam a circulação de Bíblias em francês, inglês e espanhol no país, mas confiscam as que são publicadas em língua árabe e não permitem a sua importação, apesar de não existir nenhuma lei que o proíba. Em 2004 houve alguns episódios envolvendo discriminação contra membros marroquinos da comunidade cristã. Por fim, no mês de Abril, o Rei Muhammad VI, a mais alta autoridade religiosa do país, anunciou o seu desejo de iniciar um plano para restabelecer o Ministério dos Assuntos Islâmicos a fim de promover o Islamismo moderado e salvaguardar as mesquitas do país de serem controladas por imãs extremistas e dos pregadores estrangeiros. Nigéria No decorrer de 2004 a situação na Nigéria foi extremamente grave. Os cristãos foram vítimas de ataques, perseguições e abusos, com confrontos e violência nos Estados do norte da Confederação. Desde 1999 que a shari’a tem sido introduzida gradualmente em 12 destes Estados. Durante os últimos anos mais de 10 mil pessoas foram mortas e centenas de milhares foram forçadas a abandonar as suas casas, na sua maioria pertencentes à religião cristã. No início de 2004, no Estado de Yobe, a polícia e o exército identificaram uma célula de extremistas islâmicos suspeitos de pertencerem à Al Qaeda, com bases organizadas em Níger e com o intuito de criar uma república islâmica. O grupo foi acusado da autoria dos ataques contra oito cidades nigerianas durante os quais foram atingidas esquadras da polícia e roubadas armas que depois foram utilizadas para atacar cristãos na região. Em Abril, ocorreram inúmeros confrontos inter-religiosos no Estado de Plateau, onde cerca de 1500 pessoas foram mortas e 173 igrejas destruídas. Aproximadamente 25 mil pessoas foram obrigadas a fugir para o Estado de Bauchi, onde 50 mil refugiados já constituíam um problema para as autoridades, devido aos escassos recursos locais. A violência afectou principalmente as cidades de Yelwa e Garkawe. Os confrontos recomeçaram no início de Maio, segundo os relatórios de Junho de Mondo e Missione. No Estado de Kaduna foram relatados vários ataques contra cristãos. Durante o mês de Agosto, o Governador do Estado de Zamfara, Alhaji Ahmed Sani, o primeiro a introduzir a shari’a no final de 1999, foi acusado de perseguição pelos líderes religiosos cristãos. O Governo local tinha reafirmado recentemente a sua intenção de demolir todas as igrejas consideradas ilegais, de encerrar todos os estabelecimentos comerciais pertencentes a cristãos durante as orações islâmicas e de tornar as leis do vestuário mais rígidas. Além disso, só os estudantes cristãos são obrigados a pagar as propinas escolares. Ruanda A liberdade de culto também está contemplada na Constituição do Ruanda, prevendo até 6 meses de prisão para quem interferir nas cerimónias religiosas ou perturbar o apostolado de um sacerdote. As cerimónias religiosas públicas são regulamentadas e as violações a esta medida são puníveis com penas até 6 meses de prisão. A Constituição de 2003 proíbe os partidos políticos de apoiarem causas relacionadas com raça, etnia, grupos, tribos, regiões, sexo, religião ou qualquer assunto que possa provocar divisão social e gerar discriminação. Uma das consequências desta norma foi o facto do Partido Democrático Islâmico (PDI) ter sido obrigado a mudar de nome, passando a designar-se Partido Democrático Ideal. Os missionários estrangeiros e as associações religiosas não-govenamentais podem trabalhar livremente mas são obrigadas a registar-se. Desde que a lei de 2001 sobre as ONG entrou em vigor, o Ministério da Justiça aprovou 111 novos grupos registados, dos quais 29 no ano passado. Contudo, os procedimentos para a obtenção de registo são considerados complicados. Por essa razão, há muitas associações religiosas que trabalham sem autorização. O Governo acusa frequentemente as organizações sociais e as Igrejas de «ideologia do genocídio», detendo dezenas de pessoas por este crime. Para entender a dimensão deste fenómeno, não podemos esquecer que dezenas de milhares de pessoas foram detidas sob esta acusação e que a memória da tragédia que ocorreu em 1994 está a ser utilizada para julgar casos actuais semelhantes. Continuam os julgamentos dos alegados autores do genocídio que em 1994 provocou a morte de cerca de 800 mil Tutsis e mais de 100 mil Hutus. Não podemos esquecer-nos de que ainda falta julgar cerca de 100 mil pessoas e de que a grande maioria se encontra na prisão. Foram tecidas fortes críticas à morosidade do Tribunal Especial das Nações Unidas, gerando custos que rondam os 177 milhões de dólares por ano. No final de 1994, apenas 81 pessoas tinham sido acusadas de genocídio e destas foram condenadas 20, das dezenas de milhares detidas há vários anos e que ainda aguardam julgamento. A fim de acelerar este processo, muitos destes casos foram ou serão transferidos para tribunais municipais ou locais. Muitas sentenças de morte ou de prisão perpétua foram proferidas durante o ano de 2004. O apuramento das responsabilidades do genocídio também envolveu líderes religiosos; dos 31 prisioneiros julgados pelo Tribunal Criminal Internacional para o Ruanda (ICTR) em 2004, três eram responsáveis religiosos: Hormisdas Nsengimana, Reitor do Cristo Rey College, Emmanuel Rukundo, capelão militar e um sacerdote católico, Athanase Seromba. O comité especial de inquérito para os massacres cometidos na província de Gikongoro, que o Governo constituiu a 20 de Janeiro, também analisou as actividades de comunidades religiosas. No final dos seus trabalhos, o comité apresentou as suas críticas relativamente a algumas Igrejas, às suas actividades, aos seus responsáveis e em particular às testemunhas de Jeová, aos Adventistas do Sétimo Dia, a várias Igrejas Pentecostais e a alguns sacerdotes católicos. Muitas confissões religiosas foram criticadas por terem permitido que os Hutus e os Tutsis se sentassem em bancos separados durante as orações, ao passo que muitas dioceses católicas foram acusadas de apenas terem sacerdotes Hutu. A própria Igreja Católica, entre outras, foi acusada de pretender proteger os seus padres envolvidos no genocídio e de não querer assumir as suas responsabilidades. Sudão Embora a Constituição garanta a liberdade de culto, durante o ano de 2004 o Governo do Sudão continuou a limitar seriamente este direito, considerando efectivamente o Islamismo como religião do Estado e também condicionando a legislação, instituições e políticas em geral do país a esta religião. Os não muçulmanos, os muçulmanos não árabes e aqueles que pertencem a tribos e seitas não filiadas no partido do Governo continuam a ser descriminados. A apostasia é considerada como crime punível com pena de morte. As comunidades religiosas e as Igrejas Cristãs têm de agir de acordo com algumas restrições, aplicando-se o mesmo aos seguidores das religiões tradicionais africanas e das comunidades não religiosas. Todas têm de se registar e de possuir um estatuto legal. A situação dos refugiados do sul do Sudão amontoados nos campos dos subúrbios de Cartum é particularmente dramática. Na sua maioria cristãos ou seguidores das religiões tradicionais, estes refugiados não têm direito à propriedade ou a construir locais de culto, nem sequer temporários. Várias vezes o Governo deu ordem para que esses locais fossem destruídos, obrigando os refugiados a praticar a sua religião em instalações provisórias. Durante 2004 as Igrejas Cristãs foram as únicas a tentar prestar auxílio e dar algum consolo em situações de extrema dificuldade, graças ao empenho de sacerdotes, monges, religiosas e leigos, que colocaram em risco a sua vida. Uganda A Constituição do Uganda reconhece a liberdade de culto e, em geral, o Governo respeita este direito, embora existam algumas restrições. As comunidades religiosas têm de se registar no Ministério do Interior, tal como todas as outras associações privadas, caso contrário sujeitam-se a multas que variam entre os 6 e os 115 dólares americanos. O não pagamento é punido com detenção, até um ano, da pessoa legalmente responsável pela comunidade. Encontra-se em fase de aprovação nova legislação para o registo de comunidades. Em 2004 foram detidas algumas pessoas por realizarem rituais proibidos. A última detenção ocorreu em Julho de 2003, quando no distrito Rukungiri a polícia deteve o representante da Igreja Pentecostal Unida, Johnson Mugisha, por ter orientado um encontro de oração à noite, infringindo uma lei implementada no mesmo distrito desde 2000. Em 2004, pela primeira vez desde o início deste longo conflito, a guerra no norte assistiu ao encetar das negociações entre o Governo e os rebeldes pertencentes ao Lord’s Resistance Army (LRA). Em Dezembro, pela primeira vez, delegações de ambas as partes encontraram-se e foram encorajados esforços de paz, por um lado pelos problemas objectivos dos rebeldes – depois do exército ter intensificado as suas actividades e obtido autorização por parte do Sudão para atacar os rebeldes também do outro lado da fronteira – e por outro lado pela mudança de atitude por parte do Governo, tendo sempre recusado qualquer possibilidade de diálogo, apelidando de traidores quem sugerisse negociações. Ambas as facções concordaram com o cessar-fogo numa zona neutra, prolongado diversas vezes pelo Presidente Yoweri Museveni até Fevereiro de 2005. A transição do cessar-fogo para um acordo de paz parece difícil, pois o exército receia que o LRA se aproveite do cessar-fogo para se reorganizar, enquanto que o próprio exército deseja continuar as recentes ofensivas que causaram muitos problemas aos rebeldes LRA, a ponto de passarem de 3000 homens para umas centenas apenas, segundo estimativas apresentadas pelo exército em 2005 mas não confirmadas por fontes independentes. Os dados oficiais disponibilizados no início de 2005 revelam a tragédia vivida por este país: 12 mil mortos em combate, num total de 100 mil vítimas, e dezenas de milhares de vítimas da desnutrição, doença e fome resultantes do conflito. Os raptos de crianças são muito frequentes: os rapazes são treinados pelos rebeldes para se tornarem soldados ou então são mortos, ao passo que as meninas são transformadas em escravas sexuais dos rebeldes. A Unicef revela nada mais nada menos que 30 mil crianças foram raptadas desde o final da década de 80, das quais 10 mil nos últimos 18 meses. Após o sequestro, as crianças são obrigadas a combater para o LRA, um exército em que três quartos dos soldados são crianças e adolescentes.