António Estanqueiro
A vida e os ensinamentos de Jesus de Nazaré são o fundamento do cristianismo. Mas Jesus ultrapassou as fronteiras da religião cristã. Influenciou a cultura ocidental, através dos séculos. E marcou a história da humanidade.
Quem foi Jesus? O que sabemos chegou até nós através dos evangelhos de Mateus, Marcos, Lucas e João, que são narrativas de história e de fé, não relatos factuais. Segundo estas narrativas, ele veio ao mundo anunciar o “Reino de Deus”, um reino de justiça, fraternidade e paz.
Muitos especialistas no estudo dos evangelhos concordam que um dos aspetos mais fascinantes da pessoa de Jesus está nos seus ensinamentos éticos. A sua proposta para a construção de relações humanas saudáveis desafia-nos a amar o próximo, mesmo os inimigos, de forma incondicional.
Esta mensagem intemporal e humanizadora serve para qualquer pessoa, crente ou não-crente. É uma fonte de sabedoria, que abre horizontes de esperança e transforma as relações interpessoais. Merece reflexão.
1. Amar o próximo
Jesus de Nazaré tratou dignamente todas as pessoas com quem conviveu, privilegiando pobres, doentes e vítimas de discriminação (por exemplo, pecadores e samaritanos). Como judeu praticante, cumpriu a Lei de Moisés, mas libertou-se do legalismo. Em palavras e gestos, colocou o ser humano acima das prescrições legais e superou a rigidez de algumas tradições judaicas. Desse modo, teve conflitos com fariseus e doutores da Lei, que o acusaram de não respeitar o judaísmo.
Um dia, um doutor da Lei, com intenção de pôr Jesus à prova, perguntou-lhe qual era o maior mandamento. Ele respondeu:
«Amarás o Senhor, teu Deus, com todo o teu coração, com toda a tua alma e com toda a tua mente. Este é o maior e o primeiro mandamento. O segundo é semelhante: Amarás o teu próximo como a ti mesmo. Nestes dois mandamentos se resumem toda a Lei e os Profetas» (Mt 22, 37-40).
Nesta resposta surpreendente, Jesus considerou semelhantes os dois mandamentos, mostrando que a relação com Deus é inseparável da relação com os outros. Ninguém pode dizer com verdade que ama a Deus, a quem não vê, se odiar o próximo, que vive ao seu lado (cf. 1Jo 4, 20).
Devemos amar o próximo como a nós mesmos. O amor equilibrado a nós mesmos é a medida para o amor ao próximo. E quem é o nosso próximo? O Mestre esclareceu, contando a parábola do bom samaritano.
«Certo homem descia de Jerusalém para Jericó e caiu nas mãos dos salteadores que, depois de o despojarem e encherem de pancadas, o abandonaram, deixando-o meio morto. Por coincidência, descia por aquele caminho um sacerdote que, ao vê-lo, passou ao largo. Do mesmo modo, também um levita passou por aquele lugar e, ao vê-lo, passou adiante.
Mas um samaritano, que ia de viagem, chegou ao pé dele e, vendo-o, encheu-se de compaixão. Aproximou-se, ligou-lhe as feridas, deitando nelas azeite e vinho, colocou-o sobre a sua própria montada, levou-o para uma estalagem e cuidou dele. No dia seguinte, tirando dois denários, deu-os ao estalajadeiro, dizendo: ‘Trata bem dele e o que gastares a mais pagar-to-ei quando voltar’» (Lc 10, 30-35).
A parábola ilustra bem a mensagem pedagógica de Jesus. Ele criticou a indiferença do sacerdote e do levita, representantes da religião judaica, enquanto enalteceu a compaixão do samaritano, membro de um grupo étnico marginalizado pelos judeus. Só o samaritano é que se aproximou (fez-se “próximo”) e procurou aliviar o sofrimento do homem ferido e abandonado.
Amar o próximo é abrir o coração e praticar as obras de misericórdia: dar de comer a quem tem fome, dar de beber a quem tem sede, cuidar dos enfermos, visitar os presos e acolher os estrangeiros (cf. Mt 25, 34-36). O amor ao próximo é um abraço a toda a humanidade, sem excluir ninguém, mas concretiza-se em pequenos gestos na relação com cada ser humano que precisa de compaixão e de solidariedade. «Bem-aventurados os misericordiosos, porque alcançarão misericórdia» (Mt 5, 7).
Exigente com os discípulos, o Mestre pediu-lhes que dessem testemunho do amor mútuo: «Amai-vos uns aos outros» (Jo 13, 34). E, quando eles revelaram ambição pelo poder, ensinou-lhes que a verdadeira grandeza de uma pessoa está na humildade de servir o próximo. O maior é o que mais serve. O poder é serviço (cf. Mt 20, 25-27).
O amor ao próximo combate a indiferença, o individualismo, a arrogância, a competição destrutiva e o apego aos bens materiais. Amando e servindo os outros, podemos dar sentido à nossa vida e construir uma sociedade mais justa.
2. Perdoar as ofensas
Profundamente humano, Jesus revelou grande preocupação com a convivência pacífica entre as pessoas. Nesse sentido, aconselhou aos seus discípulos:
«Não julgueis e não sereis julgados; não condeneis e não sereis condenados; perdoai e sereis perdoados» (Lc 6, 37).
É prudente não fazer julgamentos precipitados. O melhor será tentar colocar-se no lugar do outro e compreender as razões dos seus comportamentos. Todos os seres humanos são dignos de respeito, ainda que pratiquem ações reprováveis.
O Mestre deu o exemplo. Em vez de julgar e condenar a mulher adúltera, tratou-a com misericórdia, conforme nos relata o evangelho de São João.
Jesus sentou-se e pôs-se a ensinar. Então, os doutores da Lei e os fariseus trouxeram-lhe certa mulher apanhada em adultério, colocaram-na no meio e disseram-lhe:
«Mestre, esta mulher foi apanhada a pecar em flagrante adultério. Moisés, na Lei, mandou-nos matar à pedrada tais mulheres. E tu que dizes?»
Faziam-lhe esta pergunta para o fazerem cair numa armadilha e terem de que o acusar. Mas Jesus, inclinando-se para o chão, pôs-se a escrever com o dedo na terra. Como insistissem em interrogá-lo, ergueu-se e disse-lhes:
«Quem de vós estiver sem pecado, atire-lhe a primeira pedra!»
E, inclinando-se novamente para o chão, continuou a escrever na terra. Ao ouvirem isto, foram saindo um a um, a começar pelos mais velhos, e ficou só Jesus e a mulher que estava no meio deles. Então, Jesus ergueu-se e perguntou-lhe:
«Mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?»
Ela respondeu:
«Ninguém, Senhor.»
Disse-lhe Jesus:
«Também eu não te condeno. Vai e de agora em diante não tornes a pecar» (Jo 8, 2-11).
Nesta história, o Mestre enfrentou a intolerância dos fariseus e dos doutores da Lei, que se comportaram como juízes severos, e convidou-os a repensar a sua atitude. Ao mesmo tempo, sentiu compaixão por aquela mulher. Reprovou o seu comportamento e pediu-lhe que o corrigisse, mas não a condenou. Salvou-a da pena de morte!
Julgar e condenar são tentações permanentes. Igualmente tentador é recorrer à vingança contra quem nos ofende, sobretudo quando há ofensas graves e o agressor não se arrepende nem pede perdão.
Perante a lógica da violência inscrita na antiga lei de talião (“olho por olho, dente por dente”), Jesus propôs uma mudança libertadora. Apontou o caminho do perdão, como se pode observar no breve diálogo com o seu discípulo Pedro:
Então, Pedro aproximou-se e perguntou-lhe:
«Senhor, se o meu irmão me ofender, quantas vezes lhe deverei perdoar? Até sete vezes?»
Jesus respondeu:
«Não te digo até sete vezes, mas até setenta vezes sete» (Mt 18, 21-22).
A expressão bíblica “setenta vezes sete” é simbólica. O desafio é amar o outro e perdoar-lhe sem condições nem limites. Vezes sem conta. Sempre! Como Jesus fez, durante toda a vida.
Perdoar significa renunciar voluntariamente à vingança pessoal contra quem nos magoa. De acordo com a regra de ouro, devemos perdoar aos outros como gostaríamos de ser perdoados (cf. Mt 7, 12). O perdão faz-nos bem, na medida em que liberta o nosso coração da raiva e do ressentimento. Mas, em caso de violência, a vítima tem o direito de cortar relações com o agressor e o direito de recorrer aos tribunais para repor a justiça.
3. Amar os inimigos
O Mestre conhecia algumas tradições que mandavam amar o próximo e odiar os inimigos (cf. Mt 5, 43). Rejeitando a cultura do ódio, propôs aos seus discípulos uma revolução interior, um novo estilo de vida com valores radicalmente diferentes:
«Amai os vossos inimigos, fazei bem aos que vos odeiam, abençoai os que vos amaldiçoam, rezai pelos que vos caluniam» (Lc 6, 27-28).
Não basta amar os amigos. Amar os inimigos, tratar bem quem nos trata mal, é uma das características essenciais dos ensinamentos éticos de Jesus. O amor aos inimigos não implica gostar de quem nos odeia. Traduz-se em comportamentos de respeito, justiça e solidariedade. Responde à maldade com bondade. E é gratuito.
«Se amais os que vos amam, que agradecimento mereceis? Os pecadores também amam aqueles que os amam. Se fazeis bem aos que vos fazem bem, que agradecimento mereceis? Também os pecadores fazem o mesmo. E, se emprestais àqueles de quem esperais receber, que agradecimento mereceis? Também os pecadores emprestam aos pecadores, a fim de receberem outro tanto.
Vós, porém, amai os vossos inimigos, fazei o bem e emprestai, sem nada esperar em troca» (Lc 6, 32-36).
Tendemos a afastar-nos de quem não agradece nem retribui o bem que lhe fazemos. É natural. Mas o Mestre desafiou os seus discípulos a amar os outros, incondicionalmente, sem intenção de receber recompensas.
Amar os outros, mesmo os inimigos, é cumprir a regra de ouro. Esta regra, que está no coração das mais antigas tradições culturais e religiosas da humanidade, apresenta-se com duas formulações: uma negativa (diz o que evitar) e outra positiva (diz o que fazer). A formulação negativa vem de Confúcio (551-479 a. C.): «Não faças aos outros o que não queres que te façam a ti». Há mensagens semelhantes no budismo, no hinduísmo e no judaísmo. A formulação positiva, mais exigente, encontra-se nas palavras de Jesus, no Sermão da Montanha: «Tudo o que quereis que os outros vos façam, fazei-o também a eles» (Mt 7, 12).
O sentido profundo da regra de ouro, princípio ético universal, é tomar a iniciativa de tratar os outros como queremos ser tratados, amar como gostaríamos de ser amados e fazer o bem a quem nos faz mal. Gratuitamente.
O amor incondicional, baseado no respeito pela dignidade humana, funciona como arma poderosa. Pode conquistar a confiança dos outros, transformar inimigos em amigos, garantir um nível de excelência nas relações sociais e construir a paz.
Se todas as pessoas, a começar pelos cristãos, pusessem em prática os ensinamentos éticos de Jesus, o que aconteceria? Certamente, haveria menos injustiça, ódio, violência e guerra. O mundo ganharia uma face mais humana. A nossa vida seria menos inferno e mais céu aqui na Terra.
António Estanqueiro
Formado em Filosofia e Teologia
Autor do livro Saber Lidar com as Pessoas