Refugiados: «Portugal escolheu-me, não fui eu que o escolhi», diz jovem síria

Daniah Alkaram espera pela atribuição da nacionalidade, com receios de mudanças legislativas, para construir futuro com o seu filho, no país que os acolheu

Foto: Lara Castro/RR

Lisboa, 05 out 2025 (Ecclesia) – Daniah Alkaram, jovem síria com estatuto de refugiada em Portugal, elogia quem procura acolher de forma “humana” quem chega de outra terra, mas assume receios com mudanças legislativas no país.

“Portugal escolheu-me, não fui eu que o escolhi. Com sorte, porque nunca pensei que este país decidisse escolher esta menina, esta família”, disse a convidada da entrevista semanal ECCLESIA/Renascença, no dia em que se encerra o Jubileu dedicado aos migrantes e refugiados, no Vaticano.

A entrevistada recorda as dificuldades iniciais e destaca a importância do apoio que encontrou na Universidade Católica: “Sou muito grata, porque olharam só para a nossa alma, olharam para nós como humanos, não como pessoas de uma religião”

A jovem chegou a Portugal em 2019, através da plataforma de estudantes sírios, e trouxe consigo o filho, que hoje tem oito anos e nasceu na Turquia, uma mudança “difícil”.

“Nos primeiros 18 meses, uma organização ajudou-nos com as necessidades básicas, mas não conseguimos falar português”, explicou.

A barreira linguística foi um dos maiores desafios que Daniah Alkaram enfrentou: “Quando cheguei, não falava nenhuma outra língua, só a minha língua materna, árabe, não falava inglês, não falava português, não havia forma de comunicação com a sociedade”.

A falta de cursos de português também dificultou a sua integração.

“Estou a procurar cursos de língua portuguesa há dois anos e ainda não encontrei nada. É muito difícil”, refere.

Além da língua, os processos burocráticos lentos para obter residência e nacionalidade são outro obstáculo, gerando receios.

“Dá muito medo, porque imagino sair alguma lei nova que diz: ‘desculpa, vais voltar para o teu país novamente’. O que vai acontecer?”, questiona,

Um regresso à Síria, onde a guerra continua, está fora de questão: “Agora Portugal é o meu país. Não tenho outro país para onde voltar”.

A entrevistada também falou sobre as dificuldades que o seu filho enfrentou na escola, onde era o único aluno árabe, e lamenta que outro menino o tenha mandado “voltar para a sua terra”.

Qual é a terra do meu filho? Qual é a nossa terra? Qual é o nosso país? Onde está? Ele não sabe escrever árabe, o país dele é aqui.”

Daniah Alkaram partilhou as suas memórias da guerra na Síria e as dificuldades que permanecem.

“Ainda agora ouvi um avião a passar, muito perto, e é como um choque para mim, porque me assusta. Imagino que atire uma bomba ou que faça algo sobre a nossa cabeça””, relata.

A saída da Síria, onde as mulheres não têm direitos, passou pela Turquia, que a fez sentir como um “número”, antes de chegar a Portugal, que a acolheu como “pessoa, como humana”.

“Tenho sempre orgulho em dizer que sou portuguesa. Ainda não sou, mas digo sempre que sou portuguesa, não sou da Síria. Eu sei, ainda não falo português muito bem, mas sou de Portugal”, assume.

Ângela Roque (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

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