Refugiados em Portugal precisam de esperança

Teresa Tito Morais é o rosto mais visível do Conselho Português para os Refugiados, constituído em 20 de setembro de 1991, que acompanha quem foge de perseguições motivadas por questões raciais, religiosas, étnicas, políticas e graves violações dos Direitos Humanos

Teresa Tito Morais é o rosto mais visível do Conselho Português para os Refugiados (CPR), constituído em 20 de setembro de 1991, que acompanha quem foge e perseguições motivadas por questões raciais, religiosas, étnicas, políticas e graves violações dos Direitos Humanos. Um trabalho ainda pouco visível em Portugal, mergulhado numa crise que pode retirar esperança a quem aqui procura um novo começo.

Segundo o Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), dirigido pelo português António Guterres, havia em 31 de dezembro de 2011 mais de 26 milhões de deslocados internos em todo o mundo, enquanto o número de refugiados formalmente reconhecidos pela Convenção de Genebra de 1951 (pessoas que atravessaram fronteiras internacionais) era de 15,2 milhões.

Uma realidade que é acompanhada com particular atenção pela presidente da direção do Conselho Português para os Refugiados (CPR), uma organização que acolhe e apoia estas pessoas, para além de sensibilizar os governantes e uma opinião pública que não vive esta tragédia humana com a mesma intensidade que outras zonas do mundo.

As principais atividades do CPR dividem-se entre a sede, em Chelas (Lisboa), onde funciona o Centro de Acolhimento para Crianças Refugiadas, e o Centro de Acolhimento para Refugiados na Bobadela (Loures). Esta é uma ação que se tem consolidado, ao longo dos anos, mas que é agora ameaçada pelas sombras da crise económica e social do país.

 

Agência ECCLESIA (AE) – Como carateriza o seu trabalho com esta população, que acompanha há mais de duas décadas?

Teresa Tito Morais (TTM) – É uma opção de vida, um posicionamento perante os novos desafios que se colocam a toda a humanidade. Fui ganhando, aos poucos, um interesse particular pela problemática das migrações e, muito particularmente, pelos dramas e vivências que estas pessoas trazem dentro delas, para as quais é preciso encontrar soluções. Sempre me considerei uma cidadã do mundo e o próprio facto de ter vivido na Suíça como refugiada levou a que estivesse mais aberta a estas questões. Por isso, quando regressei a Portugal, quis ajudar a criar uma cultura do refugiado, com condições para que as pessoas que vinham em busca de proteção internacional pudessem aqui viver com segurança, com liberdade e também com oportunidades. Foi assim que se proporcionou que tivesse levado esta instituição [CPR] para a frente.

 

AE – A situação destas pessoas é bem entendida pela sociedade portuguesa?

TTM – Ainda há um caminho muito grande a fazer, porque permanece uma certa confusão entre o imigrante económico e o refugiado: de uma maneira geral, o grande público não entende toda esta diferenciação e sensibilidade. Penso, no entanto, que houve um percurso importante junto das autoridades competentes, dos parceiros, até com a ajuda dos media.

Este não é, de facto, um problema simples, porque temos na imigração pessoas com necessidades muito particulares e questões que – não estando diretamente ligadas à definição do que é um refugiado – as impedem de regressar livremente ao país de origem.

Os refugiados estão numa situação extrema, porque não foi uma decisão pensada, foram forçados a fugir do país. Essas condicionantes determinam uma situação muito traumatizante, emocionalmente, porque eles vêm com medo, com muita insegurança, e depois esse medo permanece nos primeiros tempos em que estão num país de acolhimento. São pessoas extremamente vulneráveis e precisam de uma atenção especial, não podem ser tratados como elementos estatísticos.

 

AE – Como avalia a ação da União Europeia neste campo?

TTM – A Europa é um continente que recebe menos pedidos de asilo do que outros (cerca de 400 mil no último ano) e fechou-se bastante ao acolhimento dos refugiados, por causa dos seus próprios mecanismos internos, que não favorecem uma integração plena. Refiro-me particularmente a situações que se vivem na Grécia ou na Itália, onde há pressões migratórias muito fortes.

Por outro lado, os problemas económicos e financeiros que se vivem atualmente não criam um terreno favorável a receber refugiados. Eles também não se sentem satisfeitos e eu sou testemunha de que os refugiados em Portugal não estão satisfeitos, há um descontentamento generalizado que não podemos ignorar.

 

AE – A crise económica no país pode agravar essa situação?

TTM – Pode e agrava, porque a maior felicidade para um refugiado é tornar-se independente. Ao contrário do que a opinião pública muitas vezes pode pensar, os refugiados não pretendem ser apoiados indefinidamente e viver à custa do país que lhes deu asilo. Eles pretendem é ter condições para que possam exercer as competências que trazem ou adquiriram, oportunidades válidas de trabalho, contribuindo para o desenvolvimento do país que os acolheu.

 

AE – O arrastar da indefinição do futuro dos refugiados é uma dificuldade acrescida para quem trabalha com eles em Portugal?

TTM – Sem dúvida. Nós, de facto, estamos a adaptar-nos a uma nova realidade, porque os centros devem ser transitórios, não um local onde as pessoas vivam anos e anos a fio. O Centro é uma primeira etapa, uma fase que prepara a pessoa para a sua integração na vida ativa, no mercado de trabalho, na escola, para que se torne autossuficiente. Tem de haver uma parceria muito próxima e consequente com outras entidades que estão envolvidas no processo de asilo para que esta tramitação se faça de forma harmoniosa e válida.

No final de 2011 começou a desenhar-se um grande fosso entre as estruturas que acompanhavam os refugiados, particularmente a Segurança Social e a Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, e o CPR, que se viu confrontado com as pessoas que já cá estavam há mais tempo e com novas entradas.

A partir de dezembro de 2012, começou-se a colaborar com estas instituições e a experimentar novos caminhos para a integração dos requerentes de asilo com autorização de residência provisória, que passam por uma descentralização, noutros pontos do país onde possa haver mais oportunidades de trabalho. É uma experiência, acredito que não seja má: Lisboa e seus arredores, também o Porto, estão muito saturados com uma população à procura de trabalho. Talvez esta descentralização possa ser benéfica, embora haja um trabalho a fazer junto de distritos que não conhecem nada da problemática e vão acolher os refugiados como imigrantes. Há um trabalho de formação muito estimulante para a nossa organização, que vai poder levar a outros pontos do país a nossa mensagem, o nosso conhecimento.

Eu diria, no entanto, que esta nova solução de descentralização deve ser acompanhada por uma vontade muito grande de ouvir o requerente de asilo e de respeitar as suas aspirações.

 

AE – O que seria necessário para que Portugal pudesse acolher mais refugiados, dado que o número continua a ser modesto?

TTM – Em 2012 não chegamos aos 300 refugiados e não foi preenchida a quota de reinstalação (30 pessoas), portanto continuamos ainda a ser um país com poucos refugiados. Isso não tem a ver só com infraestruturas: nós temos um problema grave de sustentabilidade da Segurança Social e temos também outros atores que estão diretamente relacionados com os Centros de Emprego e de formação que não funcionam da melhor maneira. Depois, a nível da saúde há refugiados com necessidades médicas especiais e as taxas moderadores continuam a ser muito elevadas.

Numa perspetiva interministerial, há questões que têm de ser melhor conduzidas de maneira a proporcionar maior envolvimento das estruturas administrativas numa primeira fase, eu diria no primeiro ano, em que estas pessoas chegam e se querem integrar no nosso país.

Os portugueses, por outro lado, são extremamente generosos, têm um coração aberto. Embora tenha começado a entrevista por dizer que me considero uma cidadã do mundo, tenho um grande orgulho em ser portuguesa.

OC

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