Refugiados: Contar histórias de «verdadeiros heróis» para que o mundo não esqueça como se vive nos campos – Dulce Machado

Professora do primeiro ciclo e autora do livro infantil «O Pai que dá estrelas ao filho» tem uma vida dedicada aos outros e ao voluntariado e acredita, como Malala Yousafzai , que uma caneta pode mudar o mundo 

Foto: Agência ECCLESIA/LS

Lisboa, 25 set 2024 (Ecclesia) – Dulce Machado, professora do primeiro ciclo do ensino básico, quer recordar todas as histórias que conheceu nos campos de refugiados, em Skaramaga, Elefsina e Moria, na Grécia, “verdadeiros heróis”, que vivem num espaço supostamente de “trânsito”.

A docente recorda uma mãe que conheceu em Elefsina, “que um dia estava muito triste” e quando questionada do motivo disse que, naquela data, fazia um ano que o seu bebé tinha sido bombardeado “à sua frente na Síria”.

“Eu sou muito emotiva, mas durante o dia dizia para mim que tinha de controlar as minhas emoções porque aquelas pessoas não precisam do meu choro mas da minha força, do meu abraço, das minhas palavras. Mas, naquele momento, não consegui controlar e sentia as minhas lágrimas a escorrerem-me. E essa mãe, que me tinha acabado de dizer uma coisa terrível, começou-me a limpar as minhas lágrimas e a confortar-me”, recorda à Agência ECCLESIA.

Dulce Machado afirma o respeito que sentia pelo senhor idoso que a cada dia, à mesma hora, se sentava a olhar o horizonte a lembrar o que tinha perdido, a casa e a esposa; ou a senhora idosa que ao final da tarde se abeirava porque queria “ouvir histórias de pessoas” ou o pai que a cada noite saia da tenda para mostrar ao filho Léon as estrelas que dizia serem dele.

Durante dois anos da sua vida a docente do primeiro ciclo viveu para os refugiados, procurando estar presente os campos ou através da associação Entremundos, tendo conseguido trazer uma família para Portugal onde, atualmente, está integrada.

Costumo dizer que eu sou feita de outras histórias. Eu sou a mulher que esteve com milhares de crianças e de mulheres e de homens que não tinham nada, que perderam tudo. Antes de ir para campos de refugiados, fiz voluntariado com crianças em bairros sociais, quando saía da escola dava aulas de alfabetização a adultos, trabalhei com pessoas em situação de sem-abrigo, com mulheres que sofriam de maus-tratos e de violência. Fui voluntária em 2017, quando foi o grande incêndio em Pedrogão Grande, quando começou a guerra na Ucrânia, estive na fronteira com a Polónia para ajudar. Portanto, sempre procurei fazer várias coisas”.

Nos campos de refugiados, Dulce deu aulas de inglês, de artes, acompanhava mulheres em higiene íntima, brincava com as crianças: “Um dia disse às crianças que o trabalho desse dia seria desenhar sonhos; e uma criança veio ter comigo a perguntar o que eram sonhos”.

A docente fala de instalações que servem não de local de trânsito, como inicialmente tinham sido pensados os campos de refugiados, mas que habitação permanente de várias gerações que ali vivem, em locais “onde antes havia uma antiga fábrica de porcos, que estava desativada e transformaram num campo para as pessoas”, no caso de Elefsina, ou de Moria, um campo sobrelotado onde Dulce sentiu um “murro no estômago” a primeira vez que ali chegou.

“Os campos acolhem as pessoas e todos os conflitos que elas trazem dos seus países de origem, sejam políticos ou religiosos. À noite, as mulheres, em Moria, usam fralda para não se deslocarem às cinco casas de banho disponíveis com risco de serem violadas”, recorda.

Dulce Machado diz que as pessoas que conheceu nos campos de refugiados ensinam a “humildade” e a “empatia”, valores fundamentais para a sociedade e que procura desenvolver com os seus alunos do primeiro ciclo a quem leciona.

“A Malala Yousafzai diz que uma caneta pode transformar o mundo. Eu concordo. A transformação do mundo começa por uma caneta, começa com um sorriso, começa com alguém que nos pergunta se está tudo bem, se precisamos de alguma coisa. Começa, às vezes, por coisas tão simples, com um ‘estou aqui, acredito em ti e tu és capaz, não há impossíveis’. O futuro pertence às crianças e que eles podem fazer muito pelo mundo onde vivem”, acredita.

A Igreja católica assinala no dia 29 de setembro o 110.º Dia Mundial do Migrante e do Refugiado e o Papa Francisco convidou, na mensagem escrita para a ocasião,  as comunidades católicas ao acolhimento.

A conversa com a docente Dulce Machado, autora do livro infantil «O Pai que dá estrelas ao filho», pode ser acompanhada esta noite no programa ECCLESIA, emitido pouco depois da meia-noite na Antena 1, disponibilizado no podcast «Alarga a tua tenda».

LS

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