Reflexão de Bento XVI na abertura da II Assembleia Especial para a África do Sínodo dos Bispos

Queridos irmãos e irmãs,

Demos início agora ao nosso encontro sinodal, invocando o Espírito Santo e bem sabendo que neste momento não podemos realizar tudo aquilo que temos a fazer pela Igreja e pelo mundo: só na força do Espírito Santo podemos encontrar o que é recto e depois actuá-lo. E todos os dias começaremos o nosso trabalho invocando o Espírito Santo com a oração da Hora Terceira «Nunc sancte nobis Spiritus». Portanto, neste momento, juntamente convosco, gostaria de meditar um pouco sobre este hino, que abre o trabalho a cada dia, agora no Sínodo, mas também depois na nossa vida quotidiana.

«Nunc sancte nobis Spiritus». Peçamos para que o Pentecostes não seja só um acontecimento do passado, o primeiro início da Igreja, mas seja hoje, aliás agora: «nunc sancte nobis Spiritus». Peçamos que o Senhor realize agora a efusão do seu Espírito e crie novamente a sua Igreja e o mundo. Recordemos que os apóstolos depois da Ascensão não iniciaram – como talvez teria sido normal – a organizar, a criar a Igreja futura. Esperaram a acção de Deus, esperaram o Espírito Santo. Compreenderam que a Igreja não pode ser feita, que não é o produto da nossa organização: a Igreja deve nascer do Espírito Santo. Como o próprio Senhor foi concebido e nasceu do Espírito Santo, assim também a Igreja deve ser sempre concebida e nascer do Espírito Santo. Só com este acto criativo de Deus nós podemos entrar na actividade de Deus, na acção divina e colaborar com Ele. Neste sentido, também todo o nosso trabalho no Sínodo é colaborar com o Espírito Santo, com a força de Deus que nos antecede. E devemos sempre implorar de novo para que se cumpra esta iniciativa divina, na qual nós podemos depois ser colaboradores de Deus e contribuir para que de novo a sua Igreja nasça e cresça.

A segunda estrofe deste hino – «Os, lingua, mens, sensus, vigor, / Confessionem personent: / Flammescat igne caritas, / accendat ardor proximos» – é o coração desta oração. Imploremos a Deus três dons, os dons essenciais do Pentecostes, do Espírito Santo: confessio, caritas, proximos. Confessio: há a língua de fogo que é «racional», doa a palavra justa e faz pensar à superação da Babilónia na festa do Pentecostes. A confusão nascida do egoísmo e da soberba do homem, cujo efeito é não mais poder compreender-se, é superada pela força do Espírito, que une sem uniformizar, que dá unidade na pluralidade: cada um pode entender o outro, inclusive nas diversidades das línguas. Confessio: a palavra, a língua de fogo que o Senhor nos dá, a palavra comum na qual estamos todos unidos, a cidade de Deus, a santa Igreja, na qual toda a riqueza das diversas culturas está presente. Flammescat igne caritas. Esta confissão não é uma teoria mas é vida, é amor. O coração da santa Igreja é o amor, Deus é amor e comunica-se comunicando-nos o amor. E enfim, o próximo. A Igreja nunca é um grupo fechado em si, que vive por si como um dos muitos grupos que existem no mundo, mas se distingue pela universalidade da caridade, da responsabilidade pelo próximo.

Consideremos um por um estes três dons. Confessio: na linguagem da Bíblia e da Igreja antiga esta palavra há dois significados essenciais, que parecem opostos mas que com efeito constituem uma única realidade. Confessio, antes de tudo, é a confissão dos pecados: reconhecer a nossa culpa e conhecer que diante de Deus somos insuficientes, somos culpados, não estamos na recta relação com Ele. Este é o primeiro ponto: conhecer-se a si mesmo na luz de Deus. Só nesta luz podemos conhecer-nos a nós mesmos, podemos entender inclusive quanto mal existe em nós e assim ver quanto deve ser renovado, transformado. Só na luz de Deus conhecemo-nos uns aos outros e vemos realmente toda a realidade.

Parece-me que devemos considerar tudo isto nas nossas análises sobre a reconciliação, a justiça e a paz. São importantes as análises empíricas, é importante que se conheça exactamente a realidade deste mundo. Contudo, estas análises horizontais, feitas com tanta exactidão e competência, são insuficientes. Não indicam os verdadeiros problemas porque não os colocam à luz de Deus. Se não virmos que na raiz está o Mistério de Deus, as coisas do mundo irão mal porque a relação com Deus não é ordenada. E se a primeira relação, aquela de base, não for correcta, todas as outras relações, por mais que possa haver de bem, fundamentalmente não funcionam. Por isso, todas as nossas análises do mundo são insuficientes se não formos até a este ponto, se não considerarmos o mundo na luz de Deus, se não descobrirmos que na raiz das injustiças, da corrupção, está um coração não recto, um fechamento para com Deus e, portanto, uma falsificação da relação essencial que é o fundamento de todas as outras.

Confessio: compreender na luz de Deus as realidades do mundo, a primazia de Deus e, enfim, todo o ser humano e as realidades humanas, que tendem à nossa relação com Deus. E se ela não for correcta, não alcança o ponto desejado por Deus, não entra na sua verdade, também todo o resto não é corrigível porque nascem de novo com todos os vícios que destroem a rede social, a paz no mundo.

Confessio: ver a realidade na luz de Deus, entender que no fundo as nossas realidades dependem da nossa relação com o nosso Criador e Redentor, e assim ir à verdade, à verdade que salva. Santo Agostinho, ao referir-se ao 3º capítulo do Evangelho de São João, definiu o acto da confissão cristã como «realizar a verdade, ir à luz». Só vendo na luz de Deus as nossas culpas, a insuficiência da nossa relação com Ele, caminhamos à luz da verdade. E só a verdade salva. Finalmente, actuamos na verdade: confessar realmente nesta profundidade da luz de Deus é realizar a verdade.

Este é o primeiro significado da palavra confessio, confissão dos pecados, reconhecimento da culpabilidade que resulta da nossa falida relação com Deus. Entretanto um segundo significado de confissão é dar graças a Deus, glorificar Deus, testemunhar Deus. Podemos reconhecer a verdade do nosso ser porque tem a resposta divina. Deus não nos deixou sós com os nossos pecados; até quando a nossa relação com a sua majestade está impedida, Ele não se retira mas vem e pega-nos pela mão. Por conseguinte, confessio é testemunho da bondade de Deus, é evangelização. Poderíamos dizer que a segunda dimensão da palavra confessio é idêntica à evangelização. Vemos isto no dia de Pentecostes, quando São Pedro, no seu discurso, por um lado acusa a culpa das pessoas – matastes o santo e o justo – mas ao mesmo tempo, diz: este Santo ressuscitou e ama-vos, abraça-vos, chama-vos para ser seus no arrependimento e no baptismo, e também na comunhão do seu Corpo. Na luz de Deus, confessar torna-se necessariamente anunciar Deus, evangelizar e desse modo renovar o mundo.

A palavra confessio, contudo, recorda-nos ainda outro elemento. No capítulo 10 da Carta aos Romanos São Paulo interpreta a confissão do capítulo 30 do Deuteronómio. Neste último texto parece que os judeus, entrando na forma definitiva da aliança, na Terra Santa, tenham medo e não possam realmente responder a Deus como deveriam. O Senhor diz-lhes: não tenhais medo, Deus não está longe. Para alcançar Deus não é necessário atravessar um oceano desconhecido, não são necessárias viagens espaciais no céu, coisas complicadas ou impossíveis. Deus não está distante, não está do outro lado do oceano, nesses espaços imensos do universo. Deus está próximo. Está no teu coração e nos teus lábios, com a palavra da Torah, que entra no teu coração e se anuncia nos teus lábios. Deus está em ti e contigo, está próximo.

Na sua interpretação, São Paulo substitui a palavra Torah pela expressão confissão e fé. Diz: realmente Deus está próximo, não são necessárias expedições complicadas para chegar a Ele, nem aventuras espirituais ou materiais. Deus está próximo com a fé, está no teu coração, e com a confissão está nos teus lábios. Está em ti e contigo. Realmente Jesus Cristo com a sua presença dá-nos a palavra da vida. Assim entra, na fé, no nosso coração. Habita no nosso coração e na confissão levamos a realidade do Senhor ao mundo, a este nosso mundo. Este elemento parece-me muito importante: o Deus próximo. As coisas da ciência, da técnica incluem grandes investimentos: as aventuras espirituais e materiais são custosas e difíceis. Mas Deus doa-se gratuitamente. As maiores coisas desta vida – Deus, amor, verdade – são gratuitas. Deus doa-se no nosso coração. Diria que deveríamos com frequência meditar esta gratuidade de Deus: não há necessidade de grandes dons materiais ou intelectuais para estar próximo de Deus. Deus doa-se gratuitamente no seu amor, está em mim no coração e nos lábios. Esta é a coragem, a alegria da nossa vida. Também é a coragem presente neste Sínodo, porque Deus não está distante: está connosco com a palavra da fé. Penso que também esta dualidade é importante: a palavra no coração e nos lábios. Esta profundidade da fé pessoal, que realmente me liga intimamente com Deus, em seguida deve ser confessada: fé e confissão, interioridade na comunhão com Deus e testemunho da fé que se exprime nos meus lábios e se torna tão sensível e presente no mundo. São dois aspectos importantes que estão sempre juntos.

Depois o hino sobre o qual estamos falando indica também os lugares nos quais se encontra a confissão: «os, lingua mens, sensus vigor». Todas as nossas capacidades de pensar, falar, sentir, agir, devem ressoar – o latim usa o verbo «personare» – a palavra de Deus. O nosso ser, em todas as suas dimensões, deveria estar repleto desta palavra, que se torna assim realmente sensível no mundo, que, através da nossa existência, ressoa no mundo: a palavra do Espírito Santo.

E depois, brevemente, outros dois dons. A caridade: é importante que o cristianismo não seja uma soma de ideias, uma filosofia, uma teologia, mas um modo de viver, o cristianismo é caridade, é amor. Só assim tornamo-nos cristãos: se a fé se transformar em caridade, se é caridade. Podemos dizer que também logos e caritas caminham juntos. O nosso Deus é, por um lado, logos – razão eterna. Mas esta razão é também amor, não é fria matemática que constrói o universo, não é um demiurgo: esta razão eterna é fogo, é caridade. Em nós mesmos deveria realizar-se esta unidade de razão e caridade, de fé e caridade. E assim transformados na caridade tornar, como dizem os Padres gregos, divinizados. Diria que no desenvolvimento do mundo este percurso é visto como uma subida, desde as primeiras realidades criadas até à criatura homem Mas esta escada ainda não terminou. O homem deveria ser divinizado e assim realizar-se. A unidade da criatura e do Criador: é este o verdadeiro desenvolvimento, alcançar a graça de Deus nesta abertura. A nossa essência é transformada na caridade. Se falamos deste desenvolvimento, pensamos sempre também nesta última meta, onde Deus quer chegar connosco.

Enfim, o próximo. A caridade não é algo individual, mas universal e concreto. Hoje na Missa proclamámos a página evangélica do bom samaritano, na qual vemos a dúpla realidade da caridade cristã, que é universal e concreta. Este samaritano encontra um judeu que está além dos confins da sua tribo e da sua religião. Mas a caridade é universal e por isso este estrangeiro em todos os sentidos é para ele o próximo. A universalidade abre os limites que fecham o mundo e criam as diversidades e os conflitos. Ao mesmo tempo, o facto de que se deve fazer algo pela universidade não é filosofia mas acção concreta.

Devemos tender para esta unificação de universalidade e solidez, devemos abrir realmente estes confins entre tribos, etnias, religiões à universalidade do amor de Deus. E isto não só na teoria mas nos lugares de vida, com toda a solidez necessária. Rezemos ao Senhor para que nos doe tudo isto, na força do Espírito Santo. No final o hino é glorificação do Deus Trino e Uno e oração de conhecer e crer. Assim o fim regressa ao início. Rezemos a fim de que possamos conhecer, conhecer se torne crer e crer se torne amar, acção. Peçamos ao Senhor a fim de que o Espírito Santo suscite um novo Pentecostes, nos ajude a ser os seus servidores neste momento do mundo.

Ámen.

Vaticano, 5 de Outubro de 2009

© Copyright 2009 – Libreria Editrice Vaticana

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