Reconciliados e ministros da reconciliação

Homilia do Bispo de Santarém na Missa Crismal 1.O desafio da comunhão. A concelebração da Missa Crismal pelo bispo rodeado dos seus padres diocesanos manifesta a unidade do presbitério e convida-nos a aprofundar a comunhão que deve marcar o exercício do nosso ministério. Como Bispo e presbíteros de uma diocese, formamos um corpo, uma fraternidade sacramental que deve exprimir-se não só na acção pastoral comum, orientada pelos mesmos critérios, mas igualmente na dimensão espiritual e humana, na fé e na caridade, no diálogo e na partilha, na amizade e no apoio mútuos. A comunhão, como lembrava o saudoso Papa João Paulo II, é o grande desafio que nos espera no novo milénio, se quisermos ser fiéis ao desígnio de Deus e às expectativas mais profundas do mundo (Cf NMI 43). Se a comunhão é um desafio para toda a Igreja, devemos senti-lo especialmente dirigido a nós, a quem compete, como membros do presbitério, ser sinal e fermento de comunhão na Igreja e no mundo. Crescer na comunhão é um apelo forte da celebração da Missa Crismal. Perpetuamos o mesmo sacerdócio de Cristo, recebemos a mesma Unção do Espírito Santo, desempenhamos a mesma missão apostólica. A comunhão exige uma caminhada espiritual com o “olhar do coração voltado para o mistério da Trindade”, como recomenda João Paulo II no referido documento. A comunhão é, portanto, um itinerário laborioso que nos leva a sair de nós mesmos e a centrar a nossa atenção e o nosso coração em Deus e no outro, visto à luz de Deus como próximo e irmão a quem devemos amar e como dom que devemos apreciar. A comunhão é um ideal que jamais atingiremos na perfeição mas que devemos perseguir com perseverança. Neste contexto, desejo saudar cordialmente todos os irmãos presbíteros, colaboradores e amigos e declarar a grande alegria pela vossa presença. Saúdo também os diáconos permanentes e suas esposas, bem como os diáconos que estão a caminho do sacerdócio. Igualmente os religiosos, os seminaristas, os possíveis candidatos ao seminário, os acólitos, os leitores, os cantores e todos os fiéis leigos. Como membros do povo santo de Deus, todos participamos da consagração do Senhor Jesus: “Ele revestiu do sacerdócio real todo o Seu povo santo”, como proclama o prefácio da Missa Crismal. Nesta celebração todos vivemos a vocação comum à santidade que tem raiz nos sacramentos que nascem da entrega de Jesus, o Ungido do Senhor. 2. Portadores do óleo da alegria e da consolação. A Missa Crismal recebe este nome da consagração do óleo do Crisma que nesta celebração ocupa um lugar de relevo. O Santo Crisma servirá para fortalecer com o dom da graça divina os recém-baptizados, marcar com o selo do Espírito Santo os confirmandos e para ungir os presbíteros bem como as Igrejas e os altares na sua dedicação. Nesta Missa são igualmente benzidos os óleos dos enfermos e dos catecúmenos O óleo é símbolo do dom da graça com que somos santificados nos sacramentos da Iniciação Cristã e da Ordem. Para nós sacerdotes, representa igualmente a nossa missão sacerdotal de tornar Deus presente nos momentos solenes e nas situações difíceis e dolorosas da vida humana, de consagrar ao serviço de Deus pessoas e templos, de fortalecer os que irão ser baptizados, de levar o óleo da alegria e da consolação aos que sofrem no corpo ou na alma. Nesta celebração somos convidados a reanimar o dom que recebemos pela unção sacerdotal na ordenação e a fortalecer a nossa disponibilidade e fidelidade ao serviço do evangelho. Uma missão de grande beleza e pertinência pois dá resposta a problemas profundos e sempre actuais da humanidade: que mais necessitam os pobres e infelizes senão de uma boa nova? Que mais anseiam os cegos do que a vista? Que mais procuram os cativos do que a liberdade? Não terão os feridos como principal preocupação a sua cura? Ora nós, ungidos e fortalecidos com a presença do Espírito Santo no sacramento da Ordem, chamados por isso, “Sacerdotes do Senhor e “Ministros do nosso Deus”, recebemos essa sublime missão: Anunciar a boa nova aos infelizes, curar os corações atribulados, proclamar a redenção aos cativos, consolar os aflitos, “levar o óleo da alegria e cânticos de louvor” a todos os que estão abatidos, como ouvimos proclamar na primeira leitura e no evangelho. Este ano pastoral em que nos debruçamos mais atentamente sobre as feridas da humanidade e procuramos aprofundar a actualidade dos sacramentos da cura e a dimensão curativa da fé, consideremos mais atentamente o exercício do nosso ministério de portadores da reconciliação, do perdão e da paz. Somos “curadores feridos”, na conhecida expressão de Henri Nouwen, mas com um remédio transcendente para comunicar. Levamos um precioso tesouro em vasos de barro (2 Cor 4,7). Continuamos, na verdade, com a força do Espírito Santo a obra de salvação e de cura do Senhor Jesus Cristo, médico das nossas almas e dos nossos corpos. Mas, diferentemente Dele, o Ungido por excelência, nós precisamos também de pedir perdão e de curar as nossas feridas. Diante do ideal sacerdotal e da comunhão que deve marcar o nosso presbitério, descobrimos claramente as nossas falhas e impedimentos, como as desconfianças e invejas, as incompreensões e julgamentos fáceis, numa palavra, tomamos consciência da nossa fragilidade e das nossas feridas. Por isso, pedimos perdão a Deus e uns aos outros. Assim como Deus nos perdoa e confia em nós, somos chamados também a perdoar e a confiar uns nos outros. Acolher e conceder o perdão é o bálsamo que cura as feridas e nos faz progredir na comunhão. Reconciliados com Deus, connosco e com os outros, podemos mais eficazmente viver a comunhão e exercer o ministério da reconciliação. 3. Prestar atenção e acolher os feridos. Como sinais e continuadores do Senhor Jesus que acolhia os pecadores e se aproximava com ternura dos doentes para os curar, aprendamos a cultivar as mesmas atitudes de acolhimento, de aproximação e de dedicação aos que sofrem no corpo ou na alma. Como o Bom Samaritano saibamos aproximar-nos dos caminhos das pessoas, mesmo quando resvalam para as bermas da estrada. Debrucemo-nos sobre os feridos da vida, prestemos-lhes atenção. O primeiro desafio e primeiro gesto de amor pelo qual se inicia a cura, é prestar atenção aos que sofrem, frequentemente esquecidos numa cultura que vive do espectáculo. “ Os infelizes deste mundo não precisam de outra coisa senão de homens que lhes prestem atenção”, escreveu Simone Weil. Demos-lhes, depois, a mão para os levantar do chão onde estão prostrados e, como o Bom Pastor, transportemo-los às costas para os integrar no calor da fraternidade cristã. Na escola da Mãe de Misericórdia, representada com um vasto manto onde se acolhem todos os que procuram protecção, saibamos também acolher com um espírito aberto e um coração grande todos os que procuram auxílio e orientemos as nossas comunidades para que sejam lugares fraternos e acolhedores onde os aflitos encontrem consolação e os pecadores o perdão e a paz. Ámen. Manuel Pelino Domingues, Bispo de Santarém

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Agência ECCLESIA

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