A teoria da evolução das espécies, enquanto teoria científica, é hoje dada como suficientemente fundamentada, e isso foi claramente reconhecido não só por cientistas e teólogos em geral, como também pelos Papas João Paulo II e Bento XVI, em particular. No entanto, no que se refere às implicações religiosas da teoria a controvérsia tem dividido os estudiosos em três grupos. O primeiro grupo afirma que o evolu-cionismo constitui a explicação necessária e suficiente da vida, excluindo a hipótese de um Deus criador, uma vez que todo o processo evo-lutivo começou e continuou até hoje por simples acaso. Richard Dawkins é o membro mais conhecido deste grupo. O segundo grupo inclui os que consideram que o evolucionismo não é nem condição necessária nem suficiente para a explicação da vida; situa-se aqui o criacionismo, embora esta corrente inclua diversas modalidades, umas mais radicais que outras. Os cria-cionistas cometem o erro fundamental de interpretarem literalmente os três primeiros capítulos do Livro do Génesis, ignorando todo progresso que desde o século XIX tem sido feito no campo da hermenêutica bíblica. Pretendendo defender o cristianismo estão a contribuir para o seu descrédito porque o apresentam em conflito com a ciência. Finalmente, o grupo intermédio é o dos que afirmam que o evolucionismo constitui uma condição necessária mas não suficiente para a compreensão da origem da vida. Neste grupo intermédio, a posição que actualmente gera mais controvérsia é a do ‘desígnio inteligente’. Os seus defensores sustentam que há no universo em geral, e em certas estruturas biológicas em particular, alguma complexidade que só é explicável pela existência de um ser criador. O ‘desígnio inteligente’ é apresentado como tendo carácter científico, e os seus defensores exigem, por conseguinte, que ela seja ensinada nas escolas em simultâneo com a teoria da evolução, o que tem sido recusado em particular nos Estados Unidos. Em 2005, o Cardeal Christoph Schönborn publicou no New York Times um texto intitulado “Finding design in nature” que acendeu uma viva discussão. Fiorenzo Facchinni, padre católico com formação em biologia, publicou no L’Osservatore Romano, entre 2006 e 2008, diversos artigos sobre o evolucionismo e de crítica ao ‘desígnio inteligente’. O Cardeal Schönborn parece não apenas defender o ‘desígnio inteligente’, como também interpretar a posição de Bento XVI nesta mesma linha (cf. Chance or Purpose? Creation, Evolution and a Rational Faith, 2007). Ora, o actual Papa utiliza o termo ‘desígnio’ referindo-se ao projecto de Deus sobre o universo e a vida no seu conjunto e numa perspectiva de fé, enquanto objectos de meditação e de louvor. O ‘desígnio inteligente’, pelo contrário, coloca-se numa perspectiva científica para inferir erradamente a existência de um ser inteligente e criador a partir da observação empírica de fenómenos particulares. A teologia cristã, sobretudo a partir de Teilhard de Chardin, tem produzido obras sobre a teologia da natureza e da criação, procurando elaborar um discurso sobre Deus no interior de um paradigma evolutivo. Comum a estes autores é a afirmação de que a evolução é o método pelo qual Deus criou o universo e a vida e, por conseguinte, a criação é vista não como uma acção instantânea de Deus, mas como um processo que continua. Neste sentido, nem o universo nem a vida são puro fruto do acaso, mas esta perspectiva é religiosa e não científica. Por conseguinte, é possível aceitar a teoria da evolução e, simultaneamente, a existência de um Deus criador, tese defendida por autores como Michael Ruse, um agnóstico (cf. Can a Darwinian be a Christian?, 2001). A teoria da evolução levanta ao cristianismo alguns desafios. Ao pôr em causa a interpretação literal do Livro do Génesis, conduz a uma nova compreensão do significado da descendência de toda a humanidade a partir de Adão e Eva, do paraíso terrestre, da criação dos primeiros seres humanos em estado de graça e de imortalidade, do pecado original, da causa do sofrimento e da morte, da aparição dos primeiros seres humanos no processo evolutivo, etc. Contudo, o evolucionismo, como qualquer outra teoria científica, não constitui uma ameaça para as crenças religiosas devidamente fundamentadas, antes pelo contrário. Ao questionar fundadamente aspectos tradicionais das religiões, tanto a ciência em geral, como o evolucionismo em particular, contribuem para o esclarecimento do que é fundamental nelas e do que nelas é acessório ou errado. Alfredo Dinis,sj Director da Faculdade de Filosofia da UCP