Quem não tem vergonha…

Luís da Silva Pereira, Arquidiocese de Braga

As sucessivas demissões de ministros, secretários de estado, autarcas e outros funcionários do Estado, a um ritmo nunca visto nos anos que levamos de democracia, bem como as sucessivas investigações do Ministério Público a Câmaras Municipais, não podem deixar de provocar espanto e interrogações de toda a natureza. Instalou-se a ideia generalizada de que as estruturas governativas foram tomadas de assalto por pessoas sem escrúpulos e, não fora a meritória, embora um tanto tardia, denúncia de alguns meios de comunicação social, estaríamos impunemente a ser por elas governados.

O Estado parece ter-se tornado propriedade de um partido que atua sem preocupar-se com situações de ilegalidade, deixando a impressão de que o Estado é o próprio partido no poder a quem tudo é permitido, sendo ele que determina o que está bem e o que está mal.

O povo costuma dizer que quem não tem vergonha todo o mundo é seu. Aqui a falta de vergonha equivale a dizer falta de valores fundamentais no desempenho da ação política. Aliás, vozes autorizadas e livres, mesmo na área partidária próxima da governação, vêm dizendo que se torna absolutamente necessário rever esta situação e exigir rigor na escolha dos governantes. De facto, ficamos com a sensação de que nunca se viu tanta falta de transparência e de verdade, tanto tráfico de influências, tanto nepotismo e corrupção. Os políticos parecem agir com um sentimento de impunidade, como se as leis que regem os outros cidadãos a eles se não aplicassem.

A vida política tem de voltar a reger-se por valores éticos ou não conseguirá aparecer aos olhos dos cidadãos como uma das mais dignas atividades do ser humano. Creio que foi Sá Carneiro quem disse que a política sem ética é uma vergonha. Para a moralização da atividade política não basta, porém, uma ética chamada republicana, que não se sabe muito bem o que é. Tem de haver, da parte de quem se dedica ao serviço do bem comum, uma consciência bem formada e uma vontade forte de por ela se orientar. Como se tem visto, quando a atuação dos governantes pretende regular-se estritamente pelo que está disposto na lei, rapidamente se passa de uma ética republicana para ética nenhuma. Até porque, para além do mais, há leis que são manifestamente injustas ou de tal maneira elaboradas que permitem adaptar-se às conveniências pessoais ou de grupos de influência.

Sempre entendemos que os responsáveis políticos deviam ser modelos de comportamento para todos os cidadãos. Na vida política, o exemplo tem de vir de cima. Quando não vem, a conduta dos cidadãos, mais cedo ou mais tarde, acaba por ressentir-se, transformando a vida social numa espécie de salve-se quem puder. Não estranhemos, depois, a suspeição generalizada que vai caindo sobre os políticos, o crescente desinteresse pela coisa pública, a abstenção nas urnas, a dificuldade de encontrar pessoas experientes, idóneas e competentes para a assunção de cargos de superior responsabilidade.

Também não nos queixemos depois que os extremos do espetro político vão crescendo eleitoralmente, ante a surpresa geral, sem que, aparentemente, os outros partidos consigam identificar as causas desse crescimento. Em nosso entender, a principal causa está precisamente no descrédito da atuação dos políticos, com escândalos atrás de escândalos a causarem indignação geral e a criarem uma ambiente de suspeita generalizada, de dissolução ética e social, de fim de regime.

É necessário, pois, acabar com este sentimento de impunidade que parece ter-se apoderado de muitos agentes da vida pública, bem como essa incapacidade de assumir a responsabilidade pelos seus atos, atirando sempre para cima dos outros responsabilidades que são suas.

 

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Agência ECCLESIA

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