Jorge Teixeira da Cunha, Diocese do Porto
Alguns cristãos ficam perplexos com o que se passa com a teologia moral de hoje. O que vou dizer vem na sequência de um esclarecimento do Dicastério para a Doutrina da Fé, num texto de resposta a D. José Negri, bispo de Santo Amaro, no Brasil, de 3 de Novembro passado. Aí se afirma, entre outras coisas, que os pastores podem, depois de ponderar as circunstâncias, batizar uma pessoa transexual ou admiti-la para a função de padrinho ou madrinha de batismo. É bom ler o texto, pois apresenta boas razões para proferir este juízo. A muitas pessoas, este pronunciamento parece pôr em causa a doutrina moral da Igreja ou até pronunciamentos anteriores sobre esta matéria. Porém, pensando melhor, o pensamento exposto no texto e sancionado pelo Papa Francisco parece fazer sentido. Por diversas razões.
A primeira delas é o peso dos factos. Com uma frequência crescente, quem está na vida pastoral é abordado por pessoas que viveram situações destas. Quando nos aparecem de frente, normalmente não estão numa posição triunfalista. Confidenciam-nos a sua vida, quase sempre com um grande pudor. O que pode fazer um pastor que não seja ouvir com respeito infinito o que nos acabam de dizer? Qualquer forma que não entre neste respeito pelo sofrimento alheio não é digna de servidores de Jesus. Essas pessoas já trazem a sua nova identidade resolvida pelas instâncias civis. Que podemos fazer que não seja reconhecê-las e respeitá-las nos passos que deram, quantas vezes no meio de perplexidades, sofrimentos e provações? São cristãos ou querem ser cristãos que merecem um tratamento humano como todos os outros seres humanos.
A segunda é uma observação sobre teologia moral. A reflexão sobre as exigências éticas da fé é feita de vários momentos. Há um primeiro momento, que é bastante descurado pela tradição, que consiste em expor a proposta “sublimidade da vocação cristã”, ou seja, na descrição do que é bondade, ou a felicidade, ou a personalidade moral estruturada e realizada. A teologia moral tradicional deixava este ponto quase sempre fora de consideração, pois ele é trabalhoso e aparece a muitos como desnecessário. Mas este ponto é decisivo para o nosso assunto. O desenvolvimento de uma atitude moral que sustente os comportamentos é o caminho da liberdade e da dignidade dos fiéis em Cristo. Ora as pessoas com problemas de identidade sexual necessitam muito deste encaminhamento para poderem crescer em qualidade de vida pessoal e na graça divina. Claro que há outro momento na teologia moral: é a justificação da norma moral. Este momento é muito importante, pois há modos de vida que simplesmente não são admissíveis como “vocação em Cristo”. Esta justificação do limite negativo da moralidade é decisiva a muito outros níveis, como seja, a identificação do mal absoluto e o dever de o evitar de todos os modos. E aqui podemos perguntar: a possibilidade de uma pessoa ser ajudada a instalar-se na sua masculinidade ou feminilidade pode ser sempre classificada como um mal? Não parece que este juízo possa ou deva ser feito. O intrinsecamente mau existe, mas não é fácil de o identificar com precisão.
Por estas e outras razões, a resposta que foi dada pelo dicastério romano não nos parece fora de propósito. Se é certo que as reivindicações de género ou certas formas de orgulho na promoção da homossexualidade são irritantes, quando consideradas abstratamente, as pessoas que nos aparecem diante, de boa fé, à procura da consolação religiosa e da celebração dos sacramentos nunca podem ser vistas como irritantes ou malévolas. São cristãos ou futuros cristãos que merecem o acolhimento e a orientação como como todos os outros cristãos.