A cultura pode constituir-se, estrategicamente, como um factor essencial de desenvolvimento
Não são de hoje algumas dúvidas, no que aos bens culturais da Igreja diz respeito. Que prioridade lhes atribuir em contexto eclesial? Estarão as instituições da Igreja preparadas para usar o seu património em benefício de uma pastoral alargada? Que entendimento têm dos seus bens culturais? Que função pastoral exercem hoje? De que modo são partilhados com a sociedade em geral?
Área sujeita a interpretações voláteis, é com espanto que constato um frequente entendimento dos bens culturais da Igreja como matéria de luxo, área dispendiosa, insuficientemente explorada em contexto pastoral. Não se afigura uniforme o entendimento do seu papel entre as instituições eclesiais, o reconhecimento indubitável da sua missão. Aqui se trava uma batalha actual, esmiuçando e defendendo a sua indispensabilidade, como área estruturante, mas, mais do que isso, actuante. Efectivamente, actuante.
Mesmo escamoteando o essencial – a sua importância pastoral, a sua singularidade cultural, a sua preponderância patrimonial, a sua relação umbilical com a História, com o país, com a tradição ocidental, enfim, a sua excepcionalidade nos mais diversos domínios – ainda assim, bastaria reduzir os bens culturais da Igreja à sua estrita materialidade, para, em si mesmos, lhes encontrarmos motivações bastantes para um desempenho prioritário, para uma actuação urgente.
Falamos de um património concreto, matéria que sobrevive, vivendo em risco neste conceito equívoco de missão incompreendida, carente de uma actuação concertada, demasiadas vezes legada ao abandono e à incúria. Falamos, não apenas da óbvia necessidade de preservar uma herança única, mas também do imperativo de a devolver às comunidades, bem entendido, em situação de ser apreciada, estimada, compreendida e fruída. É urgente recolocar os bens culturais ao serviço da Igreja. É essencial a consciencialização de que devem cumprir a sua missão. É fundamental que a Igreja reaprenda a utilizar este seu património em benefício próprio. Desde logo, permitindo-lhe o cumprimento da sua tarefa pastoral, mas também numa vertente cultural e, num horizonte de sustentabilidade, até mesmo turística.
Não valorizar o património, não dar prioridade às suas necessidades, não aplicar nos procedimentos quotidianos um mínimo de práticas preventivas, em suma, silenciar os bens culturais da Igreja é retirar-lhes a hipótese de concretizarem qualquer dos seus possíveis desígnios. O cuidado que reclamam, já o disse noutro local, pretende, prioritariamente, devolver-lhes o sentido.
O tempo é de crise, não de luxos, com efeito. Mas é também por isso mesmo um momento único, certeiro e oportuno, de passar à prática acções concretas e sistematizadas. A cultura pode constituir-se, estrategicamente, como um factor essencial de desenvolvimento. É fundamental ultrapassar esta aparente inoperacionalidade. Mesmo em tempo de crise, com inteligência e perseverança muito se pode fazer. Há que potenciar recursos, reconhecer limites, delegar competências e assumir parcerias, sem constrangimentos, nem preconceitos.
Sandra Costa Saldanha