Quaresma – tempo de transformação social

Acácio Catarino lembra que a identidade própria desta quadra é o aprofundamento da conversão permanente Com razão, a quadra da Quaresma foi sempre considerada um grande retiro de ascese cristã e de revisão de vida. Mas ocorre perguntar: não será também um tempo inspirador de transformação social? A resposta é claramente afirmativa, e não constitui novidade hoje em dia. Com efeito, a identidade própria desta quadra é o aprofundamento da nossa conversão permanente; e esta inclui a vertente social, como elemento inalienável. Vários são os momentos que, desde o início da Quaresma até à Páscoa, nos convidam à mudança social. Todos os dias, particularmente os domingos, contêm mensagens fortes neste sentido. Relevo aqui, tão só, a Quarta-Feira de Cinzas e a Sexta-Feira Santa. A cerimónia das Cinzas contém, além do mais, três apelos de forte conteúdo social: o da igualdade, o da relatividade e o da alteração de procedimentos e estruturas sociais. A mensagem da igualdade é inerente ao facto de as Cinzas se destinarem a todos os cristãos, sem discriminações, tornando insensatas quaisquer pretensões de superioridade. A mensagem da relatividade, ou da nossa não divindade, torna-se patente na recordação de que somos “pó”; até se pode acrescentar que, só por nós próprios, nem “pó” seríamos. Em conformidade com tudo isto, a vivência das Cinzas incita-nos à transformação de nossos procedimento e das estruturas sociais, de modo que seja sempre respeitada a igual dignidade de todas as pessoas; particularmente, evitando o apego excessivo aos bens terrenos e a concentração abusiva dos mesmos. A Sexta-Feira Santa convida-nos à solidariedade com todas as pessoas e povos que sofrem a “paixão e a morte” resultantes de carências, exclusões, injustiças e violências que proliferam em todo o mundo. Interpela-nos, mais precisamente, a que não separemos a “paixão e morte de Cristo” da “paixão e morte” permanente verificada em todo o género humano, nem vice-versa. Em termos operacionais, o que é que podemos visar com a nossa conversão quaresmal? – Naturalmente, isso varia bastante de pessoa para pessoa, família, paróquia, instituição, movimento, etc. No entanto, parece altamente recomendável a interiorização e actualização do modelo das primeiras comunidades cristãs. Parece também recomendável a renovação e aprofundamento dos nossos compromissos sociais e, eventualmente, a escolha de outros. Bom seria, enfim, que todos nos comprometêssemos a participar no “grande movimento empenhado na defesa da pessoa humana”. Este convite vem-nos de João Paulo ||, na encíclica “Centesimus Annus”, nº 3, e pode representar uma viragem decisiva na intervenção social dos cristãos. Acácio F. Catarino

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