Quaresma: «Temos de assumir essa fé que habita a dúvida» – padre Adelino Ascenso (c/ vídeo)

Percurso inspirado na «Mística do Arado» aborda questões levantadas pelo sofrimento e pela busca de sentidos

 

 

Lisboa, 24 fev 2024 (Ecclesia) – O padre Adelino Ascenso, superior geral dos Missionários da Boa Nova, afirma que a fé é um “mistério” que exige, do crente, a capacidade de integrar a “dúvida” no seu percurso de vida.

“Não existe fé sem dúvida. Uma fé sem ser amassada na própria dúvida não existe, não é fé, acaba por ser crendice. Temos de assumir essa fé que habita a dúvida”, refere o sacerdote, no segundo encontro do percurso quaresmal, inspirado pela sua obra ‘A Mística do Arado’.

As conversas são apresentadas online, nos canais da Agência ECCLESIA, e no programa da Igreja Católica na Antena 1 da rádio pública, a cada domingo de Quaresma, pelas 06h00.

Para o superior geral dos Missionários da Boa Nova, a dúvida evita “dois excessos, o do “fundamentalismo” e o da “relatividade total”.

“A dúvida ajuda-nos a aprofundar a própria fé”, acrescenta, falando também de uma “ponte de diálogo com os não-crentes.

Eu continuo a acreditar que qualquer ser humano tem no seu interior a centelha divina. E por isso tem sede do divino. Tem sede do transcendente”.

Numa conversa intitulada “habitar a dúvida no caminho para um Deus possível”, o padre Adelino Ascenso sublinha a necessidade de “ser peregrino”.

“Esse Deus que nos atrai, que nos leva, que nos impulsiona, que nos dá vigor, é um Deus possível que nós vamos procurando. Não é aquela imagem de um Deus estereotipado, porque nós não podemos definir Deus. Se definíssemos Deus, colocá-lo íamos numa moldura. Ele ultrapassa sempre as nossas possibilidades”, precisa.

O sacerdote recorda experiências do seu tempo como missionário no Japão, em que fez uma “caminho” com quem o questionava sobre a religião ou o sentido da vida, evitando “respostas feitas”.

“Devemos mostrar solidariedade na dúvida, porque nós temos a dúvida também”, insiste.

O ‘A Mística do Arado’ apresenta uma reflexão sobre o sofrimento, que o autor considera “um dos mistérios mais insondáveis”, particularmente diante da dor dos “inocentes”.

“Nós sentimos muitas vezes essa ausência, esse silêncio de Deus. Encaramo-lo, precisamente, devido à conceção tradicional com a qual fomos sendo alimentados de um Deus que está aí para resolver os nossos problemas”, observa.

O padre Adelino Ascenso realça a importância da “não-fala” para a espiritualidade, admitindo que o sofrimento leva “muita gente a afastar-se” da sua vida de fé.

O sacerdote rejeita a imagem de um Deus “carrasco”, que promove o sofrimento, falando num Deus que caminha com a humanidade, na sua “fragilidade”.

“É o Deus ferido que cai connosco e nos ajuda a levantar, quando estamos mergulhados na lama”, indica.

A conversa conclui-se com a recomendação de “valorizar” a dúvida, para “purificar a própria fé”.

“Principalmente em situações de grande sofrimento, a dúvida ajuda sempre. É como um farol ou uma lanterna pelas escuridões da nossa vida”, refere o entrevistado.

OC

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