Organismo laical da Igreja Católica em Portugal alerta para «crise de valores» na sociedade
Lisboa, 09 mar 2017 (Ecclesia) – A Comissão Nacional Justiça e Paz (CNJP) alertou para uma “cultura de violência” que se reflete nos relacionamentos domésticos ou na falta de ajuda aos refugiados e marginalizados.
“Vivemos num tempo mergulhado numa crise que não se esgota nos fatores económicos e sociais em que muitas vezes nos focamos, mas se caracteriza por uma crescente ausência de valores morais e civilizacionais, dados por adquiridos nas últimas décadas”, assinala a reflexão para a Quaresma de 2017 do organismo laical da Igreja Católica, enviada hoje à Agência ECCLESIA.
65,3 milhões de deslocados em todo o mundo, 21,3 milhões de refugiados, são dados estatísticos evocados pela reflexão quaresmal.
“Até que ponto seremos nós, enquanto cristãos, sinais coerentes e corações abertos que resistam aos discursos xenófobos que grassam por quase toda a Europa?”, questiona a CNPJ.
A nota observa que a violência doméstica não se extinguiu com uma geração de homens e mulheres educados “numa nova sociedade”, como se pensava há uns anos.
A “prevalência da violência no namoro”, entre os mais jovens, a crescente violência doméstica em “todos os extratos sociais” e o bullying nas escolas e nas relações sociais fazem “soar os sinais de alarme”.
Para a CNJP, que tem a finalidade promover e defender a Justiça e a Paz, a crise de valores “é bem patente”, também, na proliferação de uma cultura de violência que em Portugal encontram “num crescendo sistemático e preocupante”.
No documento ‘O «outro» é um dom a que nos devemos dar’, a comissão recorda que o Papa Francisco pede uma aproximação à festa da Páscoa com “alegria autêntica” de uma vida “mais coerente em que o “moralismo” dê lugar ao testemunho”.
Neste contexto, o organismo laical da Conferência Episcopal Portuguesa destaca que dados da autoridade tributária, de outubro de 2016, mostram que, em média, o rendimento dos que se situam no escalão mais alto do IRS era 142 vezes superior ao do escalão mais baixo.
Com este alerta, pretende-se que os católicos se pensem em que medida replicam nas suas relações “o universo mundano e desigual” de uma sociedade “distinguida e etiquetada” entre pobres e ricos, bem e malsucedidos, poderosos e sem influência, sábios e ignorantes.
A Comissão Nacional Justiça e Paz, no contexto do debate pela legalização da eutanásia, incentiva também a que os cristãos sejam “os primeiros” a bater-se pelo “reforço do serviço nacional de saúde” para todos, a fim de que “os cuidados paliativos não sejam privilégio”.
A defesa pelo apoio às famílias com “mais dificuldades em acompanhar os seus”, pelos “apoios à vida com deficiência” e a luta por “leis laborais mais compatíveis com a conciliação trabalho e família”, são assuntos identificados, entres outros, e precisam de uma voz ativa.
Durante o atual tempo litúrgico de preparação para a Páscoa é pedido também que se elimine “a cumplicidade do coração com a corrupção” que “defrauda os mais pobres e frágeis dos seus direitos”.
“Não deixemos que nos convençam facilmente que o salário mínimo não pode subir, a menos que façamos parte dos muitos que heroicamente conseguem alimentar uma família com o seu parco valor”, pede a o organismo católico na defesa dos “dois milhões de portugueses vivem abaixo da linha da pobreza”.
Segundo a Comissão Nacional Justiça e Paz a reflexão para a Quaresma é um contributo para “ajudar” no exame individual e coletivo que se “impõe à Igreja portuguesa”.
CB/OC