Quaresma com jovens a vencer faraós

D. Antonino Dias, Diocese de Portalegre-Castelo Branco

Fotos: Agência ECCLESIA

A sedução da mentira é uma velha estrada, diz-nos Francisco na sua Mensagem para esta Quaresma, da qual respigo algumas ideias. Ele já havia dito que o mundanismo espiritual se esconde, muitas vezes, por detrás de aparências de religiosidade, de aparências de Deus, de aparências de amor à Igreja, de vestes espirituais luzidias, do fazer ressaltar os erros alheios, do querer meramente aparentar para ficar bem na fotografia. No fundo no fundo, mais se busca a glória humana, a glória uns dos outros, o prestígio e o bem-estar pessoal do que a glória do Senhor. Esta descarta-se, não interessa muito, não move os corações e as vontades, não gera ardor evangélico, não serve os interesses e o egoísmo pessoal. Esta “tremenda corrupção com aparências de bem … este mundanismo asfixiante cura-se saboreando o ar puro do Espírito Santo, que nos liberta de estarmos centrados em nós mesmos, escondidos numa aparência religiosa vazia de Deus” (cf. EG95-97).

Um novo momento de graça está-nos a bater à porta, é a Quaresma. Ela lembra-nos que somos pó, que ao pó voltaremos, que o Reino de Deus está próximo, que é preciso que nos arrependamos e acreditemos no Evangelho, que é bom cada um encontrar no deserto quaresmal do seu interior a verdade de si próprio e de Deus, o Deus Misericórdia.

Antes de mais, e com toda a esperança, convido e desafio os jovens da nossa Diocese, os jovens de boa vontade, a viverem e a dinamizarem a vivência da Quaresma nas suas comunidades cristãs. A sua presença e criatividade muito poderão ajudar a envolver o maior número de pessoas neste tempo favorável em direção à Páscoa. Este seu envolvimento a envolver as comunidades em iniciativas concretas fará com que as paróquias em geral, cada pessoa e cada família em particular se integrem neste dinamismo saudável, decidindo quais as iniciativas concretas a propor e como as dinamizar! E ninguém como os jovens é capaz disso. O Secretariado Diocesano da Catequese lançou uma proposta para a vivência da Quaresma 2024, outras podem surgir. Mas não me fico por aí neste convite e desafio. Este ano, convido também os jovens, do Ensino Secundário e Superior, os jovens disponíveis e de boa vontade, a vivermos juntos, de 28 a 30 de março, em Castelo Branco, o Tríduo Pascal, uma Páscoa Jovem e Missionária. Vamos a isso, jovens? O Secretariado Diocesano da Juventude, a cidade de Castelo Branco e muitas famílias já estão a congregar sinergias para que isso lá possa e deva acontecer. Vai ser bom, contamos convosco.

A Quaresma é um tempo de graça para todos, um tempo que nos ajuda a avaliar a realidade que somos, a situação moral e espiritual em que vivemos, o nosso amor e fidelidade ao Senhor. É uma espécie de deserto, ‘o lugar do primeiro amor’, o lugar onde “Deus educa o seu povo, para que saia das escravidões e experimente a passagem da morte à vida”. É um caminho concreto que nos leva a fazer “pequenas e grandes opções contracorrente, capazes de modificar a vida quotidiana das pessoas e a vida de toda uma coletividade: os hábitos nas compras, o cuidado com a criação, a inclusão de quem não é visto ou é desprezado”. É um tempo de conversão, de liberdade, de alegria, de coerência e luta, sabendo que Deus nos vê, nos conhece, nos escuta, vem ao nosso encontro e nos estende a mão para nos ajudar a libertar de nós mesmos.

Francisco, na sua Mensagem, traz à liça o Faraó. De facto, quando falamos em faraós, se nos vem à ideia uma das mais importantes civilizações, logo nos saltita no pensamento o perfil desses reis do Egito, o seu poder absoluto, a sua forma de o exercer, a sua ideologia triunfalista, o seu regime de cariz servil, explorando, escravizando, submetendo, extinguido sonhos e espezinhando a dignidade de tantos. “Ao contrário do Faraó, Deus não quer súbditos, quer filhos”, diz o Papa. No entanto, há outros faraós bem mais temíveis a escravizar a malta. São os ídolos! Eles tornam “mudos, cegos, surdos, imóveis aqueles que os servem”, lembra-nos Francisco. São a voz do inimigo dentro de nós que nos deixa exaustos e insensíveis, nos divide e rouba o futuro, nos leva a lutar por “poder tudo, ser louvado por todos, levar a melhor sobre todos: todo o ser humano sente dentro de si a sedução desta mentira. É uma velha estrada. Assim podemos apegar-nos ao dinheiro, a certos projetos, ideias, objetivos, à nossa posição, a uma tradição, até mesmo a algumas pessoas”.

O Papa volta a fazer as perguntas de todos os tempos a cada um: “Onde é que tu estás?” (cf. Gn 3,9), “Onde está o teu irmão?” (Gn 4,9). Será que também nos escondemos com vergonha e medo de Deus, será que o grito de tantos irmãos que continua a clamar aos céus não mexe connosco, não nos aproxima deles? No Egito, o Senhor viu e ouviu o clamor do seu povo oprimido, conheceu os seus sofrimentos, veio ao seu encontro para o libertar, chamou-o da escravidão à liberdade (cf. Ex 3,7-8). Hoje, porém, continua a chamar cada um de nós para a liberdade, uma liberdade que se cultiva, aperfeiçoa-a e amadurece ao longo da vida, percorrendo os caminhos que a Palavra de Deus nos aponta, animados pela graça. Pode acontecer que nem sempre estes caminhos sejam bem entendidos como entendidos não o foram pelo povo de Israel. Lamentaram-se, murmuraram contra quem os libertou, tiveram saudades das panelas, dos pepinos e das cebolas do Egito. Hoje acontece o mesmo. Apesar da nossa libertação ter começado no Batismo, ‘há uma inexplicável nostalgia da escravatura’, sobretudo “quando nos falta a esperança e vagueamos na vida como em terra desolada”, diz-nos o Papa.

A Quaresma é “tempo de agir e, na Quaresma, agir é também parar: parar em oração, para acolher a Palavra de Deus, e parar como o Samaritano em presença do irmão ferido. O amor de Deus e o do próximo formam um único amor. Não ter outros deuses é parar na presença de Deus, junto da carne do próximo. Por isso, oração, esmola e jejum não são três exercícios independentes, mas um único movimento de abertura, de esvaziamento: lancemos fora os ídolos que nos tornam pesados, os apegos que nos aprisionam. Então o coração atrofiado e isolado despertará. Para isso há́ que diminuir a velocidade e parar. Assim a dimensão contemplativa da vida, que a Quaresma nos fará reencontrar, mobilizará novas energias”.

A usura e a avareza são uma doença do coração, um terrível faraó a escravizar quem se coloca a jeito. A cura mexe com os bolsos, com a carteira. Implica a coragem de renunciar ao supérfluo e até ao que se gostaria de usufruir. Implica a conversão à partilha com os mais necessitados, nuns casos por dever de justiça, por dever de solidariedade noutros casos. A esmola dada em verdadeiro espírito de caridade é um banco cuja traça não corrói, rende cem por cento neste mundo e abre portas na glória eterna. No ano passado, a nossa Renúncia Quaresmal reverteu para o Fundo Social Diocesano, gerido pela Cáritas Diocesana, num total de 15 508,78 euros. Este ano, reverterá, metade para o mesmo Fundo Social Diocesano e outra metade para um Centro Social que acolhe órfãos e crianças desfavorecidas na cidade de Moçâmedes, Angola, Diocese de um sacerdote que presentemente trabalha nesta nossa Diocese.

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Agência ECCLESIA

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