Publicações: Padre Luís Martins Ferreira recorda «trabalho muito duro» da condição de operário, em novo livro (c/vídeo)

Obra «O Torno e o Altar – Memórias de um padre-operário» apresenta testemunho do sacerdote, que aprendeu a rezar no meio do ruído

Lisboa, 06 nov 2024 (Ecclesia) – O padre Luís Martins Ferreira recordou, no programa Ecclesia, as memórias da condição de operário, uma vocação a que se dedicou e que partilha em livro.

“[O padre-operário] é um padre que opta pela condição operária. No meu caso, optei pela condição operária na área da metalurgia”, explica o sacerdote, que assumiu as funções de torneiro e fresador mecânico.

“O Torno e o Altar – Memórias de um padre-operário” é o título da obra, que apresenta o testemunho do padre Luís Martins Ferreira, que se dividiu entre a Igreja e o trabalho em fábricas.

Em entrevista ao programa Ecclesia, o padre Luís Martins Ferreira explica que quando estava para sair do Seminário em 1967, decidiu que queria fazer “um estágio não ligado propriamente à pastoral”.

“Queria fazer um estágio no meio das pessoas, conviver com as pessoas, integrar-me numa realidade social concreta. Não pensava sequer em ser padre operário, nem isso passava pela cabeça”, confessou.

O sacerdote conta que foi convidado “a ir para a França, numa experiência de colegas do seminário, que foram fazer um ano de trabalho, mas o entrevistado acabou por não aceitar “por uma razão simples”: “O meu pai tinha uma fábrica de serração e eu, nas férias, trabalhava nessa fábrica”.

A dado momento, o superior-geral dos Filhos da Caridade passa pelo Seminário, falando sobretudo da vida comunitária, a vida em equipa.

“Estava em Coimbra. E eu devo-lhes dizer uma coisa, eu naquela noite não dormi. Percebi que era aquilo que eu queria viver. Eu queria viver em conjunto, em equipa. Ter um projeto comunitário”, dá conta.

Em 1967, o padre Luís Martins Ferreira explica que foi para França com um amigo, numa altura em que saíram um milhão e meio de portugueses do país, muitas vezes de forma clandestina, em emigração a salto.

“E eu fiz essa emigração e, de repente, chego a Paris e começo a trabalhar com um trabalho muito duro. Levantava às cinco da manhã, fazia duas horas de metro, trabalhava oito horas num ambiente muito ruidoso. Senti na carne o que era o trabalho operário”, descreve.

O sacerdote revela que aprendeu a rezar no trabalho, no meio do barulho, e decidiu que a sua vocação era ser padre operário, tendo feito tudo para seguir esse caminho.

“Fui ordenado sacerdote em 1968, estive em Coimbra um ano”, diz o sacerdote, que depois voltou para França, em 1969, e fez formação profissional na área da fresagem mecânica.

O padre Luís Martins Ferreira começou a trabalhar numa empresa em Cascais, que na altura tinha 3.300 trabalhadores e na maioria mulheres.

“Estive lá e, portanto, vivi o 25 de Abril, a trabalhar na fábrica”, testemunha.

O sacerdote foi depois para o Barreiro trabalhar numa fábrica, na EQUIMETAL, onde a dada altura foi eleito delegado sindical e empenhou-se com os “camaradas na reivindicação de uma coisa que é básica”, a retribuição do trabalho.

“Havia pessoas da fábrica que passavam fome, porque havia lá casais. E quando terminou o processo, a empresa já nos tinha retido mais de sete meses de salário. É considerável. Houve colegas que se suicidaram, houve um que morreu de ataque cardíaco. Era uma situação extremamente dramática”, destaca.

O sacerdote conta no livro um momento que o marcou para o resto da vida, relacionado com produção a de bombas.

“Eu ficava sempre muito maldisposto. Muito maldisposto. Ninguém podia chegar ao pé de mim. Eu tinha a sensação de que aquilo que eu estava a ter nas mãos naquela altura ia pagar para matar”, referiu, admitindo que tinha “problemas de consciência”.

“Essas bombas eram depois de cheias de explosivos, terminadas, eram embarcadas em Setúbal, o barco da frente ia para o Irão, o detrás ia para o Iraque”, indica.

Além da condição de operário, o padre Luís Martins Ferreira foi formador no Centro de Formação Profissional de Setúbal, nas áreas de fresagem e torneamento, de 1990 a 2008, passando pelas suas mãos centenas de formados.

A obra «O Torno e o Altar – Memórias de um padre-operário» foi apresentada por José Pacheco Pereira, no dia 29 de outubro, pelas 17h00, no Espaço Refinaria, Barreiro (Diocese de Setúbal), com a chancela das «Paulinas Editora» e, no dia 02 de novembro, pelas 16h00, no salão nobre da Câmara Municipal de Setúbal, por Albérico Afonso.

PR/LJ/OC

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