Normas da Santa Sé limitaram divulgação da Mensagem de Fátima, a partir do Carmelo

Lisboa, 09 ago 2025 (Ecclesia) – A irmã Ângela Coelho, coautora do livro ‘Viver na Luz de Deus: Itinerário espiritual de Lúcia de Jesus’, refere que a obra mostra o “sofrimento” que a religiosa sentiu com restrições impostas à sua missão
“Em 1955 começaram a chegar à vida da Lúcia umas normas dadas pela Santa Sé que limitavam, numa primeira fase, as visitas que ela poderia ter, e numa segunda fase, já mais em 1958, a indicação de que não poderia escrever ou falar nada sem autorização da Santa Sé”, refere à Agência ECCLESIA a vice-postuladora da causa de canonização da Irmã Lúcia.
Para a entrevistada, isto “marcou, de uma forma muito clara, o início de um grande período de sofrimento para a Irmã Lúcia”.
A provincial da Aliança de Santa Maria, congregação inspirada na espiritualidade do Imaculado Coração de Maria e na Mensagem de Fátima realça que estas normas vão continuar ao longo do tempo, sendo explicadas com a intenção de “proteção e defesa referentes a pessoas desconhecidas e indiscretas”.
“Há algumas restrições, porque ela estava a ser constantemente visitada por pessoas que lhe queriam fazer perguntas e o Carmelo, que tinha até ali uma vida própria, com regras específicas, via estas regras completamente serem quebradas”, observa.
Lúcia debate-se toda a sua vida em tentar provar que está a falar a verdade. Que falou a verdade. Que nunca buscou interesses pessoais em todo este acontecimento, nem interesses económicos, porque poderia ter tido muito mais dinheiro e terrenos,mas foi sempre abdicando deles, isto na sua infância e juventude. Nunca houve benefícios pessoais, porque ela vai escolher uma vida escondida”.
A irmã Ângela Coelho desta o impacto de uma conversa com o padre Augustín Fuentes, primeiro postulador da causa de canonização dos pastorinhos, em dezembro de 1957.
Em 1958, o sacerdote profere uma conferência no México, alegando que a religioso lhe teria falado de “certas coisas, sobretudo com carácter apocalítico e de luta entre o bem e o mal”.
“Um carácter muito sensacionalista e uma interpretação muito apocalítica da Mensagem de Fátima, que não corresponde à verdade”, adverte.
Segundo a coautora da obra, esta intervenção viria a “provocar um grande desconforto e chegar à Santa Sé”.
“Foi este ‘caso Fuentes’ que depois dá origem às normas que impedem ou que limitam não apenas as visitas, mas que vão proibir Lúcia de falar de Fátima. Isto vai-se agravar, até 1968, e o que é curioso é que nunca mais estas normas foram levantadas”, recorda.
A reação da religiosa a estas situações pode ser lida no diário, intitulado ‘O Meu Caminho’, escrito por ordem episcopal, na década de 40 do século XX, tendo entradas até 2004, um ano antes da morte da religiosa no Carmelo Santa Teresa, Coimbra.
Para a vice-postuladora da causa de canonização, Lúcia vive uma “noite escura muito grande”.
“Ela sente que as suas palavras são instrumentalizadas, e esta é uma questão, é uma nuvem que a vai acompanhar a vida toda, que sempre a acompanhou desde criança, quando ela responde aos interrogatórios, quando a procuram, ela sente que é instrumentalizada”, acrescenta.
O diário da Irmã Lúcia regista uma posterior visita do padre Fuentes, que vai ao Carmelo de Coimbra para lhe pedir “perdão”.
Ao longo do tempo, a religiosa percebe que “a Igreja foi mãe e também se sente muito agradecida” pela possibilidade de ter vivido a sua vocação de carmelita com normalidade.
A vidente encontraria na escrita a forma de divulgar a Mensagem de Fátima, obedecendo às normas que lhe foram impostas, ao longo de décadas,
“Não pode haver um caminho de santidade, digamos assim, em oposição à Igreja, em contradição com a Igreja. Lúcia reconhece que nem tudo é perfeito na Igreja, mas o que ela faz é dentro da Igreja e em comunhão com a Igreja”, afirma a coautora.
O livro ‘Viver na Luz de Deus’, escrito com o carmelita francês François-Marie Léthel, especialista na teologia da santidade, e lançado pelas Edições Carmelo, está no centro de um ciclo de conversas com a irmã Ângela Coelho, ao longo dos cinco domingos de agosto, no Programa ECCLESIA na Antena 1 da rádio pública (06h00).
OC