Em pleno século XVIII, Matosinhos viu nascer uma “figura paradigmática de uma época de renovação de mentalidade, à qual adere com o seu espírito de pendor enciclopédico, caráter de atento observador e estilo mordaz”. Trata-se de D. João de São José Queirós (1711-1764) que foi bispo do Pará (Brasil).
Este beneditino que viveu na época do Marquês de Pombal é o centro da investigação feita pelo bispo português D. Carlos Azevedo, delegado do Conselho Pontifício da Cultura, e a cujo trabalho deu o título «João de S. José Queirós (1711-1764) – Vida e tribulações do erudito bispo do Pará, na época pombalina». Com edição da ANCIMA (Associação para a animação da Cidade de Matosinhos), esta obra, recheada de notas de rodapé e com muitas horas de pesquisa no Arquivo Secreto Vaticano, é um excelente instrumento para perceber a sociedade e as vivências do século XVIII.
Dividida em sete capítulos e com um excelente apêndice documental, a obra dá ênfase especial ao serviço pastoral deste bispo na diocese de Belém do Pará (1760-1763) e os relatos das viagens pelo sertão da Amazónia. No entanto, segue a clássica ordem cronológica: desde o ambiente de nascimento e formação, passando à colocação em Lisboa onde se “insere na estação de erudição eclesiástica de grande relevância, tecendo uma significativa rede de amizades, até à nomeação episcopal, em pleno vulcão que rodeou a expulsão dos jesuítas”.
O prelado beneditino que foi substituir Miguel de Bulhões (foi transferido para a diocese de Leiria) na diocese brasileira mantinha contactos epistolares frequentes com Fr. Manuel do Cenáculo (1724-1814), um franciscano próximo do Marquês de Pombal e homem essencial na reforma da Universidade de Coimbra. Para além do saber teológico, João Queirós tinha interesse especial pelas ciências naturais (relatos saborosos das viagens em solo brasileiro) e conhecia várias línguas.
Se tinha conhecimentos em vários domínios do saber, o bispo português do século XVIII também possuía uma língua afiada. “Será vítima desta irresistível característica para a liberdade crítica e muitas vezes para o sarcasmo mordaz”. Como diz D. Carlos Azevedo na obra sobre o prelado beneditino: “A veia irónica do seu discurso e a propensão para castigar as situações pelo humor são notas que fazem rir os amigos, mas desgostam os atingidos”.
Em terras brasileiras vê-se envolvido em intrigas políticas, incluindo processo na inquisição, factos e alegadas acusações que conduziram ao seu regresso a Portugal e ao rápido fim no mosteiro de Arnóia, em agosto de 1764.