A Serra da Arrábida sempre foi uma musa inspiradora para os homens das letras. Naquele miradouro virado para o azul atlântico e da pena dos escritores brotaram nascentes pintadas com letras cromadas e apelativas. Em boa hora, o Centro de Estudos Bocageanos resolveu lançar a obra «A Serra da Arrábida na Poesia Portuguesa».
Como refere o prefácio, doze anos após a primeira publicação da obra, os organizadores resolveram empreender uma segunda edição, revista e aumentada, e agora inserida na colecção «Clássicos de Setúbal». Da autoria de António Mateus Vilhena e Daniel Pires, este excelente livro reúne composições poéticas de escritores que colocaram a Serra da Arrábida nos anais das letras.
A segunda edição desta colectânea acrescenta à primeira textos de vinte e seis poetas. De entre eles sobressai Camões, o expoente máximo da literatura portuguesa que, numa das mais depuradas éclogas, não esqueceu a «Serra Mãe», a forma como Sebastião da Gama a baptizou. Igualmente a contemplaram nos seus poemas figuras como Francisco Joaquim Bingre, Maria Gabriela Llansol e José de Matos Rocha.
Uma faceta enriquecedora desta obra com mais de quatrocentas páginas é a presença de textos inéditos de vários autores, entre os quais Inácio Monteiro, Manuel Maria Portela, Augusto Casimiro e Sebastião da Gama. O volume apresenta um escopo temporal lato. Com efeito, parafraseando Napoleão, extasiado com a beleza das Pirâmides do Egipto, «vários séculos nos contemplam», ao folheá-lo: o primeiro poema foi composto em meados do século XVI, estando o último datado do ano 2014.
As composições seleccionadas são antecedidas por notícias biobibliográficas, que apresentam um carácter sucinto. Os coordenadores da obra privilegiaram não os autores, mas a temática versada. Os escritores coligidos encontram-se ordenados cronologicamente.
A presente colectânea constitui, no domínio do património imaterial da Serra da Arrábida, um repositório de textos poéticos. Um excelente livro para saborear nestas férias. E termino com Miguel Torga:
Arrábida, Páscoa de 1952
Refúgio
«Sozinho a ouvir o mar, que não diz nada.
Férias do mundo e de quem lá anda.
Concha de ouriço, mas desabitada,
Aberta no lençol da areia branda.
Não se lembrem de mim esta semana!
Matem o Cristo, e ele que ressuscite!
Eu, nesta angústia humana ou desumana,
Quero apenas que o sono me visite.»
LFS