Proteção de Menores: Padre Hans Zollner pede Igreja «credível» que assuma erros do passado

Especialista deixou alertas em conferência internacional sobre «prevenção e resposta à violência sexual»

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Fátima, 27 nov 2025 (Ecclesia) – O padre Hans Zollner, especialista em proteção de menores, defendeu hoje em Fátima que a proteção de vulneráveis é “parte integrante da missão da Igreja” e recusou qualquer cultura de encobrimento.

“A Igreja Católica tem todos os meios” para lidar com a situação, “sem precisar de fugir dos pecados e dos crimes”, sustentou o conferencista, apontando um caminho que passa por “confessar, arrepender-se e reparar” os erros do passado, com “justiça e misericórdia” para vítimas e acusados, como pede Leão XIV.

O docente da Universidade Gregoriana (Roma) foi responsável pela conferência inaugural do congresso internacional promovido pelo Grupo VITA e pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

Perante cerca de duas centenas de pessoas, o especialista sublinhou que a credibilidade da Igreja depende da sua capacidade de viver o Evangelho de forma consistente, alertando para a necessidade de enfrentar o passado e os novos desafios digitais.

“A credibilidade da Igreja e o que está ligado a ela vem de viver o Evangelho da forma mais consistente possível”, afirmou.

O padre Hans Zollner reconheceu que, “a nível global, a Igreja Católica fez muito em termos de medidas de proteção”, mas identificou uma lacuna persistente na forma como a instituição lida com a memória ferida.

“O que não somos bons é a lidar com o passado, com o mal feito às pessoas”, àqueles que “se tornaram vítimas de indivíduos e instituições”, admitiu.

O jesuíta alemão destacou a evolução da perceção do abuso nos últimos anos, notando que desde 2017, com o impacto do movimento #MeToo e denúncias de abusos a religiosas e seminaristas, “o foco passou só das crianças para também as pessoas adultas em situação de vulnerabilidade”.

Foto: Agência ECCLESIA/MC

O orador alertou para novas tipologias de violência, como o “abuso espiritual” e o “abuso de poder”, e destacou “o grande elefante na sala, que é o abuso online”.

“Alguns de nós vimos da idade da pedra, não crescemos com um telemóvel na mão, mas todos os meios com que acedemos à internet tornaram-se a maior ameaça à segurança das crianças e de outros, ainda mais com os desafios da inteligência artificial”, advertiu.

Hans Zollner lamentou ainda que a Igreja funcione muitas vezes em “silos”, sem comunicação fluida entre continentes, conferências episcopais e dioceses.

“Temos a maior e a mais funcional rede de todo o mundo, na Igreja Católica, mas não lhe damos uso, não falamos uns com os outros”, observou, avisando que “nem o Papa nem Roma vão resolver o problema de uma vez por todas”.

Apesar de reconhecer que “existe um desconforto quando se começa a falar deste tema”, oreligiosos elogiou a mobilização em Portugal, afirmando que nenhuma outra instituição reuniria “tal multidão, tantas pessoas comprometidas” para abordar o problema.

“Cada um de nós, aqui, tem um papel a desempenhar”, referiu, apelando à construção de “uma Igreja e um mundo mais seguros”.

O especialista em proteção de menores falou depois aos jornalistas, sublinhando a importância de deve investir no acompanhamento dos sacerdotes, para prevenir abusos.

“Sabemos que o típico abusador sexual do clero não é um jovem de 25 ou 30 anos, mas um padre ou religioso de 40 ou 50 anos. Por isso, precisamos investir na forma como acompanhamos os padres e religiosos nas suas vidas”, indicou.

O docente da Universidade Gregoriana assinalou a importância de evitar que os padres “se sintam solitários, vazios, sobrecarregados”, e defendeu também o envolvimento das vítimas na definição e implementação de políticas eclesiais, não apenas pela sua experiência traumática, mas pelas suas competências profissionais.

Na sua intervenção, o padre Zollner apelou a uma redefinição do conceito de “salvaguarda” (safeguarding), para que não seja visto apenas como evitar um mal, mas como criar “espaços, relações e práticas” que permitam o crescimento e a vida.

“É um trabalho que se vai prolongar no futuro. Desculpem que vos diga, mas não vai desaparecer porque o mal existe”, avisou.

O programa da manhã prosseguiu com a intervenção de Marie Keenan, da University College Dublin, sobre o processo de transição da negação à responsabilização, e de Carlos Farinha, antigo diretor nacional adjunto da Polícia Judiciária, focado na investigação criminal.

A tarde do congresso inclui o painel “Saberes em Diálogo”, com Rodrigo Pinedo, Rodrigo Queiroz e Melo e Ivo Faria, um momento de síntese sobre o futuro da prevenção e sete workshops práticos sobre temas como a justiça restaurativa e o apoio às vítimas.

OC

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