Proteção de Menores: Mudança «lenta», em curso, tem de implicar «cada pessoa, em todas as suas situações» – Ana Sofia Marques

Projeto Cuidar tem sido solicitado por congregações religiosas, associações de escolas e organizações diversas que querem implementar sistemas de «cuidado e proteção» de crianças e adultos vulneráveis

Lisboa, 13 fev 2023 (Ecclesia) – Ana Sofia Marques, coordenadora provincial do Serviço de Proteção e Cuidado (SPC) da Companhia de Jesus, e coordenadora executiva do projeto Cuidar, reconhece uma “mudança lenta” a acontecer na proteção de crianças e jovens na Igreja.

“A cultura do cuidado terá de ser uma missão e não um fazer das pessoas polícias para o cumprimento de regras. Não pode ser uma pasta ou uma tarefa, mas tem de ser sim uma prioridade. É um processo lento mas acredito que estamos a mudar. Há um reconhecimento do problema, há que cuidar dele, ser assertivo e ser exigente com o atendimento e firmes nos processos”, explica a responsável à Agência ECCLESIA.

O projeto Cuidar, nascido no início de 2020, ligado ao Centro de Estudos da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Católica Portuguesa, com o apoio da Porticus, tem o objetivo de apoiar organizações católicas na implementação de sistemas de proteção crianças e adultos vulneráveis, mas explica Sofia Marques que cedo perceberam “não fazer sentido ser exclusivo das organizações católicas”.

Trata-se de um projeto de capacitação para criar “sistemas internos nas organizações de proteção e cuidado” com diferentes patamares que passa pela “área da formação, consultoria, investigação e pode chegar à partilha de aprendizagem”.

O projeto Cuidar criou uma parceria com a Associação de Ensino Particular e Cooperativo e com a Associação Portuguesa de Escolas Católicas, sendo também solicitado por congregações religiosas, “essencialmente com o carisma da educação” e também por escolas públicas, que desejam “organizar internamente um serviço de proteção e cuidado”.

Ana Sofia Marques explica que a cultura do cuidado deve ser “transversal” a todos enquanto cidadãos e que em todos os “universos” onde estão crianças e jovens deveria haver procedimentos abrangidos pela lei, lamentando não ser essa a realidade portuguesa.

“Todos os universos onde há crianças e jovens deveria ser obrigatório e não temos nada que obrigue. Em Espanha há uma lei orgânica de proteção da infância que seria interessante termos, transversal a áreas onde estão crianças – paróquias, campos de férias, escolas, casas de acolhimento. As casas de acolhimento não têm de ter – como é possível?”, questiona.

Em âmbito escolar, a responsável indica haver um “selo protetor” com “oito requisitos”, que dão “estrutura”: “Apresentam uma declaração de compromisso, a previsão de código de conduta, uma equipa, preveem orientações para o recrutamento, elaboram um mapa de risco de maus tratos e abusos. Esta estrutura para as escolas públicas existe e é muito boa”, reconhece, lamentando, no entanto, não haver “capacidade da Comissão de proteção de menores”, responsável pela avaliação e atribuição do selo para a poder fazer de forma “não exclusiva das escolas”.

Foto: Agência ECCLESIA/MC

Ana Sofia Marques afirma ser “essencial” que todos estejam disponíveis para “aferir as atitudes que podem colocar uma criança em situação e risco”, porque, sublinha, não se trata apenas de “abusos sexuais” mas também de “abusos físicos, emocionais, situações diárias subtis que parecem de menor gravidade” mas que se evidenciam, por exemplo, na “avaliação, na disciplina e nas pequenas humilhações diárias” que podem existir em contexto familiar ou educacional.

A formação, ministrada pelo projeto Cuidar, dirige-se a diferentes públicos, adequando-se às solicitações e já aconteceram nas dioceses de Braga, Lisboa, Angra, Setúbal, Porto, que desejam dotar-se de procedimentos adequados a contextos de “catequese, campos de férias, atividades escutistas”.

O projeto Cuidar tem trabalhado em consultadoria estando a desenvolver com “algumas paróquias em Lisboa” um projeto, “inicialmente pensado para a catequese” mas que algumas querem ver extensível a campos de férias e Escuteiros.

Apontando a mudança em curso, Sofia Marques indica ter havido inicialmente, decorrente de uma orientação do Vaticano para a criação de respostas de acompanhamento de abusos de crianças, uma criação por “decreto” mas que hoje se percebe uma vontade de cuidar dos procedimentos e da proteção.

“Ainda há resistências: é um tema desconfortável, incómodo, que nos faz tratar a partir da sombra, das fragilidades que todos temos, e exige um assumir responsabilidade de todos, não um apontar de dedos porque nos implica a todos, porque, quando se aponta o clericalismo como um problema, como é que nós contribuímos para este fator? Algo que pedimos nas formações é: ponham-se em causa. Como é que cada um pode perceber como as suas fragilidades impactam os outros, que as levam a não cuidar bem dos outros?”, evidencia.

O Serviço de Escuta da Companhia de Jesus é uma valência do SPC, nascido em 2021, para “acolher, escutar e ter conhecimento de situações mais antigas que aconteceram na Companhia de Jesus”, uma vez que, indica a responsável, cada uma das Obras dos jesuítas tem uma pessoa responsável com “autonomia, competência e responsabilidade” para tratar de eventuais denúncias que aconteçam no presente.

“Fomos fazendo um trabalho de procura e pesquisa nossa: fizemos a apresentação pública de um relatório em setembro e em breve faremos a sua atualização, mas (este trabalho) tem permitido olhar para o tema específico dos abusos sexuais, perceber que contextos de risco houve, os que se mantêm e perceber como o SPC responde hoje aos riscos, prevenção e deteção de problemas, porque conseguimos reduzir riscos nem sempre os conseguimos eliminar”, indica.

LS

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Agência ECCLESIA

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