Proteção de Menores: Grupo Vita recebeu 61 pedidos de reparação financeira, num universo de denúncias (c/vídeo)

Rute Agulhas diz que vítimas viveram, em média, «40 anos em silêncio» sobre abusos sofridos

Foto: Lusa

Lisboa,19 jan 2025 (Ecclesia) – A coordenadora do Grupo VITA, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica, anunciou que o organismo recebeu 118 denúncias, nos primeiros 18 meses de funcionamento, com 61 pedidos de reparação financeira.

“Até o momento o Grupo Vita recebeu contactos de 118 pessoas, na sua esmagadora maioria pessoas adultas – temos uma média etária de 54 anos.”, indica Rute Agulhas, em entrevista à Agência ECCLESIA e Rádio Renascença, publicada e emitida este domingo.

A psicóloga precisa que, das situações registadas, 68 pessoas contactaram com o organismo presencialmente ou online.

“Algumas delas querem só desabafar, partilhar, quebrar o segredo que em média dura 40 anos”, assinala.

A maior parte dos abusos são casos prescritos, porque “já aconteceram há muito tempo”.

“Situações que ainda não teriam prescrito mais recentes, tivemos cerca de duas ou três, que foram naturalmente de imediato sinalizadas às entidades competentes”, acrescenta a entrevistada.

Em dois casos, prescritos do ponto de vista civil, a Santa Sé decidiu derrogar a prescrição, possibilidade prevista no Direito Canónico.

“A Doutrina da Fé entendeu que aquelas situações deveriam passar por um tribunal eclesiástico”, indicou Rute Agulhas.

Este grupo de acompanhamento das situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis vai divulgar o seu terceiro relatório de atividades a 21 de janeiro, pelas 14h30, em Lisboa.

O documento vai destacar, em particular, o universo de 62 pessoas que pediram atendimento com responsáveis do Vita, presencialmente ou online, numa “caraterização sociodemográfica, do tipo de situações que reportam, onde é que aconteciam, como é que se sentiam, que impacto é que estas situações tiveram”.

“Fica mais claro que, de facto, a duração do abuso é uma variável que tem um impacto muito significativo nos efeitos sobre a pessoa”, adianta a psicóloga, acrescentando que “há um conjunto de critérios que devem ser tidos em conta” na análise das consequências dos abusos.

A 1 de junho de 2024, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deu início ao período de “apresentação formal” dos pedidos de compensação financeira às crianças e adultos vulneráveis que foram vítimas de abusos sexuais, no contexto da Igreja Católica, que devem ser apresentados formalmente por escrito, até ao próximo dia 31 de março, junto do Grupo VITA ou da Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis onde terão ocorrido os factos.

Rute Agulhas adianta que o ‘Vita’ tem, até ao momento, registo de 61 pedidos de reparação financeira.

“Estes 61 pedidos, na maior parte, são pessoas que nós já conhecemos, portanto, são pessoas que já falaram connosco previamente. Temos 15 situações novas”, precisa.

Dos pedidos de compensação financeira há 40 por parte de homens.

“A maior prevalência destas situações abusivas, são as décadas de 60 e as décadas de 80”, indica a responsável.

A coordenadora insiste que as pessoas com relato “documentado” não têm de o repetir, acrescentando que “no âmbito do processo das compensações, já foram atendidas oito pessoas e destas oito, a maioria quer falar novamente sobre o abuso”.

“Temos tido um feedback muito, muito positivo”, acrescenta Rute Agulhas.

A responsável identifica ainda 18 pedidos de ajuda de situações que não tinham a ver com o contexto da Igreja e que foram encaminhados para as autoridades competentes.

Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.

Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023.

A22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo Vita para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.

Os pedidos de ajuda dirigidos ao Grupo VITA podem ser encaminhados para a linha de atendimento telefónico 915 090 000 ou através do formulário para sinalizações disponível no site www.grupovita.pt.

A coordenadora do Grupo Vita admite que é “prematuro” pensar no pagamento das compensações financeiras, neste momento, desejando que até abril haja um número suficiente de processos analisados pela primeira comissão de instrução, permitindo o início de funções do segundo grupo.

Quanto ao alargamento do prazo, Rute Agulhas destaca que o dia 31 de março “não é uma parede, não é uma barreira.

“Se alguém nos contactar em abril ou maio, claramente que essas pessoas vão ser atendidas, na mesma”, afirma.

A especialista fala numa “ambivalência” que é “expectável”, nestes casos.

“É natural que, em três meses que faltam, possa haver pessoas que não sintam ainda a capacidade de dar esse passo e, por isso, essa porta não se fecha a 31 de março”, explica.

É uma porta que não se fecha, como é óbvio, e é muito importante passar esta mensagem, porque uma revelação deste tipo de situações, sendo que da nossa amostra 40% das pessoas estão a revelar pela primeira vez na vida, agora, depois de uma média de 43 anos em silêncio, não é fácil”.

Rute Agulhas assinala que a “esmagadora maioria” das vítimas acredita que o Papa “está do seu lado”.

“Não questionam isso. Acham, muitas delas, é que ele está sozinho, a remar contra uma maré muito gigante”, aponta.

A responsável dá ainda conta do “feedback das pessoas que falam com os bispos”, pessoalmente.

“De uma maneira geral, claro que há uma ou duas exceções, é de que, ‘afinal, senti empatia, senti que aquela pessoa está ali, de facto, alinhada com as diretrizes que vêm de Roma e com aquilo que o Papa Francisco defende’”, relata.

Henrique Cunha (Renascença) e Octávio Carmo (Ecclesia)

A coordenadora do Grupo Vita fala num “caminho de empoderamento e de escuta” das vítimas e da construção, nas realidades eclesiais, de “estruturas e uma cultura de cuidado e de proteção”.

A responsável adianta ainda resultados de um estudo desenvolvido, nos últimos meses, relativamente à forma como é vivido o celibato, por parte de seminaristas, membros do clero e de institutos religiosos, masculinos e femininos.

“Parece haver aqui um maior compromisso com o celibato e este parece ser vivido de uma forma mais satisfatória, quanto mais as práticas espirituais são regulares e quanto mais há um compromisso com a espiritualidade”, indica, rejeitando a associação do celibato à violência sexual.

Outros estudos abordam o papel de catequistas e os professores de EMRC, grupos que “desde o início mostraram uma disponibilidade muito grande, através do Secretariado Nacional da Educação Cristã (SNEC)”.

Rute Agulhas lamenta a persistências de “mitos” e ideias “erradas” sobre a prevenção, que alguns ligam “à ideologia de género” ou a crença de que se vai “falar de sexo para as crianças e se vai falar com uma linguagem sexualmente explícita”.

“Falar de prevenção é falar da promoção de comportamentos saudáveis, de relações saudáveis com os outros”, indica, realçando a colaboração com responsáveis católicos na criação de materiais para este campo.

A responsável entende que “era preciso fazer na sociedade civil aquilo que está a ser feito na Igreja”.

“Não temos, em Portugal, um verdadeiro estudo de prevalência”, lamenta.

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