Rute Agulhas, coordenadora do organismo, destaca «mudança de paradigma» na abordagem dos abusos sexuais
Lisboa,16 jun 2024 (Ecclesia) – A coordenadora do Grupo VITA, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica, anunciou que o organismo recebeu 105 denúncias, nos primeiros 12 meses de funcionamento, com 39 pedidos de reparação financeira.
“Neste primeiro ano de funcionamento, temos um conjunto de 105 pessoas, vítimas de violência sexual no contexto da Igreja Católica, que nos pediram ajuda e que nos reportaram a sua situação”, indica Rute Agulhas, em entrevista à Agência ECCLESIA.
A psicóloga precisa que, “na grande maioria das situações”, as vítimas “falam na primeira pessoa” sobre os abusos que sofreram.
“Há aqui uma mudança de paradigma que é importante, esta cultura de desocultar o tema, tirá-lo da gaveta dos tabus e passarmos a falar dele de uma forma clara”, assinala a responsável.
A 1 de junho, a Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) deu início ao período de “apresentação formal” dos pedidos de compensação financeira às crianças e adultos vulneráveis que foram vítimas de abusos sexuais, no contexto da Igreja Católica, que devem ser apresentados formalmente por escrito, até 31 de dezembro de 2024, junto do Grupo VITA ou da Comissão Diocesana de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis onde terão ocorrido os factos.
Rute Agulhas adianta que o ‘Vita’ tem, até ao momento, registo de 39 pedidos de reparação financeira.
“Já conhecemos a maior parte destas pessoas, são situações que já acompanhamos. Depois temos um número mais pequeno de pessoas, que nunca vimos e que nos contactaram apenas com esse objetivo”, precisa.
Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.
Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente, que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023. A22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo Vita para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores. “Tem havido aqui um investimento muito grande, da nossa parte e da Igreja, com quem temos colaborado sempre, de forma muito estreita, nesta perspetiva da capacitação das estruturas para podermos todos prevenir estas situações no futuro”, refere Rute Agulhas. |
A coordenadora do Grupo Vita assinala que a maior parte das pessoas que procuraram o organismo “terão sido abusadas sexualmente há algumas décadas, no passado”, nomeadamente a década de 60, 70, 80 do século XX, “muitas vezes em contexto seminário, especialmente as vítimas rapazes”.
Este grupo de acompanhamento das situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis vai divulgar o seu segundo relatório de atividades a 18 de junho, pelas 14h30, em Fátima, num evento público.
Rute Agulhas assinala que o documento apresenta, de “forma muito clara e muito transparente” a a dimensão dos processos de sinalização.
“Temos um número reduzido de sinalizações ao Ministério Público, porque em muitas destas situações o suspeito já faleceu e, portanto, naturalmente não irá nunca decorrer um processo de crime”, explica.
Das 105 situações registadas pelo Grupo Vita, 64 pessoas contactaram com o organismo “presencialmente ou online”, incluindo cinco pessoas, adultas sem uma vulnerabilidade acrescida, que se envolveram sexualmente com alguém do clero.
“São pessoas que, na sua maioria, não são anónimas e este é um dado importante: a maior parte destas pessoas, a esmagadora maioria, dá a cara, dá o nome”, destaca a coordenadora.
Em termos de apoio às vítimas, o apoio psicológico é um dos mais solicitados, com 23 vítimas em “acompanhamento regular” por psicólogos da bolsa de profissionais criada pelo Grupo Vita, em consultas que “inteiramente pagas pelas estruturas da Igreja”.
A este somam-se pedidos de apoio psiquiátrico e espiritual.
“Há um denominador comum a muitas destas situações, que é o isolamento social. Essa é uma característica que se destaca, pessoas muito sozinhas, muitas delas sem filhos, sem uma relação conjugal, uma relação de intimidade, pelo menos à data de hoje. Muitas delas vivem sozinhas, sem uma rede de suporte que seja suficientemente consistente”, indica Rute Agulhas, numa entrevista que é mitida este domingo no Programa ’70×7′ (RTP2).
A responsável adianta que o Grupo Vita está a promover um estudo “pioneiro”, sob anonimato, relativamente à forma como é vivido o celibato, por parte de seminaristas, membros do clero e de institutos religiosos, masculinos e femininos.
O objetivo é perceber “de que maneira é que estas pessoas podem ser ajudadas na integração desta sua opção”.
Para Rute Agulhas, “confundir celibato com violência sexual é um erro”.
“A maior parte das situações de abuso sexual, é importante não esquecer isso, não acontecem na Igreja, acontecem fora da Igreja”, conclui.
Os pedidos de ajuda dirigidos ao Grupo VITA podem ser encaminhados para a linha de atendimento telefónico 915 090 000 ou através do formulário para sinalizações disponível no site http://www.grupovita.pt.
HM/OC