Rute Agulhas defende «resposta especializada» para toda a sociedade portuguesa, relativamente a situações de abusos sexuais
Fátima, 18 jun 2024 (Ecclesia) – A coordenadora do Grupo VITA, que acompanha situações de violência sexual de crianças e adultos vulneráveis na Igreja Católica, referiu hoje que as vítimas sentem “ambivalência” relativamente à possibilidade de apoios e reparação financeira.
“Relativamente a este tema, sentimos uma enorme ambivalência”, disse Rute Agulhas, em conferência de imprensa, que decorreu em Fátima, para apresentar o segundo relatório do organismo, criado pela Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).
O grupo recebeu 105 denúncias, nos primeiros 12 meses de funcionamento, com 39 pedidos de reparação financeira, “na sua maioria” de pessoas que o VITA já conhece.
A 1 de junho, a CEP deu início ao período de apresentação formal dos pedidos de compensação financeira às crianças e adultos vulneráveis que foram vítimas de abusos sexuais, no contexto da Igreja Católica, que devem ser apresentados formalmente por escrito, até 31 de dezembro de 2024.
“A pessoa não vai ter de repetir informação”, indicou a coordenadora do VITA, acrescentando que algumas pessoas ainda não foram atendidas, após o pedido de reparação, para evitar um processo de “revitimização”.
Cerca de um terço das vítimas (34,5%) atendidas por este organismo indicaram a necessidade de apoio financeiro, embora nem todas “tenham ainda formalizado um pedido de compensação financeira”, indica novo relatório.
Rute Agulhas destaca que este é “um número muito flutuante”, a que se vai somar ainda o conjunto de pedidos que forem apresentados junto das várias Comissões Diocesanas para a Proteção de Menores.
Durante o ano de 2022, a CEP pediu um estudo sobre casos de abuso sexual na Igreja em Portugal nos últimos 70 anos a uma Comissão Independente (CI), que validou 512 testemunhos relativos a situações de abuso, que seria apresentado em fevereiro de 2023.
“Salientamos a necessidade da partilha de informação”, assinalou Rute Agulhas, indicando que os dados recolhidos pela CI não foram partilhados com o Grupo VITA
Para a responsável, é preciso ter em consideração um conjunto de “variáveis” que determinam o impacto de cada situação sobre cada vítima, como a frequência ou a duração do abuso, por exemplo.
Rute Agulhas rejeitou ainda a ideia de que as vítimas “não concordam com o processo”, que passa por uma “avaliação caso a caso”.
Dos contactos recebidos através da linha telefónica e do formulário do site, bem como do e-mail geral, foram identificadas 105 vítimas de violência sexual (69 entre maio e novembro de 2023, e 36 entre dezembro de 2023 e junho de 2024) e uma pessoa (leigo) que cometeu crimes sexuais. Uma segunda pessoa agressora está ainda a beneficiar de “apoio psicoterapêutico”, após ter sido encaminhada por um organismo diocesano. Alexandra Anciães, especialista em Psicologia Clínica e da Saúde, que integra o Grupo Executivo do VITA, apresentou os dados do relatório, sublinhando o “impacto emocional” destes casos nas vítimas. Segundo o documento, cerca de 40% das vítimas “só agora revelaram a situação abusiva e 20,7% destas revelaram-na pela primeira vez” ao próprio organismo. Globalmente, as situações abusivas ocorreram no último século (86,3%), mais de metade nas décadas de 60 (29,3%) e 80 (25,9%), sendo menos frequentemente reportados comportamentos abusivos nas décadas de 70 (19%) e 90 (12,1%). A partir do ano 2000, os casos registados representam 13,7% do total. Em termos de estratégias da pessoa que cometeu a violência sexual, na quase totalidade das situações reportadas (91,4%), as vítimas identificam que houve “abuso de autoridade” resultante do estatuto do agressor. O VITA apresentou, durante o último ano, 66 “sinalizações” a estruturas eclesiásticas e 24 à Justiça portuguesa (PGR/PJ). |
28 contactos diziam respeito a situações de violência não relacionadas com a missão do Grupo VITA (abuso sexual intrafamiliar, violência doméstica), que foram encaminhadas para outras entidades.
Rute Agulhas mostrou-se “apreensiva” com estes pedidos de ajuda fora do âmbito do organismo, um dado que considerou “sintomático”.
“A sociedade precisa de uma resposta especializada nesta área”, sustentou.
A responsável indicou que o grupo já defendeu, junto do Parlamento e do presidente português, a necessidade de se fazer um “retrato “transversal” das situações de abusos sexuais, em todos os contextos da sociedade.
“Não temos tido muito eco, relativamente ao que Estado poderá vir a fazer”, lamentou.
Desde janeiro de 2021, a Igreja Católica em Portugal tem novas diretrizes para a “proteção de menores e adultos vulneráveis”, sublinhando uma atitude de vigilância nas várias atividades pastorais e de colaboração com as autoridades.
A22 de maio de 2023, a Conferência Episcopal Portuguesa criou o Grupo VITA para acolher denúncias de abuso, trabalhar na prevenção e acompanhar vítimas e agressores.
Rute Agulhas destacou que os responsáveis católicos têm permitido que o grupo possa “tomar decisões de forma totalmente autónoma e independente”, saudando a “enorme disponibilidade das instituições da Igreja” para o trabalho de prevenção e combate aos abusos sexuais.
OC
Durante a conferência de imprensa foi lançado o ‘Kit Vita’, que vem complementar o manual de prevenção apresentado em dezembro de 2023 e foi desenvolvido com o objetivo de estruturar e uniformizar as ações de capacitação sobre a temática da violência sexual na Igreja. A nova publicação “pretende ser um recurso prático que, a par do Manual de Prevenção, facilite a promoção de boas práticas, podendo ser utilizado por agentes formativos na dinamização de ações dirigidas a padres, diáconos, agentes pastorais, elementos de IPSS católicas e demais estruturas eclesiásticas”. O terceiro relatório de atividades do VITA vai ser apresentado no próximo dia 26 de novembro. |