Irmã Ianire Angulo Ordorika participou no encontro das Comissões de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, que decorre este sábado, em Fátima
Fátima, 01 fev 2025 (Ecclesia) – A irmã Ianire Angulo Ordorika, religiosa espanhola, professora de Teologia, alertou hoje as Comissões Diocesanasde Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis para a complexidade dos “abusos de poder e de consciência”, no encontro nacional, em Fátima.
“O que vemos é uma parte muito pequena, uma percentagem muito pequena, de uma problemática muito mais complexa, difícil, que nos vemos desafiados a enfrentar, e às vezes, dá medo olhar para o que não conhecemos e não gostamos”, explicou a oradora que usou a imagem do icebergue, para um problema “muito difícil de limitar, definir, determinar, objetivar”.
‘Ultrapassar a ponta do iceberg: abusos de poder e de consciência’, foi o tema da conferência da irmã Ianire Angulo Ordorika no IV Encontro Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis, que se realiza, este sábado, dia 1 de fevereiro, na Domus Carmeli (Carmelitas), em Fátima.
A religiosa, que pertence à congregação das Escravas da Santíssima Eucaristia e da Mãe de Deus, que começou a sua intervenção a agradecer aos membros das comissões um “trabalho” que muitas vezes “não é reconhecido”, salientando que, como na “problemática dos abusos de cariz sexual”, nos abusos de poder e de consciência vê-se “a ponta de uma problemática muito mais complexa, como no icebergue”.
“Sempre relevante, é a vítima que está no centro, as comissões sabem que o importante é sempre a pessoa vítima, há muitas vidas que não vamos conseguir aceder. E essa necessidade de preocupar-nos pela pessoa que sofre é necessária também quando se reflete sobre os abusos que não são de carater sexual”, desenvolveu.
Neste sentido, a irmã Ianire Angulo Ordorika alertou que “as consequências podem ser igualmente graves” e acrescentou que conhece vítimas de abusos não sexuais que “têm síndrome de stress pós traumático”.
Segundo a professora de Teologia, na Faculdade de Teologia da Universidade de Loyola (Andaluzia), o que nasceu como alarme social permitiu descobrir novos desafios, e, cada vez mais, são todos conscientes das “consequências físicas, emocionais, intelectuais dos efeitos dos abusos”.
“Não é um problema que afeta só as pessoas implicadas, mas todos como sociedade e muito mais como Igreja, que desde Jesus de Nazaré nos preocupamos com os mais frágeis”, realçou.
A conferencista explicou que outro motivo de alarme social “é a frequência e a magnitude dos casos”, não é pontual e aconteceu em vários países, e lembrou, como diz o Papa Francisco, “basta uma vítima”, salientando que o motivo mais evidente desse alarme é que a Igreja se apresenta “como autoridade moral”.
“Se entro no espaço onde Deus fala a cada um, que é a consciência, já não é bom, às vezes por querer fazer o bem não deixo que a pessoa possa fazer o seu caminho”, exemplificou.
Na conferência ‘Ultrapassar a ponta do iceberg: abusos de poder e de consciência’ foram apresentadas “três questões que são difíceis” e há resistência “a enfrentar com valentia”: as mulheres vítimas; o abuso não sexual; e o abuso no seio das estruturas.
A professora universitária salientou que o Direito Canónico não está preparado para os abusos de poder e de consciência, explicou que este abuso não resulta “necessariamente de um cargo ou responsabilidade” de uma pessoa, e que o “abuso sexual pode ser o final de um abuso de poder”.
Sobre a complexidade dos abusos apresentou seis pontos que dificultam essa identificação, como a caricatura do agressor, pediu “cuidado com as pessoas que não entram no modelo de agressor”, lembrou que “as vitimas não falam quando querem” e que “há vítimas que passam a vida sem poder falar e não é só o medo”, alertando também para os contornos pouco nítidos entre (relação) saudável e não saudável, a confusão da vítima/dissonância cognitiva, e a confusão (não atenuante) do agressor.
“Só quando descobrimos a complexidade podemos tentar mover-nos com o cuidado e delicadeza que implica essa complexidade”, concluiu a irmã Ianire Angulo Ordorika.
João Luís Gomes, que refletiu sobre o tema ‘Abusos em contexto de Igreja e comunicação social’, partilhou um testemunho a partir da sua experiência, referindo que a relação entre a Igreja Católica em Portugal e os órgãos de comunicação social “nem sempre tem sido fácil”, há uma proximidade nos grandes acontecimentos, como as visitas papais e na recente JMJ Lisboa 2023, e um “afastamento quando há casos polémicos”. Segundo o jornalista da Agência Lusa a Igreja Católica, “pelo poder granjeado ao longo de séculos não convive bem com o escrutínio” e nas redações existem também algum “distanciamento” pela “pouca aposta no acompanhamento à atualidade religiosa”, sendo que o fechamento de décadas “em alguns setores da Igreja” contribuiu para a realidade atual. João Luís Gomes lembrou o “grande período de visibilidade religiosa” quando a comunicação social olhava para a Igreja como um “interveniente ativo”, em crises industriais, problemas nas instituições, a situação de Timor-Leste, e fez um “apelo” para que regressem os encontros com a imprensa no final das reuniões do Conselho Permanente dos bispos católicos portugueses. O jornalista da Lusa, desde março de 1992, refletiu sobre a gestão de uma crise comunicacional na Igreja no âmbito dos abusos sexuais e como a comunicação social tratou esse tema, que “ganhou relevo” com a cimeira promovida pelo Papa Francisco, referindo que, em Portugal, assistiu-se a movimento generalizado de negação, muro de silêncio, hostilidade e ameaças de processos. Para João Luís Gomes, “se a experiência nem sempre foi positiva”, há apelos que deixaram a certeza que a Igreja “estava a querer encontrar o rumo certo” em termos de relação com a comunicação social: “algumas dioceses, várias congregações e a própria Conferência Episcopal dotaram-se de gabinetes de comunicação com profissionais habituados ao contacto com os media, desde logo com a premissa que não deve ser obstáculo para um jornalista que busca a informação”. Todo este processo “apesar das feridas deixou ensinamentos importantes” para os jornalistas, “muitos habituados a trabalhar noutras áreas”, e para a Igreja Católica, e, em conclusão, considerou que a Igreja “tem de estar ciente que por todas as suas dimensões, não apenas a espiritual, tem de estar preparada para a prestação de contas, seja sobre o bem que faz, seja sobre o mal que alguns dos seus membros também fazem”, considerando que “falta resolver o problema da rapidez”, e incentivou também à “antecipação dos problemas tendo resposta preparada em cada momento ou capacidade de reação imediata”. |
O IV Encontro Nacional das Comissões Diocesanas e Castrense de Proteção de Menores e Adultos Vulneráveis continua durante a tarde deste sábado, contando também com a participação do Grupo VITA para analisar o processo de compensações financeiras às crianças e adultos vulneráveis vítimas de abusos sexuais ocorridos no contexto da Igreja Católica em Portugal, e a partilha do trabalho nas 21 comissões, em cada diocese.
CB/PR