Proteção de Menores: Comissão do Vaticano pede processos mais simples para demissões de cargo e para indemnizações (c/vídeo)

Organismo criado pelo Papa apresentou o seu primeiro relatório anual, sublinhando necessidade de envolver cada vez mais as vítimas nos processos de combate e prevenção de abusos

Octávio Carmo, enviado da Agência ECCLESIA ao Vaticano

Cidade do Vaticano, 29 out 2024 (Ecclesia) – A Comissão Pontifícia para a Proteção de Menores (CCPM) apresentou hoje, no Vaticano, o seu primeiro relatório anual, no qual se pedem processos mais simples para demissões de cargo e para indemnizações às vítimas.

O documento, apresentado aos jornalistas na sala de imprensa da Santa Sé, sublinha nas suas conclusões “a necessidade de um processo simplificado para a demissão de cargo, a fim de permitir um caminho eficaz e simples para a renúncia ou remoção de uma autoridade da Igreja, quando for necessário”.

O documento sobre políticas e procedimentos de proteção na Igreja surge por um pedido explícito do Papa aos membros da CPPM, visando “promover e mapear, com padrões claros, a transição da Igreja ao longo do tempo”, nestas matérias, para identificar “pontos onde os riscos permanecem e onde se podem encontrar avanços”.

Entre as principais conclusões e observações da Comissão consta a “necessidade de estudar políticas de indemnização e reparação, promovendo uma abordagem rigorosa”, como “parte do compromisso da Igreja com o caminho de cura das vítimas/sobreviventes”.

Os responsáveis da CPPM defendem a “profissionalização em matéria de proteção na Igreja” e um maior “acesso das vítimas/sobreviventes à informação, enfrentando a questão de os processos canónicos não transparentes serem uma fonte de novo trauma”.

“A Comissão reconhece que uma das principais prioridades das pessoas afetadas por abusos é o acesso à verdade. Em consonância com o apelo a uma transparência cada vez maior, devem ser exploradas medidas que garantam o direito de qualquer indivíduo a informações relacionadas com ele/ela retidas por qualquer entidade da Igreja, especialmente as circunstâncias e responsabilidades relacionadas com o seu caso de abuso – tendo em devida conta as leis e requisitos de proteção de dados”, pode ler-se.

“Estamos muito preocupados pela dificuldade que as vítimas têm em aceder à informação sobre o seu próprio caso”, assinalou o cardeal Seán Patrick O’Malley, presidente da Comissão Pontifícia.

Nesse sentido, a CPPM está a trabalhar na proposta de um “procurador” das vítimas, para facilitar a comunicação com os organismos da Igreja Católica.

Há necessidade de consolidar e esclarecer as jurisdições dos dicastérios da Cúria Romana, a fim de garantir uma gestão eficiente, oportuna e rigorosa dos casos de abuso encaminhados à Santa Sé”.

Os especialistas pedem uma nova abordagem à definição e aplicação de “vulnerabilidade”, com uma “definição mais uniforme” do conceito.

O relatório anual conclui-se com uma referência à iniciativa “Memorare”, que nos últimos dez anos recolheu fundos das Conferências Episcopais e das ordens religiosas para ajudar as Igrejas com menos recursos.

O objetivo é desenvolver “centros de informação e assistência, competências para a formação a nível local e uma rede local de profissionais da tutela”.

As lições aprendidas com essas interações diretas com as vítimas/sobreviventes influenciaram profundamente a análise apresentada neste relatório anual. A Comissão está totalmente comprometida em expandir ainda mais a participação das vítimas/sobreviventes no processo”.

Na análise ao continente europeu, o grupo regional regista como “boa prática” o protocolo de colaboração entre a Associação Portuguesa de Apoio à Vitima (APAV) e a Fundação Jornada Mundial da Juventude (JMJ) Lisboa 2023, “com o objetivo de garantir a segurança dos participantes e de lhes oferecer apoio especializado quando necessário”.

“No domínio da prevenção, foram desenvolvidos conteúdos de informação e formação, incluindo vídeos e um manual de boas práticas”, acrescenta o relatório.

A CPPM foi criado pelo Papa Francisco em 2014 e, desde 2022, integra o organograma da Cúria Romana, ligada ao Dicastério para a Doutrina da Fé.

OC

O relatório foi apresentado aos jornalistas, em conferência de imprensa, pelo cardeal Seán Patrick O’Malley, arcebispo emérito de Boston (EUA), e pela jurista Maud de Boer-Buquicchio, antiga relatora especial das Nações Unidas sobre a exploração sexual de crianças.

O arcebispo norte-americano começou por agradecer o trabalho dos jornalistas, que “forçaram a Igreja a confrontar-se com a sua terrível história quanto aos abusos”, bem como “o testemunho corajoso das vítimas”.

Para o cardeal, é tempo de superar uma retórica “vazia”, sublinhando o compromisso de que estes casos “nunca mais se repitam”.

“Nada do que fizermos será suficiente para reparar totalmente o que aconteceu”, assinalou.

O colaborador do Papa destacou o esforço feito para superar um período em que “os líderes da Igreja tomaram decisões sem qualquer adesão a políticas, procedimentos ou padrões básicos de preocupação com as vítimas”.

Hoje, assinala D. Seán Patrick O’Malley, abriu-se uma nova etapa, “em que a Igreja abraça plenamente o seu ministério de proteção”.

“Gostaria de agradecer às vítimas e sobreviventes, bem como às suas famílias, entes queridos e comunidades, cuja determinação tornou este dia possível”, insistiu.

Maud de Boer-Buquicchio, membro da CPPM desde 2022, precisou que “o quadro concetual” do relatório “é comparável ao que no direito internacional se designa por Justiça de Transição”.

A especialista sublinhou “quatro princípios fundamentais” de “verdade, justiça, reparações” e “reforma institucional”.

“A combinação destes princípios assegurará uma transição, ou seja, a conversão da Igreja de uma época de abusos sexuais generalizados, frequentemente maltratados e encobertos, para um novo período em que as políticas de proteção, denúncia, investigação e assistência às vítimas/sobreviventes tornem os abusos raros e deem respostas adequadas”, apontou.

D. Luis Manuel Alí, secretário da CPPM, que integra há uma década, sublinhou que viu “muitas mudanças significativas nestes anos”.

Juan Carlos Cruz, promotor dos direitos dos sobreviventes de abusos e membro da CPPM falou num momento histórico, mostrando “enorme esperança” no trabalho desenvolvido para o relatório anual.

“Nunca pensei que veria este dia”, referiu aos jornalistas.

D. Seán Patrick O’Malley sublinhou que a prioridade, sobretudo no sul global, tem sido a capacitação de agentes e atribuição de recursos para a proteção de menores, admitindo que faltam “dados” sobre os números de casos, alertando para a “extrapolação” feita nalguns estudos.

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Agência ECCLESIA

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