Propostas para a sociedade portuguesa

Primeiro documento do Gabinete de Estudos Pastorais da Cconferência Episcopal Portuguesa analisa sociedade à luz da encíclica «Caritas in Veritate»

As dificuldades económico-financeiras, a crise moral e as questões relativas à família e educação constituem os temas principais de um documento distribuído hoje pelo Gabinete de Estudos Pastorais (GEP) da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

O texto analisa alguns aspectos da realidade nacional à luz da última encíclica do Papa Bento XVI, “Caritas in Veritate” (Caridade na Verdade), publicada em 2009.

O documento surge da constatação de que os portugueses estão “muito preocupados e desconcertados com uma série de acontecimentos e notícias que abalaram as suas convicções”, sentindo por isso “a necessidade de orientações, sobretudo por parte de instituições autorizadas como é o caso da Igreja”.

As críticas à actuação de organismos dependentes do Estado constituem um dos aspectos mais presentes no estudo, intitulado “A visita do Papa Bento XVI a Portugal, a Encícilia ‘Caritas in Veritate’ e a sociedade portuguesa”.

A primeira parte do texto reflecte sobre “a crise de valores e o modelo de desenvolvimento”, detendo-se também nos “impactos sociais e políticos” da actual situação económica.

Os autores – o padre jesuíta António Vaz Pinto, Francisco Sarsfield Cabral, Guilherme d’Oliveira Martins, Manuel Braga da Cruz, Maria José Nogueira Pinto e Pedro Roseta – defendem que a recessão foi causada pela “irresponsabilidade financeira” decorrente da “desregulação” dos mercados.

“A procura desenfreada do lucro, não entendido como um meio para o bem comum”, mas como “objectivo único ou primordial”, gera “problemas graves de repercussões incalculáveis”, assinala o estudo, que apela à “responsabilidade social” das empresas.

A “extrema gravidade” da situação social deve-se ao “grande aumento do desemprego e do endividamento das famílias e das empresas” e às crescentes desigualdades, ampliadas pela pobreza, que “alargou-se muito significativamente”.

Depois de criticar o modelo de desenvolvimento assente na “atracção consumista”, o Gabinete de Estudos Pastorais refere que o “mercado é necessário”, embora se torne “insuficiente para gerar a coesão social”.

O documento preconiza que o “objectivo prioritário” das opções e apoios económicos deve ser “o acesso ao trabalho e a sua manutenção”, objectivo que pode ser alcançado com a prática da “mobilidade laboral”, encarada como uma “desejável possibilidade do mundo globalizado”.

A autoridade democrática do Estado deve ser reforçada face aos interesses particulares, mas esse fortalecimento não implica que a sua influência alastre “ permanentemente e indevidamente”.

A “crise de justiça” é outros dos assuntos mencionados: além de não levar a termo com celeridade os processos, o sistema judicial tem sido incapaz de impedir a “difusão da corrupção” e de outras formas de criminalidade, como “a utilização dos recursos públicos para fins privados” e o “enriquecimento ilícito”.

A segunda secção do documento, a mais breve das três que o compõem, é dedicada à “crise moral” e ao “relativismo”, com a denúncia da “expansão de concepções individualistas e hedonistas”.

Esta compreensão do mundo está “na base do decréscimo demográfico” e do “aumento desproporcionado” das expectativas de felicidade assentes “na abundância de bens materiais”, “na recusa das dificuldades e do esforço” e na “negação do sofrimento”.

A coesão nacional, explicam os autores, está ameaçada pela falta de sustentabilidade dos sistemas sociais – ligada à “escassa renovação geracional” –, pela desertificação do interior e pelo “enfraquecimento das instituições”.

“Neste progressivo vazio, o Estado foi-se substituindo à consciência social e sentiu-se tentado a definir o que é a ética e quais os seus princípios, numa insustentável redução do bem e do mal àquilo que ele próprio define como o que é legal e ilegal”, constata o Gabinete de Estudos Pastorais.

O estudo assinala que a Igreja Católica não se tem limitado a assistir passivamente aos problemas da sociedade: depois de lembrar o “trabalho voluntário” realizado por “milhares de cristãos”, pede-lhes “o desenvolvimento de todas as formas de solidariedade que possam dar resposta ao aumento de carências económicas e sociais”, apelo que se estende às “pessoas de boa vontade”.

A última parte do documento, denominada “O problema da família e da educação. A educação, uma responsabilidade de todos”, acusa o Estado de não ter implementar “políticas públicas valorizadoras do casamento, da família e da natalidade” nos domínios da fiscalidade, habitação e criação de equipamentos sociais para a primeira infância e idosos.

O “forte ataque à família” verificado nas últimas décadas vai ter “dramáticas consequências que cairão directamente sobre as gerações futuras”, frisam os autores, que convidam à “redescoberta da enorme aventura da procriação”.

Entre as “mais ferozes” agressões à instituição da família está o “desvirtuamento do casamento, banindo o horizonte da procriação (com a sua aplicação às uniões homossexuais)”, a “facilitação banalizadora do divórcio” e a “liberalização do aborto”.

“A liberdade de aprender e ensinar” é um dos temas mais desenvolvidos no texto, especialmente no que diz respeito ao papel do Estado, a quem é exigido que não “tenha o monopólio do serviço público de educação” e que, ao mesmo tempo, seja “menos centralizador e mais incentivador de iniciativas e de um espírito criador autónomo”.

Além de não “dever prejudicar os que optem por escolas não estatais, tendendo a assegurar a real possibilidade de acesso de todos às diversas formas de ensino”, o Estado tem também “a obrigação de criar condições efectivas para uma rede educativa, em pé de igualdade, envolvendo a iniciativa particular e social, com financiamento adequado”.

Partilhar:
plugins premium WordPress
Scroll to Top