Procissões e visibilidade da fé cristã

D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém Na época das festas religiosas populares, geralmente no mês de Agosto, muitas comunidades dão grande importância à procissão da festa. Quase sempre as procissões têm mais afluência de pessoas do que a Eucaristia solene. Serão as procissões apenas uma expressão de folclore religioso, como opinam alguns responsáveis da Igreja, ou uma verdadeira expressão de fé, segundo a sensibilidade popular? Não há dúvida de que as procissões levantam algumas questões que precisamos de reflectir em ordem a dar dignidade, beleza e sobretudo relação clara com a fé. Bem realizadas podem ser um sinal da fé cristã. Desviadas ou com elementos espúrios, dão uma imagem falsa e põem em questão a credibilidade do cristianismo. Conheço pessoas para quem o contacto com uma procissão religiosa constituiu um despertar da fé. Descobriram uma dimensão até aí oculta ou esquecida, “viram” a dimensão transcendente da vida humana. De facto, as procissões dão visibilidade à fé, situam-se na pedagogia da Encarnação pela qual a humanidade de Jesus Cristo deu visibilidade ao mistério de Deus. A Fé encarnada precisa de sinais visíveis que manifestem em imagens o mistério invisível em que acreditamos. “Meus olhos viram a salvação”, exclamou o velho Simeão quando recebeu o Menino Jesus no templo. Numa civilização que privilegia a imagem, as pessoas precisam também de “ver”. Não basta ouvir oralmente o anúncio do evangelho. A Palavra da Verdade precisa do apoio de elementos visíveis que a tornem concreta e relacionada com a vida. Encontramos essa pedagogia no Novo Testamento: O anúncio do evangelho é acompanhado de sinais (gestos, curas, estilo de vida de Jesus e dos apóstolos) que confirmam e dão visibilidade à palavra. Que visibilidade apresentam as procissões, que imagem dão da fé? Antes de mais, mostram uma comunidade organizada, unida, que caminha com ar solene pelas ruas quotidianas, enfeitadas para o acontecimento. Uma comunidade que se apresenta como um povo crente e peregrino, que parte de um lugar sagrado e termina o percurso no templo. Uma comunidade aberta, em que todos têm um lugar, mas sem confusão. Os participantes no percurso adoptam uma atitude de contemplação: cantam, ou rezam, ou ouvem meditativos a banda. Paira um ambiente de mistério na procissão. As ruas quotidianas adquirem uma nova dimensão. Não há dúvida de que se trata de uma comunidade de crentes que vai a passar. Uma verdadeira procissão tem ordem, silêncio, ambiente celebrativo. Não se parece com um espectáculo mas com uma liturgia. Na procissão ocupa um lugar de destaque o palio, os andores dos santos, os estandartes religiosos. Manifestam que nesta peregrinação não vamos sós, mas acompanhados da protecção divina. No palio leva-se uma memória de Cristo (o santo lenho ou outra). Os santos são os membros ilustres da comunidade de crentes, aqueles que são referência de vida e de identidade cristã e de quem se espera protecção. As opas, os anjinhos, os figurantes que representam cenas ou figuras religiosas, todo este conjunto empresta à procissão uma visibilidade da fé que nos ajuda a interpretar a vida quotidiana a uma nova luz e a peregrinar pelo mundo sem perder o sentido da eternidade. A procissão confere transcendência, beleza e alegria à existência. A procissão nasce da Eucaristia e prolonga-a na vida. A Igreja sai do templo e apresenta-se na praça pública. De facto, a Eucaristia deve levar-nos a um amor empenho de testemunhar a presença de Deus no mundo. Como pedia o Papa João Paulo II, a propósito da Eucaristia: “Haja um empenho por parte dos cristãos, de testemunhar com mais vigor a presença de Deus no mundo. Não tenhamos medo de falar de Deus e de ostentar sem vergonha os sinais da fé” (MND 26). D. Manuel Pelino, Bispo de Santarém

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