José Coutinho da Silva
Desde 2005 foram muitos os alertas lançados quer em Portugal quer nos mais diversos países sobre o aumento do número de portugueses que partiam para uma nova onda de emigração. Teimosamente as autoridades negavam essa realidade utilizando falaciosamente o argumento de que já não há emigrantes porque somos todos cidadãos europeus que podemos livremente ir e voltar. Agora o entendimento parece ser outro e até já se empurram as pessoas portas fora: desempregados, diplomados e indiferenciados, salvem-se enquanto podem!
“Assim nos matam a esperança”, comentava à mesa da consoada uma jovem enfermeira dos arredores do Porto acolhida por uma família de imigrantes portugueses em França que tinham sabido da sua solidão naquela noite. Chegou há oito meses. É uma dos trinta enfermeiros–imigrantes portugueses que desde há 18 meses têm vindo de Portugal para trabalhar no hospital da cidade. E mais estão previstos. Como eles, chegam muitos milhares. Estima a estatística – deficiente por causa da livre circulação – que anualmente serão mais de 30 mil os portugueses que procuram em França uma outra vida.
Dizem os que já por cá vivem há dezenas de anos – membros de uma pequena equipa de ação católica operária de Toulouse – que “até parece que voltamos aos nossos anos 60/70. Hoje são os novos imigrantes que sofrem e são explorados; ; eles que estão com a corda ao pescoço, com dívidas em Portugal, o que querem é trabalho e enviar dinheiro para baixo. Aceitam o trabalho que outros não querem. Têm um salário mais baixo, trabalham mais horas, são uma boa presa para os patrões. Há portugueses que exploram os portugueses. Têm hora para começar mas não têm para deixar o trabalho”.
São jovens – 18/35 anos, chegam com filhos muito pequenos, primeiro através de empresas de recrutamento, agora e cada vez mais pelas redes familiares ou de vizinhança que os acolhem em casa, ajudam-nos a encontrar trabalho essencialmente na construção civil, nos serviços domésticos e de limpeza industrial, e guiam-lhes os primeiros passos junto das administrações por causa da língua, das matrículas dos mais pequenos nas escolas. Beneficiam da imagem de bons trabalhadores da imigração portuguesa em França, mas ouvem-se já queixas, no seio da comunidade portuguesa, sobre a concorrência desenfreada no mercado do trabalho (fazem baixar o salário horário e o trabalho não declarado é moeda corrente…). Apesar de terem nascido e vivido em Portugal em clima de liberdade e de tomada de consciência dos direitos e da dignidade de cada pessoa do pós-25 de abril, nota-se com frequência, no dizer de uma senhora portuguesa a quem uma “amiga recente” havia “tirado o trabalho” de empregada de limpeza, que afinal, “diante da urgência e da necessidade, o verniz estala depressa”. Se a liberdade de escolher o seu país de residência constitui um direito universal e um passo importante no caminho de uma humanidade adulta, ser empurrado para fora de fronteiras como desnecessário e inútil faz-nos refletir sobre o sentido da história e da identidade de um povo. Ouvem-se desabafos “não me falem mais de Portugal… para lá nunca mais”. E os mais antigos revivem dolorosamente uma história que julgavam definitivamente encerrada. Pensavam ter sido os últimos a emigrar de uma terra de que pouco a pouco passaram a orgulhar-se pela democracia e pelo desenvolvimento conquistados; de uma terra para onde voltavam cada vez mais reconciliados. Afinal veem de novo rios de gente a correr para as quatro partidas do mundo, afogando-se no oceano do salve-se quem puder sem olhar a meios. Veem as pessoas com as raízes a serem-lhes cortadas (a recente decisão do Instituto Camões de suprimir 50 postos de professor de português na Europa também vai nesse sentido) e perguntam-se se ainda contam com elas para que o país volte a levantar-se.
Neste contexto, haverá ainda quem seja capaz de ouvir as palavras que o Papa Bento XVI dirigiu aos dirigentes africanos a quando da sua recente viagem ao Benim: “Não privem os vossos povos da esperança”? Quantos anos serão precisos para que também estes novos imigrantes em França se recomponham como homens, mulheres, famílias, atores de uma sociedade em que os pobres deixem de se bater contra os pobres?
José Coutinho da Silva
Orléans – França