Privação de Subsídios e Equidade

A. Leite Garcia, Fórum Abel Varzim

No início da austeridade exigida pela correção dos excessos de despesa, fomos surpreendidos por uma sobretaxa extraordinária do IRS, que incide sobre os rendimentos auferidos no ano de 2011 que excedam o valor anual da retribuição mínima mensal garantida (RMMG – 485 euros). Retribuição que a seguir designaremos expeditamente por salário mínimo.

Para quem apenas aufere rendimentos distribuídos por 14 prestações mensais, esta taxa de 3,5% equivale a cerca de metade dum destes pagamentos. Assim, a sua aplicação corresponde à expropriação de uma parte do subsídio de Natal. Quase metade para os maiores vencimentos, mas quase nada para rendimentos próximos do salário mínimo.

A pequena incidência desta taxa extraordinária nos rendimentos mais reduzidos reflete preocupações de justiça social, atenuando o peso destas primeiras medidas de austeridade sobre aqueles que a sofrem de forma intensa e continuada.

Como esta taxa extraordinária incide sobre todos os rendimentos englobáveis na declaração do IRS, não é verdade que só recaia sobre rendimentos do trabalho dependente e pensões. Embora sem a possibilidade de retenção antecipada e concentrada no Natal, muitos outros rendimentos são abrangidos, nomeadamente, gratificações não atribuídas pela entidade patronal. Todavia, outros rendimentos, como juros e dividendos, bem como mais-valias resultantes de diversas operações mobiliárias, geralmente não englobados no apuramento do IRS, sobretudo quando correspondem a valores significativos, estão isentos desta taxa extraordinária, mitigando as anteriores conclusões quanto à equidade desta medida.

Em 2012, a privação dos subsídios de férias e de Natal, limitada aos trabalhadores do setor público, levanta maiores questões de equidade. Por razões processuais, resultantes sobretudo da necessidade de substituir aumento de impostos por redução de despesas, compreende-se o recurso à privação destes subsídios, socialmente menos dolorosa do que a eliminação de postos de trabalho necessária à obtenção dos mesmos efeitos na redução das despesas. Todavia, por razões de equidade e de transparência de procedimentos, também os trabalhadores do setor privado deveriam contribuir para a redução do défice do orçamento do Estado com um acréscimo de receita de impostos semelhante à redução de despesas conseguida com a supressão dos subsídios.

Uma pista a explorar consiste no englobamento na massa salarial, com a consequente sujeição ao IRS e às contribuições para a segurança social, de muitos pagamentos que, apesar dos esforços do legislador em contrário ainda hoje lhes escapam, como sucede com muitos abonos a pretexto de despesas com telemóveis, transportes, combustíveis, carro, representação e seguros. Medida que pouco ou nada afetaria os trabalhadores com salários mais baixos, raramente beneficiando destas mordomias.

Algumas empresas, nomeadamente de consultadoria e de serviços financeiros, vêm acordando com os seus quadros apenas o total anual de despesas que a empresa associa ao posto de trabalho, incluindo impostos e segurança social. E deixam que a distribuição entre 12, 14 ou mais pagamentos anuais, bem como os abonos concedidos para carro, combustíveis e representação, sejam escolhidos por cada colaborador, de acordo com os seus gostos e necessidades e com os reflexos fiscais correspondentes.

Este exemplo desmistifica a necessidade de regras uniformes e de um mesmo número de pagamentos anuais. A atenção deve ser concentrada no total anual. A transparência pode ser ajudada pela simplicidade mas não exige a uniformidade. O pagamento de subsídios de férias e de Natal pode ser um procedimento demasiado paternalista, fomentador do consumismo e desmotivando bons hábitos de poupança e de gestão financeira, mas o seu abandono não deve ser imposto por razões de mera uniformização, interna ou externa.

Para além de um PIB em crescimento acelerado, e não estagnado como sucedeu no último decénio, o grande objetivo a prosseguir ainda deverá incluir que a percentagem destinada à remuneração do trabalho volte gradualmente a valores superiores a 50%, vigentes no fim do século passado, visando a satisfação das necessidades dos trabalhadores a partir das seus salários, devidamente corrigidos por justa redistribuição de rendimentos. E nunca mais se estimule a ilusão de riqueza baseada no endividamento excessivo, mesmo com juros baixos, como vinha sucedendo nos últimos anos.

A. Leite Garcia, Fórum Abel Varzim

 

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