Filipe Lopes realça a importância de «humanizar» os estabelecimentos prisionais e recorda que estas pessoas um dia serão «o nosso vizinho do lado»
Lisboa, 27 fev 2018 (Ecclesia) – Filipe Lopes leva poesia às prisões há 15 anos, num projeto que tem como objetivo contribuir para a reabilitação dos reclusos, através da palavra, e ajudar a contrariar os estigmas sociais que pesam sobre aquelas pessoas.
Em entrevista à Agência ECCLESIA, o voluntário de 42 anos explica que o projeto ‘A poesia não tem grades’ começou em 2003, a partir de uma iniciativa de leitura no Estabelecimento Prisional de Sintra, promovida pela Direção-Geral dos Serviços Prisionais, e da perceção de que, “apesar de se sentir uma pessoa bastante aberta, também ele tinha imensos preconceitos” em relação aos reclusos.
Para Filipe Lopes, é fundamental passar a mensagem à sociedade de que estas pessoas estão ali por causa de uma determinada história de vida, que poderiam ter tido “outro destino” que não aquele, e que ninguém está livre de cair ou errar.
“Existe a punição através da pena de prisão, mas temos de olhar para estes homens e mulheres também pelo seu contexto”, salienta o voluntário que com o seu trabalho espera contribuir para a “humanização” dos estabelecimentos prisionais.
Aquelas pessoas, assinala, merecem ser “tratadas não apenas como um número, mas pelo seu nome”, porque “daqui a uma semana, a um ano, a dez anos vão ser o nosso vizinho do lado” e é essencial que saiam “como pessoas renovadas”.
As sessões de poesia na prisão duram cerca de hora e meia e Filipe Lopes destaca a importância do diálogo e da escuta para a recuperação dos reclusos.
“A palavra, o conseguir estar com aquela pessoa e ouvi-la no momento certo pode fazer a diferença para se calhar salvar vidas”, observa.
Habitualmente, o voluntário leva consigo cerca de “10, 15 poemas” para ler, além de “centenas de folhas com textos que possam ser aproveitados pelas pessoas”.
Os autores são variados, portugueses e estrangeiros, como Eugénio de Andrade, Florbela Espanca, António Lobo Antunes, Fernando Pessoa ou DH Lawrence e Charles Baudelaire.
No entanto, mais do que declamar poesia a intenção passa por “ouvir as pessoas” e desafia-las também à escrita, porque isso também ajuda a desabafar, a exprimir sentimentos.
“Cada pessoa tem a oportunidade de ler os textos que escreveu, de fazer as suas perguntas, de dizer aquilo que sentiu a ler”, explica Filipe Lopes.
Das “centenas de histórias que tem para contar”, o voluntário tem “uma marcante que não esqueceu” e que gosta inclusivamente de contar nas suas sessões: é a de um rapaz com cerca de 20 anos, que estava preso porque tinha caído no vício da droga.
“Ele disse-me que na prisão tinha ganho outro vício, o da leitura, e que ao ler determinados textos tinha sentido sensações tão fortes ou melhores do que aquelas que sentia quando tomava drogas”, recorda Filipe Lopes.
Sobre o futuro do projeto ‘A poesia não tem grades’, o voluntário natural de Tomar pretende atrair mais voluntários para esta missão.
Ao mesmo tempo, quer dar andamento a outros projetos em que está a participar, nomeadamente um que está diretamente ligado à prevenção do crime e da delinquência.
Filipe Lopes trabalha há vários anos com a Comissão Nacional de Proteção de Crianças e Jovens, sobretudo no contacto com as escolas; a ideia é prestar este serviço “cada vez mais cedo”, com as “famílias”, acompanhando-as, dando-lhes “competências” para que os mais novos não caiam nas margens da sociedade.
O projeto ‘A poesia não tem grades’ vai ser um dos destaques do Programa ECCLESIA, esta tarde na RTP2 a partir das 15h00, num trabalho ligado à Pastoral das Prisões.
JCP