Visitadora em Leiria, há cerca de 30 anos, relata encontros e histórias de sofrimento humano que importa redimir
Lisboa, 10 jul 2024 (Ecclesia) – Ana Rute Santos entrou pela primeira vez num estabelecimento prisional, em Leiria, no dia do seu 13º aniversário e, 30 anos depois continua a visitar jovens que “precisam ser chamados pelo nome”.
“Há pessoas reais, há histórias reais. E há, de facto, pessoas marcadas por sofrimento, pela dor. Quando começamos a conhecer as suas histórias, o que está por trás de cada trajetória, percebemos não havia outra alternativa: 99% deles têm histórias muito difíceis”, conta à Agência ECCLESIA a visitadora, que pertence ao grupo ‘Os Samaritanos’.
“Chamá-los pelos nomes é uma alegria porque quando entram na prisão passam a ser um número e nós, visitadores, temos acesso à pessoa. E isso é um privilégio para nós. Eles deixam de ter máscaras. Não precisam se defender. E eles contam-nos aquilo que querem”, acrescenta.
Ana Rute Santos iniciou as visitas ao estabelecimento prisional regional, direcionado para mulheres, na altura existente em Leiria, e recorda ter encontrado “pessoas normais, mães de família” que a receberam “de braços abertos”.
O terceiro encontro que teve com reclusas não esquece palavras que lhe foram dirigidas por uma “mega traficante, reincidente”: “Rute, tu és nova, já percebeste que esta vida não é fácil e que há muitos caminhos errados que nós podemos tomar. Perdi noção dos quilos de droga que vendi na minha vida e que me passou pelas mãos, todo o tipo, mas foi aqui que consumir pela primeira vez”.
A visitadora lamenta que o sistema prisional não ajude quem está recluso e por isso persiste em ser voluntária procurando mostrar que “todos merecem uma segunda oportunidade, seja ela segunda, terceira ou quarta”.
A prisão devia ser um espaço que os ajudasse, de facto, a encontrar uma estrutura que eles não tiveram durante a vida. E muitos deles estão presos muitos anos e saem de lá exatamente como entravam, ainda pior. É preciso olhar para além daquilo que a pessoa fez, do crime. É isso que eu vejo lá dentro, que as pessoas estão privadas de tudo, mas que continuam a ser amadas, tal como eu sou amada”.
Reconhecendo ser um trabalho de “lançar a semente”, é com alegria que recorda noticias que recebe de reclusos que acompanhou e que “casaram, tiveram filhos” ou perceberam mudanças “mesmo no interior da prisão, na relação com colegas e com guardas, porque se descobriram amados”.
A mãe de Rute Santos, entretanto falecida, continua a ser recordada por toda a população prisional que visitou semanalmente e que ajudava quando saia do estabelecimento prisional e precisava de ajuda.
“A vida da minha mãe alargou-se e ganhou sentido quando começou a ser visitadora do estabelecimento prisional; fez uma entrega àqueles rapazes (da prisão escola) e fazia-me sentido acompanhá-la e partilhar estas histórias com ela que ainda hoje são recordadas e acarinhadas por quem se cruzou com ela”, recorda.
Ana Rute Santos tem mestrado em Ciências Religiosas, com uma tese «O desafio de um olhar diferente perante a pobreza, na unidade letiva 3, com o nome A Partilha do Pão, do 6.º ano de escolaridade», onde analisou a importância da intervenção social realizada por crianças.
“Para mim era muito importante que as crianças pudessem perceber de que forma é que também podiam eles intervir para a melhoria de condições de vida dos outros. O que é que nos cabe a nós, enquanto cidadãos e enquanto cristãos? O que é que eu posso fazer? E aqui a pobreza, neste sentido da falta de cuidados básicos, de necessidades básicas, mas também alargar um bocadinho, esta pobreza de espírito. Estas coisas não se ensinam nos livros, nem se ensinam a falar, ensinam-se a fazer, a saber fazer, a experienciar”, indica.
Ana Rute Santos é convidada do programa ECCLESIA, emitido na Antena 1 esta noite, pouco depois da meia-noite, conversa que fica posteriormente disponível no podcast ‘Alarga a tua tenda’.
LS