Primado do Papa em debate na assembleia ecuménica europeia

A questão do Primado do Papa estará em debate entre os 150 delegados de Igrejas cristãs, Conferências Episcopais, organismos e movimentos ecuménicos da Europa que dão início, hoje, à III Assembleia Ecuménica Europeia (AEE3). Entre eles conta-se D. Manuel Felício, Bispo da Guarda, em representação da Conferencia Episcopal Portuguesa. Falando aos jornalistas, no início dos trabalhos, Jean-Arnold De Clermont, presidente do Conselho das Igrejas Europeias (KEK), disse que “nem mesmo as Igrejas mais pequenas colocam em questão o primado de honra que o Bispo de Roma tem na Igreja universal, mas isto não resolve, mesmo assim, a questão relativa à jurisdição desse primado”. “Ainda há muito a fazer”, reconheceu. Pouco depois do início do seu pontificado, Bento XVI fez questão de afirmar que a sua missão enquanto Papa, não é um obstáculo à plena e visível unidade entre os Cristãos. “Que o ministério petrino do Bispo de Roma não seja visto como obstáculo, mas sim como apoio para o caminho rumo à unidade, e nos ajude a realizar quantos antes o desejo de Cristo: Ut unum sint (que todos sejam um)”, disse. João Paulo II, na encíclica “Ut Unum sint”, de 1995, referiu que a questão do primado do Bispo de Roma implicava “a um novo estudo sobre a questão de um ministério universal da unidade cristã”. Para os católicos, o primado do Papa não é apenas de honra, mas de pleno poder de governo. História A Igreja, depois da experiência da ressurreição, ficou por Jerusalém, depois passou à Samaria e em seguida Antioquia. Alguns Apóstolos acabaram por fundar as suas Igrejas, particularmente São Paulo, e depois São Pedro, que esteve em algumas comunidades. A partir do séc. II o Cristianismo vai tendo uma certa implantação e, como tudo o que é humano, começou a conhecer problemáticas. Perante essas situações, alguns Padres de Igreja, como Inácio de Antioquia, Ireneu e Tertuliano manifestam a sua admiração para com a comunidade de Roma e aconselhavam a consulta às comunidades fundadas pelos Apóstolos. Já no fim do séc. II temos Igrejas de fundação apostólica com dignidade equiparável. Posteriormente, a comunidade de Roma ganha um lugar de relevo porque era a capital do Império e pela presença dos túmulos dos Apóstolos Pedro e Paulo. Vamos encontrar Bispos de Roma, nesta época, que tentaram introduzir algumas normas e orientações para outras comunidades, como Vítor (questão das datas da Celebração da Páscoa no Ocidente e no Oriente) e Estêvão (disputas com São Cipriano de Cartago). É Estêvão que assume o título de sucessor de Pedro como sinónimo de autoridade suprema, com direito de orientar outras comunidades eclesiais. A aceitação não é imediata, mas a comunidade de Roma sempre foi tida em grande apreço. Os Concílios ecuménicos de Niceia, Éfeso e Calcedónia serviram para reforçar o papel do Bispo de Roma na defesa da Ortodoxia, o qual acabou por gozar de uma preeminência em relação aos outros Bispos, quer do Oriente, quer do Ocidente. Com o Bispo Dâmaso, no séc. IV, e com São Leão Magno, no séc. V, a Igreja de Roma passa a ser considerada a sede da Igreja Católica. É evidente que aqui temos de fazer uma pequena distinção: enquanto que na Igreja do Ocidente, se aceitou com agrado a orientação romana, na Igreja do Oriente, bastante fragmentada por meio das sedes metropolitanas e patriarcais, sempre houve alguma dificuldade em aceitar orientações de Roma. Nos Concílios foi sempre visível que os Orientais entendiam que a Ortodoxia passava pelo exercício da sinodalidade, a Igreja do Ocidente entendia que a ratificação final do conteúdo da fé devia ter a chancela do Bispo de Roma. O título de Papa, nos primeiros séculos da Igreja, era atribuído praticamente a todos os grandes Bispos. Os fiéis exprimiam facilmente o seu carinho para com o seu Bispo ou, nos grandes mosteiros, em relação ao Abade. Do plural chegou-se depois ao singular. O primeiro documento em que encontramos referência a um Bispo de Roma que assume para si esse título é do ano 302, de Marcelino II, no monumento fúnebre que mandou erigir para um dos seus diáconos. No séc. V, aos poucos, as pessoas começam a chamar Papa apenas ao Bispo de Roma. No Oriente, a partir do séc. VI, acaba-se por fazer o mesmo, embora ainda encontremos um ou outro Bispo que chama para si esse mesmo título. Gregório VII, no séc. XI, através do “Dictatus Papae”, afirma na proposição XI que o título de Papa deve ser usado única e exclusivamente para o Bispo de Roma. AEE3 De 24 a 27 de Janeiro, os representantes das Igrejas Cristãs do Velho Continente começam, em Roma, o processo que culminará na AEE3, organizada pelo Conselho das Conferências Episcopais da Europa (CCEE, 34 organismos episcopais católicos), e pela Conferência das Igrejas Europeias (KEK, 150 Igrejas ortodoxas, protestantes, anglicanas e vetero-católicas), sobre o tema “A Luz de Cristo ilumina todos. Esperança de renovação e unidade na Europa”. “Como Igrejas, estamos à espera de passos concretos, mas estamos aqui hoje para ajudar a dar um testemunho da vida cristã no mundo”, disse De Clermont. A AEE3 pretende prosseguir, de forma renovada, a tradição iniciada em Basileia (1989) e Graz (1997). Desta vez, contudo, a assembleia não é um único evento, mas consiste num processo que atravessa quatro etapas. O objectivo é realizar uma espécie de peregrinação simbólica para reencontrar as riquezas das diversas tradições cristãs e redescobrir as raízes cristãs da Europa. A primeira e a terceira etapa irão decorrer em Roma (24-27 de Janeiro de 2005) e em Wittenberg-Lutherstadt, na Alemanha (15-18 de Fevereiro de 2007). Consistirão no encontro de 150 delegados das Igrejas, Conferências Episcopais, organismos ecuménicos, comunidades e movimentos ecuménicos. A segunda etapa consistirá em encontros nacionais e/ou regionais, que se realizarão em toda a Europa, durante a segunda metade de 2006 ou no início de 2007. Finalmente, a Assembleia, propriamente dita, terá lugar em Sibiu, Roménia, de 4 a 8 de Setembro de 2007, com a participação de três mil delegados. Em simultâneo, terão lugar encontros em todas as cidades da Europa onde tal for possível.

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