Presidente da Cáritas teme radicalização

Eugénio Fonseca fala num país «cansado» e defende responsabilização do mundo financeiro

Lisboa, 23 out 2012 (Ecclesia) – O presidente da Cáritas Portuguesa teme uma radicalização nas reações da população perante a austeridade, lamentando o constante aumento da carga fiscal num país “cansado” e cada vez mais pobre.

“As pessoas sofrem e não sabem porque fazem esta austeridade. Espero e desejo muito que as pessoas não enveredem por caminhos duma radicalidade extrema”, refere Eugénio Fonseca, numa entrevista hoje publicada pela Agência ECCLESIA, que dedica o dossier do seu mais recente semanário ao Orçamento de Estado proposto para 2013.

O responsável sublinha que a situação do país já era grave antes da crise, com cerca de 20 por cento de pobres na população, e diz mesmo que “nunca” houve coesão social em Portugal.

“O povo está a ficar cansado de ser tão solicitado e está também a sofrer as consequências da crise”, alerta, antes de frisar, a título de exemplo, que “não é desertificando o interior do país de bens e serviços essenciais que se consegue motivar as pessoas”.

“O meu receio é que, depois de paga a dívida, tenhamos uma grande franja da sociedade portuguesa totalmente desmobilizada”, acrescenta.

Segundo o presidente da Cáritas, há o risco de “uma conflitualidade que pode ser muito maior do que as pequenas quezílias que têm acontecido” se a Europa “não arrepiar caminho”.

“Quando temos no espaço europeu países de primeira e países de segunda e prevalece o domínio de uns países sobre os outros, não sei como pode haver tranquilidade e harmonia”, afirma Eugénio Fonseca, confessando-se “perplexo” com a decisão de atribuir o Nobel da Paz à União Europeia.

Este responsável refere, no entanto, que “há órgãos de soberania que têm de ser respeitados” e que “ninguém se pode arrogar o direito de governar, seja o que for, a partir da rua”.

O presidente da Cáritas revela que, ao longo dos últimos três anos, “não deixou de aumentar” o número de pessoas que procuram a ajuda da Igreja Católica e admite que “será mais difícil no futuro” face às medidas anunciadas para o próximo ano.

“O Governo não pode ficar, como tem estado, tão distante da ajuda de que as pessoas precisam”, alerta.

Eugénio Fonseca critica o aumento de impostos previsto na proposta de Orçamento de Estado para 2013 e declara que “quem governa o mundo é o poder económico”.

“O capital tem de ser um meio e não um fim absoluto, como tem sido até agora”, observa.

O responsável nacional pela organização católica de solidariedade e ajuda humanitária sustenta que a existência de paraísos fiscais é uma prova “da desresponsabilização do bem que devia ser para todos”.

“Nunca se conseguirá ter uma justiça fiscal autêntica sem se destruir esse adamastor”, assinala, a respeito dos chamados ‘offshores’.

O presidente da Cáritas Portuguesa defende, por outro lado, uma renegociação do prazo do programa de assistência da ‘troika’ (Banco Central Europeu, Comissão Europeia e Fundo Monetário Internacional) por considerar que as metas são “muito altas”.

Em relação ao papel da Igreja Católica nesta situação, Eugénio Fonseca considera que tem sido feito um esforço para que a ação da Cáritas não se confine “apenas à dimensão assistencial”.

O especialista lamenta, por outro lado, o “défice de conhecimento da Doutrina Social da Igreja” (DSI), sublinhando que esta é essencial para a “transformação da sociedade”.

LFS/OC

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