Presenças sacramentais de Cristo

A esposa daquele que se humilhou a si mesmo, assumindo a condição de servo até à morte "e morte de cruz" (Filp 2,8), não poderia deixar, também ela, de ser pobre, radicalmente pobre. E a maior expressão da sua pobreza é a de, apesar de salva pelo Esposo, permanecer incapaz de se dar a vida a si mesma. No que são as verdadeiras realidades que a adornam (a graça, a santidade, a vida eterna), ela depende, sem cessar, daquele que a amou e se entregou por ela.

Só o Pai pode dar a vida. E fá-lo através de Jesus ressuscitado, o único mediador entre Deus e os homens, o único Sacerdote, como sublinha quase até à exaustão a Carta aos Hebreus. Sem a constante referência ao único sacerdócio de Cristo, a Igreja seria uma associação de bem-fazer ou até uma comunidade que escuta a Palavra, mas não seria a presença efectiva ("sacramental" – diz a Lumen gentium 1) do Senhor ressuscitado no mundo. A Igreja não é capaz de se salvar a si mesma, e tão-pouco é capaz de salvar os outros; não é ela a vida eterna, a verdade, e nem sequer é ela quem julga…

Certamente: o Esposo nada quer fazer sem a Esposa e, por isso, a Igreja é imprescindível enquanto meio e presença da graça (de tal forma que, mesmo quando actua fora das fronteiras eclesiais, o Senhor não deixa de convidar e indicar o caminho em direcção à sua Igreja). Mas isso não lhe retira a pobreza radical. Não espanta, pois, que no seio da Igreja – "dentro" como baptizados, membros de um "povo sacerdotal" que constantemente louva o Senhor, mas simultaneamente "perante ela", como ministros ordenados – o Senhor escolha aqueles que sacramentalmente participam e tornam presentes o único sacerdócio do Novo Testamento. Eles mais não são que a presença da graça salvadora de Cristo, cabeça, esposo e pastor – daquela graça que só pode ser acolhida como dom, e nunca criação, descoberta humana. Chamamos-lhes "sacerdotes" por participarem do único sacerdócio de Cristo; "padres" porque são a expressão da paternidade divina em cada comunidade que lhes é confiada; "presbíteros" ou "bispos" porque desempenham o lugar dos "anciãos" que os apóstolos deixavam como sucessores em cada comunidade depois de partirem para uma outra missão fundadora de novas comunidades.

Ao longo dos tempos, o ministério sacerdotal assumiu formas diversas (tão diversas que alguns, de um modo vesgo, datam tardiamente o seu aparecimento, como se a sua presença dependesse do querer dos homens ou das instituições): os presbíteros ou "episcopos" da era apostólica, compreensivelmente desempenhavam de uma forma diferente o ministério sacerdotal. Mas se as suas expressões se foram modificando ao longo dos séculos, o conteúdo, esse permanece o mesmo.

É importante que o "Ano sacerdotal", que agora tem início por convocação do Papa, não seja uma exaltação da figura do Padre. Até porque qualquer sacerdote participa da pobreza radical da Igreja (e por isso também é importante que ele seja para todos um exemplo de efectiva pobreza): a vida que distribui não é a sua, mas a do Ressuscitado; o amor que torna presente não é seu, mas de Deus; a verdade que proclama não é a sua opinião mas o próprio Jesus (Jo 14,6).

Ao mesmo tempo, no entanto, é importante que a Igreja perceba que não pode viver sem estes que são, sacramentalmente, a presença paterna daquele que deu e quer dar a vida eterna a toda a humanidade – com efeito, eles não são apenas uns líderes de comunidades, e muito menos uns sábios que ensinam uma doutrina.

Finalmente, é essencial que a Igreja reze pela fidelidade dos seus sacerdotes: fidelidade àquilo em que o Senhor Jesus, por acção do Espírito Santo, os constituiu; que reze também por aqueles que são menos fiéis (e todos, porque pecadores, o somos), para que se convertam cada vez mais, em cada dia que passa.

E que reze, sem cessar, para que muitos oiçam o apelo de Jesus e sejam capazes de lhe entregar toda a sua vida.

 

Cón. Nuno Brás da Silva Martins

Reitor do Seminário dos Olivais

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