Portugal: «Tratamento humano» dado aos imigrantes irregulares deve contagiar a população

Eugénia Quaresma, diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações, comenta caso de barco que deu à costa em Faro, no momento em que a Igreja Católica vive a 53ª Semana Nacional das Migrações, que inclui a Peregrinação Nacional do Migrante e do Refugiado a Fátima

Foto Lusa/João Matos

Lisboa, 11 ago 2025 (Ecclesia) – A diretora da Obra Católica Portuguesa de Migrações (OCPM) manifestou hoje satisfação pelo “tratamento humano” que 38 migrantes receberam após desembarcarem, na passada sexta-feira, na praia da Boca do Rio, em Vila do Bispo, no distrito de Faro.

“Aquilo que me chamou a atenção, e que eu acho que foi um tratamento humano, foi perceber quais destas pessoas é que precisavam de tratamento hospitalar e elas tiveram, foi esta atenção à vulnerabilidade, mas depois todo o procedimento de acordo com a lei”, afirmou Eugénia Quaresma, em declarações à Agência ECCLESIA.

Depois de darem à costa num barco artesanal de madeira no Algarve, os migrantes foram assistidos no local e transportados para unidades hospitalares, informa a Lusa; serão afastados de território português, uma vez que não houve pedidos de asilo.

“Nós sabemos que quando a pessoa não segue aquilo que diz a legislação portuguesa, o mais certo é ser convidada a sair ou ter um processo de retorno, pode ser um retorno voluntário ou ser um retorno mais forçado, mas é um procedimento normal e fico contente que tenha também sido tida alguma atenção para com as crianças”, referiu Eugénia Quaresma.

A responsável fala num procedimento normal, inserido no quadro da imigração regular, expressando que o que mais a preocupa é o facto de os migrantes poderem vir a ser maltratados pela população.

“Se o nosso governo teve este tratamento humanista, é bom que as pessoas também não hostilizem só porque chegaram de uma forma irregular ao seu território”, salientou.

Eugénia Quaresma defende que o “tratamento humanista” dado aos migrantes “deve contagiar a população”: “Eu acho que é um sinal muito evidente de que são pessoas que chegam, temos que atender em primeiro lugar à vulnerabilidade e só depois passar aos outros procedimentos que são normais e que não têm de ser violentos e que não têm de ser agressivos e não foram”.

Do ponto de vista migratório, a diretora da OCPM vê este caso como o “ensaiar” de “novas rotas”.

“Nós acreditamos que são redes que estão a ensaiar, que estão a trazer as pessoas e é preciso trabalhar também este lado mais ao nível jurídico, mais ao nível da legislação, trabalhar sobre as redes, atuar sobre as redes e não penalizar o migrante por usar estas vias”, observou.

O Tribunal Constitucional chumbou na passada sexta-feira a lei dos estrangeiros, considerando inconstitucionais cinco disposições do diploma, levando o Presidente da República a devolvê-la à Assembleia da República, sem promulgação.

Foi uma reivindicação nossa, das organizações católicas, que esta lei fosse ao Tribunal Constitucional, foi isso que fomos pedir ao Presidente da República, foi isso que fomos pedir ao Presidente da República, ficamos, congratulamo-nos por ele ter atendido e percebemos por este resultado que tínhamos razão, apesar de não ficar muito feliz por ter razão”, assinalou Eugénia Quaresma.

A diretora da OCPM realça que aquilo que alegraria mais seria “que esta lei fosse mais dialogada e fosse mais alvo de consenso político do que propriamente ver as coisas tratadas como foram”.

“É uma chamada de atenção para dizer uma marcha atrás, que às vezes também é necessária, não desviando do propósito de regular, porque nós sabemos que isso é importante”, destacou.

Agora, as organizações católicas esperam que “haja mais diálogo, que venha uma melhor redação e que os direitos, os princípios que estão consagrados na Constituição, que estão consagrados na Carta dos Direitos Humanos, até nas diretivas europeias”, estejam alinhados.

Em entrevista ao Programa ECCLESIA, transmitido hoje na RTP2, no âmbito da 53ª Semana Nacional das Migrações, o diretor do Serviço Jesuíta aos Refugiados (JRS), André Costa Jorge, apelou ao governo português que apoie os “processos de integração” dos migrantes, tendo em conta a sua “identidade cultural”.

O responsável alerta para o “discurso de hostilidade” face aos imigrantes, na Europa e no mundo que considera “que acaba por obliterar todas as dimensões de riqueza, de enriquecimento, de crescimento, de diversidade que as migrações oferecem aos países” que os recebem “e que, de alguma forma, enviesam muito a tomada de decisões”.

André Costa Jorge considera que as “respostas institucionais” para com os migrantes “não têm sido capazes de acompanhar as exigências”.

Para o diretor do JRS, o término das manifestações de interesse já é “o suficiente” para “reduzir o impacto de novas chegadas”, entendendo que tudo aquilo que vá para além disso é “gravoso”.

O foco tem que ser, por parte do Estado, em reforçar os serviços administrativos, reforçar onde os serviços não funcionam, de modo que as respostas aos utentes, no caso os migrantes, sejam mais céleres e sejam eficazes”, ressaltou.

Em declarações ao Programa ECCLESIA, Eugénia Costa Quaresma destaca a “questão das migrações precisa de uma resposta política, de uma resposta do governo” e a “lei tem que ser justa”.

“O Estado reconhece e todos os países reconhecem que precisamos de migrantes, então não podemos ter um discurso hostil para com os próprios migrantes”, sublinhou.

Foto: OCPM

A Obra Católica Portuguesa das Migrações (OCPM), da Conferência Episcopal Portuguesa promove, de hoje a 17 de agosto, a 53ª Semana Nacional das Migrações, dedicada ao tema “Migrantes: missionários da Esperança”.

“Com os migrantes a igreja alarga a sua tenda, vive a sua universalidade e consegue testemunhar o que é a unidade na diversidade. É um percurso, é um caminho, não isento de tensões, não isento de conflitos, mas que somos chamados a percorrer juntos, afirmou Eugénia Quaresma.

A Peregrinação do Migrante e do Refugiado a Fátima, a 12 e 13 de agosto, insere-se nesta semana, e é presidida por D. Joan-Enric Vives, arcebispo emérito de Urgel (Espanha).

O dia 12 de agosto é marcado pela conferência de Imprensa de apresentação da Peregrinação, promovida pela Comissão Episcopal da Pastoral Social e Mobilidade Humana, em conjunto com o Santuário de Fátima (16h00) e de uma bênção Solene das velas e rosário (21h30), na Capelinha das Aparições, seguida de Procissão das Velas.

A peregrinação termina no dia seguinte com a celebração da Eucaristia, presidida por D. Joan-Enric Vives, incluindo a oferta de trigo, a bênção dos doentes, a consagração, terminando com a Procissão do Adeus.

No dia 17 de agosto acontece a Jornada de Solidariedade para a Pastoral da Mobilidade Humana e, nesse sentido, a OCPM convida “as Paróquias, as Comunidades Cristãs e as Comunidades de Vida Consagrada a celebrar a Eucaristia pelos Migrantes e pelo trabalho pastoral que a Igreja Portuguesa desenvolve a favor dos mesmos”.

LJ/LS/PR

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